Não faltaram dados sobre a economia portuguesa, desde que António Costa aprovou o seu programa e ficou com plenos poderes. Problemas sérios na banca, dados macroeconómicos, também sobre a situação de alguns setores e empresas. Ainda relatórios e comunicados que mostram que vêm aí (mais) tempos de turbulência – pelo menos que exigirão prudência. Eis o registo de dezembro, ainda com o Governo a tomar assento – e antes de um Orçamento decisivo para o (novo?) rumo económico do país.

1. Um banco a cair, outros em dificuldades

Os resultados do terceiro trimestre nem foram dramáticos, mas nada disso evitou mais uma queda com estrondo esta semana.

O Banif deixou de existir, sendo integrado no Banco Santander. O Governo teve de responsabilizar-se por uma injeção de capital, por um veículo que vai gerir ativos potencialmente tóxicos e ainda dar uma garantia sobre os mais de 400 milhões que assume o Fundo de Resolução. Em três semanas apenas, António Costa e Mário Centeno tiveram de negociar com o Banco de Portugal e as autoridades europeias uma solução que evitasse a falência do banco – e esta foi a forma encontrada para evitar que cerca de 2 mil milhões em depósitos (acima de 100 mil euros) ficassem perdidos no caminho. A máquina de calcular já deu um retificativo, um défice de 4,3% este ano e mais dívida pública. Tudo pode custar até 3,8 mil milhões de euros (se juntarmos os mil milhões já colocados no banco pelo anterior Governo). E já custou a primeira divergência séria na maioria de esquerda.

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O Novo Banco aguarda acordo de Bruxelas para iniciar um plano de reestruturação – sem o qual não pode avançar a segunda tentativa de venda -, onde se inclui a possível venda e espera também uma solução para vender a seguradora GNB Vida, procurando um encaixe de 400 milhões de euros que ajudará a cumprir os rácios de capital exigidos pelo BCE. Essa venda pode ser feita ao próprio Fundo de Resolução, solução nunca vista que pode implicar mais injeção de capital no fundo pelo Estado ou pelos bancos – o que é visto com intranquilidade no mercado. Desta semana vieram mais duas novidades: o Banco de Portugal terá mais um ano para vender o banco; e o Bloco de Esquerda exige agora que o banco fique no Estado. Falando em intranquilidade…

Quanto à CGD, soube-se este sábado, pelo Expresso, que a administração precisa de um reforço de capital de 385 milhões de euros, de forma a conseguir pagar ao Estado o empréstimo que lhe foi entregue em obrigações convertíveis. O plano passava por fazer com que a Parpublica entrasse no capital da CGD; pela reclassificação contabilística da provisão destinada a serviços de saúde dos trabalhadores e reformados da Caixa e pela criação de uma holding com participações internacionais do grupo, que poderiam ser vendidas em 49%.

As notícias sucessivas sobre o sistema financeiro dão indicadores de fragilidade sobre o sistema financeiro, que passam também por alguma turbulência no Montepio e alguma indefinição acionista no BPI.

2. A dívida pública ainda em alta

Um relatório de dia 11 de dezembro, feito pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), estima que a dívida pública tenha descido para 128,7% do PIB até outubro, ficando acima das previsões para o conjunto do ano deste Governo e do anterior. Apontando para um valor central de 128,7% do PIB, os técnicos localizados no Parlamento admitem que a curva da dívida tenha invertido finalmente a curva, iniciando uma trajetória descendente, mas não veem como possível que sejam atingidos os objetivos traçados pelo Orçamento em vigor.

Esta terça-feira, os dados do Banco de Portugal confirmam as indicações: a dívida desceu 2.683 milhões de euros de setembro para outubro – mas está mais alta do que no final de 2014 em 3.502 milhões de euros. A pior notícia, neste campo, vem da resolução do Banif, cujo impacto na dívida será de 1,66% do PIB – quase três mil milhões de euros.

A manutenção da dívida pública em números altos, apesar da almofada de tesouraria criada pelo anterior Governo, é dos fatores mais limitativos do crescimento do país – e dos que mais limitam a margem de manobra do novo Governo. Os planos orçamentais para a legislatura, desenhados pelo ministro das Finanças Mário Centeno, preveem uma diminuição mais gradual da dívida do que os traçados pela coligação de direita.

3. Um orçamento no limite

Um alerta da mesma instituição chegou exatamente quando o Governo de António Costa aprovava o seu programa no Parlamento: as contas à execução do Orçamento do Estado indicam que a meta de 2,7% para o défice deste ano não vai ser cumprida, deixando mesmo assim em aberto a hipótese de Portugal ficar no limite do objetivo que pode permitir sair de Procedimento de Défice Excessivo. As piores notícias para o Executivo que chega têm a ver com a redução do ritmo de crescimento dos impostos coletados, embora existam algumas rubricas da despesa pública que fugiram ao controlo.

António Costa e Mário Centeno reagiram aos dados com cautela, ordenando alguma prudência aos ministérios para que os 3% de défice fossem cumpridos (embora sem medidas extra de maior monta). A pior notícia que resulta dos dados, porém, é que as Finanças ficarão sem margem de manobra para preparar o próximo Orçamento do Estado, que terá de mostrar em Bruxelas em janeiro. Centeno partiu sempre do cenário que se a base de partida seria um défice de 3% (como dizia a Comissão Europeia), mas se o ano fechasse com um défice mais baixo isso daria a base de trabalho mais favorável.

Esta quarta-feira a Direção-Geral do Orçamento mostra os dados de novembro, pelo que teremos mais informação para aferir este plano.

4. Uma inversão de curso: economia em desaceleração

São indicadores muitas vezes desvalorizados, mas importantes para quem está ao leme. Os dados da atividade económica e do clima económico do país caíram em novembro, contrariando uma tendência positiva de vários meses.

De acordo com o INE, os chamados indicadores de curto prazo apontam para uma redução da atividade económica na indústria, na construção e obras públicas e em setores de serviços, enquanto o indicador quantitativo do consumo privado apresentou uma subida homóloga ligeiramente mais acentuada em outubro.

O problema é que não é só nos indicadores de curto prazo que as notícias menos otimistas apareceram durante este mês. O boletim económico do Banco de Portugal fez também a revisão das estimativas de crescimento até 2017, sempre em baixa. E anota três razões para uma maior incerteza: o atraso na apresentação do Orçamento do Estado para 2016 (cujas políticas ainda não estão incorporadas); a imprevisível recuperação da economia a nível mundial, em especial das economias emergentes; e e recuperação mais gradual na zona euro – prejudicando estes fatores as exportações portuguesas.

4. Angola em dificuldades

Eis uma notícia vinda de fora que promete consequências duras para Portugal. A notícia de que a Reserva Federal dos Estados Unidos suspendeu a venda de dólares a bancos sediados em Angola criou um problema adicional a um país já em dificuldades, tendo em conta a baixa do preço do petróleo. Nos últimos dias, há notícias de problemas de pagamento no Estado, também de muitos portugueses em dificuldades, com salário em atraso ou já a regressar a Portugal face à crise que se instalou no país.

A tudo isto, juntou-se um dado do INE , indicativo do grau de dependência que existe entre as duas economias: mais de metade das empresas portuguesas que exportam bens para Angola só exportam para o mercado angolano, e, entre as restantes, grande parte está altamente dependente deste mercado, de acordo com o INE, numa altura em que a economia angolana enfrenta dificuldades. Exportações de bens para Angola caíram quase 30% nos primeiros nove meses do ano.

5. (1+1=2). A Soares da Costa despede 500

A construtora Soares da Costa anunciou a decisão esta semana: vai abrir um processo de despedimento coletivo de cerca de 500 funcionários. Na carta entregue à comissão de trabalhadores, a empresa anota a “estagnação do mercado de construção” em Portugal, mas também a quebra de receitas em Angola, o principal mercado da Soares da Costa, “relacionada com a produção petrolífera” que fez cair o investimento público e privado.

O processo de reestruturação vai agora começar, num dos setores que sofreu mais com a crise em Portugal – e que anotou mais falências e despedimentos ao longo da crise. O plano do novo Governo para relançar o setor, através do apoio público à requalificação está prometido, mas terá sempre uma limitação nos fundos disponíveis.

6. Incerteza é rainha no Reino de Espanha

Mais um fator de incerteza que surgiu nos últimos dias foi a indefinição política em Espanha, um cliente importante para Portugal. As eleições de 20 de dezembro não poderiam ter produzido um resultado mais fragmentado e inconclusivo, pelo que esperam-se meses de grande incerteza que poderão adiar decisões de investimento no país vizinho.

A maioria dos especialistas aponta como provável que haja eleições no segundo trimestre, após um período de negociações entre os partidos que deverá levar a nenhures. Isso significa que pelo menos durante um terço de 2016 a incerteza será rainha no Reino de Espanha. E veremos o que virá depois das prováveis segundas eleições.

7. Porto de Lisboa treme

Outro problema setorial que rebentou na última semana: o maior armador do mundo – a Maersk – desistiu de operar no Porto de Lisboa, devido às repetidas e prolongadas greves dos estivadores. Um outro grupo alemão já tinha também decidido trocar Lisboa por Leixões. O presidente do porto da capital já deixou um alerta: “Isto tem vindo a colocar em causa a viabilidade do Porto de Lisboa. É um processo contínuo, não é abrupto. Está-se a destruir a imagem do Porto de Lisboa. A estratégia [dos sindicatos] vai acabar também com os próprios postos de trabalho”.

O CDS também pôs pressão sobre o novo Governo, lembrado a “importância fundamental do Porto de Lisboa para o setor portuário e para muitas empresas portuguesas que se viraram para o mercado da exportação” – enquanto o Bloco de Esquerda falava antes de “pressão dos armadores para tirar dividendos do Governo”.

8. Mais pressão: embaixadas contra reversões

Se a economia tem alguma coisa a ver com perceções externas (nomeadamente quando falamos de investimento estrangeiro) então anote estas duas notícias conhecidas nos últimos dias: o embaixador mexicano emitiu um comunicado dizendo ter manifestado ao Governo português a sua “preocupação” com a possível anulação da subconcessão do Metro e da Carris, que tinha sido atribuída ao grupo ADO/Avanza; também os embaixadores do Reino Unido, de França e de Espanha queixaram-se ao Governo da anulação dos contratos de subconcessão dos transportes com empresas desses países.

Tudo isto acontece quando o Governo PS anuncia que já tem um resultado para o processo da TAP: exista ou não sucesso na negociação com o consórcio vencedor da privatização da TAP, o Governo vai mesmo reverter a operação – apesar da injeção de capital já feita na empresa. A troca de acusações desta semana mostra que o consenso entre as partes não vai ser nada fácil.

9. VW: Um caso a seguir com atenção

A fraude das emissões na Volkswagen rebentou no final do trimestre anterior, mas está a abalar fortemente a marca. Em Portugal, há promessas feitas ao anterior Governo no sentido de manter os investimentos previstos, mas as más notícias sucessivas sobre o grupo obrigam a vigilância atenta do novo Governo: vendas em queda, empréstimo de 20 mil milhões para pagar indemnizações e reparações (conhecido este mês), investigações em Bruxelas, instabilidade na administração. A Autoeuropa é, como se sabe, o maior responsável pelas exportações portuguesas – e forte contribuidora para o PIB português.

10. Desempregados: mais inscritos em novembro

O número de desempregados inscritos nos serviços de emprego subiu 3% novembro, segundo os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Em números brutos, podemos falar de uma estagnação: mais 1.907 desempregados inscritos, em comparação com o mês de outubro. Estagnação que também se mostrou nos dados mensais do INE sobre o desemprego registado, ainda nos 12,2%.

A política de emprego foi sempre apontada como prioridade número um do Governo de António Costa e será um dos seus maiores desafios. No final de novembro último, estavam registados como desempregados, nos serviços de emprego do Continente e Regiões Autónomas, 550.250 indivíduos, havendo 383 mil desempregados sem apoio do Estado, 39% do total, segundo os últimos dados revelados pela Segurança Social.

11. Uma decisão contestada: salário mínimo vs. emprego

Não é um indicador, mas uma polémica que mudará alguns indicadores. Será que uma subida rápida do salário mínimo nacional aumenta o desemprego? A pergunta teve novas respostas positivas esta semana, ainda sem que o Governo tivesse conseguido acordo com os patrões em concertação social. Se o ministro Vieira da Silva confia que isso não aconteça, esperando que a medida impulsione o consumo (e a economia), o governador do banco central alemão alertou que isso pode acontecer, numa visita a Portugal há uma semana. E viu a sua opinião corroborada pelo insuspeito economista (e Nobel da Economia) Paul Krugman, também numa conferência em Lisboa.

A reunião decisiva na concertação está marcada para a tarde desta segunda-feira, com António Costa a avisar já que o que vale é o que está no programa de Governo (530 euros em 2016, negociados com PCP e BE) e com os patrões a pedir compensações, ao nível por exemplo de descida da TSU.

12. Dois sinais de uma sociedade frágil: emigração e pobreza

Não é possível fazer um retrato da economia sem anotar os dados sobre a situação social – e também houve novidades esta semana. Os dados sobre a pobreza, divulgados pelo INE, são referentes a 2014: apesar de o crescimento económico ter voltado, o risco de pobreza manteve-se em 19,5% – aumentando mesmo assim na população idosa e nos desempregados. O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento mostra que a população em situação de desemprego registou uma taxa de risco de pobreza de 42% em 2014 (sendo de 14,5% na população reformada).

Mais recentes são os dados sobre a população em privação material: mais de 2,2 milhões de pessoas, uma redução de cerca de 425 mil pessoas a viver nesta situação face a 2014, descendo também a proporção da população em risco de pobreza ou exclusão social (26,7%, menos 0,8 pontos percentuais do que no ano anterior).

É sobretudo para estas pessoas que em falado o governo (e a maioria de esquerda), quando assenta as suas primeiras medidas na devolução de rendimentos à população (sobretaxa, salários do Estado, CES, todas aprovadas esta semana). Para eles e para quem saiu do país – sendo que o dado mais relevante deste mês não é estatístico, mas vem do presidente do Observatório da Emigração: “Vamos ter emigração alta, embora mais baixa que os níveis atuais, uma vez esta crise ultrapassada. Nunca iremos, nos tempos mais próximos, regressar a níveis de emigração muito baixos”, declarou Pena Pires no Parlamento, acrescentando que em 2014 a emigração se manteve nos níveis do ano anterior, com um saldo de 110 mil saídas.

13. A pressão vinda de fora

Mas para que estas políticas tenham sucesso, muito depende da margem de manobra que o novo Governo tenha no próximo Orçamento. E nesse campo as notícias dos últimos dias não são muito otimistas.

A mais importante veio da Comissão Europeia. No relatório anual sobre as contas públicas dos vários Estados, a CE analisou a margem de manobra orçamental de cada um, identificando a sua capacidade de puxarem pela economia sem comprometer a estabilização das contas públicas e da dívida. E o que conclui o relatório? Que Portugal não tem margem suficiente para estimular a economia no curto prazo e, ao mesmo tempo, assegurar a sustentabilidade das contas públicas no médio e no longo prazo.

Outro aviso seguiu rumo a Lisboa vindo da agência Fitch, que tem o rating de Portugal a um passo de deixar de ser considerada lixo: dizendo-se à espera do Orçamento para 2016, explicou que se for dada menor atenção à redução do défice ou se forem revertidas reformas estruturais já iniciadas, a perspetiva positiva que existe no rating da dívida portuguesa pode desaparecer. Ou seja, ficará mais longe a perspetiva de uma saída de lixo.

A pressão para que as reformas se mantenham em passo forte veio também do BCE: num relatório onde analisou as medidas introduzidas para flexibilizar o mercado de trabalho entre 2011 e 2014, em Portugal e Espanha, o banco central mostrou-se convencido que a flexibilização da legislação laboral poderá explicar a recuperação do emprego no último ano e meio, recomendando a Portugal que prossiga a implementação das reformas “a um ritmo acelerado”. A mesma legislação que a esquerda quer, em larga medida, reverter nos próximos meses. BCE sem cuja intervenção Portugal estaria, neste momento, a pagar o dobro dos juros pela sua dívida pública, segundo uma análise de economistas do Banco de Portugal.