A polícia búlgara está a ser acusada de tratar de forma violenta os refugiados que chegam à fronteira do país, com o intuito de entrarem no território, revela uma reportagem do jornal norte-americano The New York Times. As acusações vêm de diversos testemunhos, recolhidos juntos de voluntários que já estiveram presentes no local e de refugiados que contactaram com as autoridades fronteiriças do país.

Segundo a publicação, a razão pela qual grupos de refugiados tentam ir da Turquia até à Grécia, numa viagem marítima bastante perigosa (que já resultou em várias mortes), em vez de simplesmente fazerem uma viagem terrestre até à Bulgária, intrigou os que se debruçam sobre a crise de refugiados.

Há várias razões plausíveis: a viagem é mais barata (sobretudo devido à ação dos que se aproveitam das necessidades dos refugiados para lucrarem com o que dizem ser uma ajuda), a viagem até à Bulgária é mais perigosa do que parece à primeira vista (sobretudo no inverno, devido aos rios, bosques densos e às colinas irregulares que os refugiados têm de atravessar), e os equipamentos de monitorização tecnológica e as barreiras de arame farpado recentemente instaladas pelas autoridades búlgaras em alguns pontos fronteiriços são alvo de preocupação dos refugiados.

Mas a principal razão parece estar nas acusações de violência, partilhadas por muitos dos refugiados que contactam com os polícias búlgaros. Um relatório divulgado em novembro pela confederação internacional Oxfam, que agrega 17 organizações que lutam contra a pobreza e a injustiça, indica que os refugiados alegam “extorsão, roubos, violência física, ameaças de deportação e ataques de cães” feitos por a (e a mando da) polícia búlgara. Segundo o relatório, todos os refugiados que contactaram com as autoridades do país denunciaram alguma forma de abuso: e a ausência de exceções está a fazer com que as acusações sejam levadas a sério pelos grupos de ajuda internacional.

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No relatório, em que foram feitas 100 entrevistas a refugiados que passaram pela Bulgária e pela Sérvia, um grupo de cerca de 10 refugiados alega ter testemunhado um agente policial búlgaro a encostar uma arma de fogo à testa de um refugiado, enquanto outros se encontravam no chão, inconscientes. Assustadas, estas testemunhas ter-se-ão tentado esconder, mas terão sido apanhados pela polícia, que, segundo o que consta no relatório, ter-lhes-á “batido” e “roubado os seus valores, [a sua] água e [a sua] comida”. Sete pessoas desse grupo terão desaparecido: os outros nunca mais os viram desde então.

Há ainda relatos de outros dois refugiados, vindos do Afeganistão, que terão alegado que as autoridades búlgaras dispararam sobre eles para evitar que fugissem, tendo ambos ficado feridos pelos tiros.

Ao jornal The New York Times, outros refugiados relatam ter sido alvos de abuso policial. Um deles é um jovem iraquiano de 17 anos, Alan Murad, que afirma:

“Bateram-me e tiraram-me o dinheiro [que levava]. Saí da minha casa para fugir a um inferno, esperando encontrar um paraíso na Europa. Em vez disso, encontrei outro inferno [aqui]”

As mesmas acusações são partilhadas por Hasan Bulgur, um búlgaro que reside próximo da fronteira. Segundo este, “quando os refugiados tentam atravessar [a fronteira], travam-nos e empurram-nos para trás, às vezes batendo-lhes, roubando-os, até mesmo soltando os cães sobre eles”. Muitos ficam, segundo o The New York Times, a vaguear nas imediações da fronteira, “encharcados, depois de atravessarem um rio próximo”. Voltam, muitas vezes, em grupos de até 50 pessoas, algumas delas já com feridas no crânio e no nariz, relatam residentes locais (entre os quais Hasan Bulgur), ouvidos pelo jornal norte-americano.

Governo búlgaro diz que acusações são “exageradas”

As autoridades búlgaras negam que haja qualquer estratégia concertada para intimidar os refugiados que chegam ao país. O vice-ministro do Interior búlgaro, Philip Gounev, por exemplo, afirma que “as acusações são largamente exageradas” e que as autoridades estão sempre disponíveis para investigar os casos; mas para isso é preciso haver queixas:

“Das 30 mil pessoas que passaram a fronteira, só tivemos duas queixas que resultaram em processos [judiciais]. Não podemos fazer uma investigação se não nos derem pistas”, sublinha.

As dúvidas sobre a gravidade das ações policiais levantam-se, por vezes, por uma razão: segundo o presidente do Comité Búlgaro de Helsínquia, Krassimir Kanev, os traficantes de refugiados dizem-lhes que devem reclamar sobre abusos policiais, sejam verdadeiros ficcionais.

Isto porque, segundo as leis de imigração europeias, os refugiados que são registados num país não podem avançar para outro, até ordem governamental. Caso o façam, podem ser presos ou enviados de volta. Mas, explicam-lhes os traficantes, “se se queixarem dos abusos da polícia búlgara e tentarem entrar na Alemanha, têm mais probabilidades de não serem enviados de volta para a Bulgária. Têm [assim] um incentivo para mentir”, o que pode pôr em causa alguns dos depoimentos, defende Krassimir Kanev, ao jornal norte-americano.

Nem por isso, no entanto, Krassimir Kanev deixa de acreditar em muitos dos depoimentos: e diz mesmo que acredita que a violência policial sobre os refugiados é provável que exista, e seja prática habitual.