Álbum: Wake Up!
Editora: Believe Digital

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Wake up! Acordem. Haverá apelo mais encrustado no inconformismo da música rock do que este? Foi com esse chamamento que, em 1978, Jim Morrison arrancou o seu poético An American Prayer, musicado pelos The Doors. Foi esse grito político que os Rage Against The Machine fizeram ecoar no seu lendário disco homónimo (1991). Foram essas as primeiras palavras de Above, o único disco de Mad Season, o supergrupo do grunge que, em 1995, cantou a desilusão de uma geração. Foi ainda a recomendação dos Arcade Fire, no seu primeiro disco (Funeral, 2004), recordando as dores de manter as ilusões da juventude na idade adulta. E agora, em 2015, foi o Papa Francisco que converteu esse apelo em título do seu primeiro disco (Wake Up!) e do seu single de lançamento (“Wake Up! Go! Go! Forward!”), uma canção de rock progressivo que ornamenta um discurso seu na Coreia do Sul, em 2014.

https://www.youtube.com/watch?v=lXGOLYvVIpc

A canção é, em traços largos, uma amostra do que se encontra ao longo das 11 faixas do disco: discursos em várias línguas (incluindo português) e preces pela voz do Papa Francisco, em samples, encaixados em composições modernas de artistas italianos, que vão desde o já referido rock progressivo à pop, à música latina e aos ambientes etéreos ou chill-out. Surpreendente? Mais ou menos. Não é novidade que um Papa lance um disco – os Papas João Paulo II e Bento XVI já o haviam feito. Tal como não é novidade a utilização da música (e do rock em particular) para espalhar a palavra de Deus – basta, por exemplo, recordar a editora Flor Caveira. A novidade está, sobretudo, no estilo: rompendo com a tradição dos discos de música sacra, o Papa Francisco optou por sonoridades contemporâneas e diversificadas, seguindo aquela que tem sido uma das marcas do seu papado – um certo progressismo e a democratização da mensagem da Igreja Católica.

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A dúvida é se essa novidade estilística basta para tornar este disco interessante, em vez de uma mera curiosidade. E a resposta é óbvia – não basta. Em Setembro, muito antes do seu lançamento, a revista americana Rolling Stone avançava em exclusivo com o single e, a partir dele, antecipava um disco assumidamente rock, entre tons progressivos e a grandiosidade pós-rock de uns Godspeed You! Black Emperor. Não foi o que saiu. Nem de perto, nem de longe. Wake Up! é um disco musicalmente incoerente, aborrecido e que dificilmente agradará a alguém, por mais tempo que nele invista. E isto é válido para católicos e ateus, beatos e ímpios.

Em termos musicais, o disco é quase tão desinteressante quanto foram os dos Papas João Paulo II e Bento XVI – não é coincidência, pois a direcção artística ficou a cargo do mesmo Don Giulio Neroni. Os únicos aspectos que lhe conferem algum interesse são, portanto, os políticos: a opção biográfica de iniciar o disco com o seu discurso, na Praça de São Pedro, minutos após ter sido escolhido Papa; o destaque a determinadas causas políticas, como a do combate ao aquecimento global; a sonoridade que reconhece a necessidade de actualização e de cativar os mais jovens; e a prioridade dada ao mundo latino – em onze canções, apenas uma é falada em inglês. Nada mais.

Enfim, com realismo, é caso para dizer que seria um milagre estarmos perante um grande disco – é que não há memória de um único disco “institucional” realmente bom. Mas nem tudo nas expectativas descabidas da Rolling Stone saiu frustrado. É que, apesar da miscelânea de géneros, o rock está lá – na irreverência, no inconformismo, no apelo “wake up” do single que é o (único?) momento alto do disco. Porque, acima de tudo, o rock é atitude. E o Papa Francisco tem-na.

Alexandre Homem Cristo é doutorando no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e conselheiro no Conselho Nacional de Educação.