Patrick Stewart já viveu isto a sério. Viveu-o quando deixou os teatros ingleses no final dos anos 80 para ser Jean-Luc Picard, na série “Star Trek: The Next Generation”. Era o forasteiro que não se encaixava bem no formato americano do showbiz. Em “Blunt Talk” leva tudo isso ao exagero (estreia-se esta quinta-feira no TV Séries, às 22h30). Interpreta William Blunt, um homem dos noticiários da TV inglesa que chega a Los Angeles para tomar conta dos gostos americanos. Tem um programa à noite e o problema é que a vida fora do estúdio parece uma interminável sucessão de imprevistos e más decisões, como se Blunt vivesse numa permanente e bem bebida desgraça a más horas.

O nome Walter Blunt foi resgatado ao primeiro papel que Stewart interpretou no teatro, em “Henry IV, Part 1”, com a Royal Shakespeare Company, à qual se juntou em 1966. Seth MacFarlane produz esta criação de Jonathan Ames, experiente autor de histórias em que o protagonista parece estar condenado à miséria e ao insucesso – para perceber mais ou menos como é que este modelo funciona, passar os olhos por “Bored to Death”, série escrita por Ames para a HBO entre 2009 e 2011, é uma boa solução. Até ver, está garantida uma segunda temporada e, com esta primeira, uma nomeação para o actor inglês nos Globos de Ouro.

https://www.youtube.com/watch?v=miYYipdtLs4

Patrick Stewart, actor inglês de 75 anos, a quem a rainha deu o título de “sir” em 2009, veio do teatro para a televisão e para o cinema. Com a tragédia shakespeariana bem decorada, ficou conhecido sobretudo por comandar naves, liderar mutantes e ser o melhor amigo de Ian McKellen. Recordamos aqui os seus principais momentos fora dos palcos.

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Bombeiro, “Coronation Street”, 1967

Isto interessa por duas razões. A primeira tem a ver com a série em causa. É a produção de ficção mais antiga em exibição em todo o mundo. Esta história sobre nada em particular e tudo em geral, passa-se num bairro de Manchester que na verdade podia ser qualquer outro, em qualquer cidade inglesa. Além disso – e aqui entramos na segunda razão – esta foi a estreia de Patrick Stewart na televisão. Fez de bombeiro. É isto, tudo simples, bombeiro, não há muito mais história a contar, talvez se encontrem umas quantas imagens de péssima qualidade nuns corredores obscuros do Google e algumas colectâneas de trivia divertida como “pessoas que hoje são famosas e passaram pelo ‘Coronation Street’ quando não eram ninguém”. Stewart vai lá estar. E depois há colectâneas em formato vídeo como esta. Veja com atenção o minuto 4.25:

Gurney Halleck, “Dune”, 1984

Já não ter na memória que Patrick Stewart fez parte do elenco de “Dune” não é pecado, longe disso. A maior das razões é também a mais óbvia: Stewart desempenhou um papel secundário (pelo menos no filme de David Lynch, nos livros originais de Frank Herbert a história era outra e o espaço para esta personagem era bem maior e mais importante) e não teve hipótese para roubar o protagonismo a gente como Kyle MacLachlan, Jurgen Prochnow, Virginia Madssen ou Sting, o malvado rufia deste delírio científico. “Dune” conta a história de um planeta – o único no universo – onde é possível cultivar “melange”, a matéria (descrita na maioria das vezes como “spice”) que permite manter viva a humanidade. Há dois grandes clãs (Atreides e Harkonnen) em luta pelo controlo desse mesmo planeta, Arrakis. No meio de tudo isto, Patrick Stewart é Gurney Halleck, fiel oficial do lado dos Atreides, experiente mestre de armas, professor, um tipo com uma coragem aparentemente interminável e que, além de tudo isto, é também músico, virtuoso tocador de um instrumento chamado baliset, exemplo curto do vasto conjunto de criações do genial Frank Herbert, que gerou um universo inteiro num dos mais fascinantes delírios literários que a ficção científica alguma vez gerou. Ora recordemos Stewart a dar música aos seus camaradas de conflitos em planetas distantes:

Comandante Jean-Luc Picard, “Star Trek: The Next Generation”, 1987 – 1994

Foi a USS Enterprise que mudou a vida a Patrick Stewart, um privilégio e uma sorte, tudo na mesma cadeira de comandante. O inglês que chegou à América para ir – mais a respectiva equipa – onde nenhum homem alguma vez foi. Tinha o problema dos maus bons hábitos. Vinha da Shakespeare Company de Londres, habituado à disciplina que acompanhava as tragédias reais que levava ao palco. Os hábitos televisivos americanos eram diferentes mas Stewart deu a volta à questão, levou a mais popular das naves espaciais (ou será a Millenium Falcon?) ao sucesso, enriqueceu e conquistou o lugar inevitável que se seguiu: o da fama e dos blockbusters de Hollywood. No total, 176 episódios, quatro filmes, uma participação especial no spin-off televisivo “Deep Space Nine” e uma mão cheia de jogos de vídeo a dar voz a Picard. Isto depois de o criador de Star Trek, Gene Rodenberry, ter duvidado de um inglês careca aos comandos da Enterprise. Correu tudo bem.

Professor Xavier, saga X-Men, desde 2000

Depois de Star Trek, Patrick Stewart continuou no relativamente inexplicável e ainda em cargos de chefia. Professor Xavier é o homem que lidera os X-Men, o grupo de mutantes criado pela Marvel e que vai livrando o mundo de uns quantos malvados, sobretudo das más ideias de Magneto. Vilão este que foi interpretado por Ian McKellen em quatro filmes. Vai-se a ver e os mesmos dois actores são amigos à séria, protagonistas de um belo bromance que já vimos em curiosas mensagens no Twitter e que levou McKellen a celebrar o terceiro casamento de Stewart. Coisas bonitas à parte, convém lembrar que depois de sete anos a liderar o elenco de “The Next Generation”, Patrick Stewart teve alguma dificuldade em voltar a trabalhar (acontece a todos). Estava demasiado ligado à personagem de Jean Luc Picard e até os palcos ingleses duvidavam que tudo pudesse voltar a ser como era. Muito bem, Stewart arranjou lugar numa das sagas cinematográficas mais lucrativas de sempre e eventualmente regressou ao teatro inglês. Vai, Patrick, vai.

“Family Guy”, “American Dad” e “Robot Chicken”, entre 2005 e 2015

Antes de “Blunt Talk” já Patrick Stewart sabia que com Seth MacFarlane muita coisa era possível, ao nível da má educação controlada que dá em espectáculo televisivo. “Family Guy” e “American Dad”, séries de animação aconselháveis a garotos que não saibam inglês, deram fama a MacFarlane. E tiraram bom proveito de uma mais-valia de Stewart: a voz. Estes serão alguns dos exemplos mais mediáticos no percurso do actor enquanto intérprete de personagens animadas, ainda que tenha feito o mesmo em muitos jogos de vídeo ou como narrador do recente “Ted 2” (cá está MacFarlane outra vez). A sua participação em “Robot Chicken” vai pelo mesmo caminho, a diferença é que aqui a autoria é de Seth Green. A conclusão a tirar é que todos gostam dele. Está aqui a prova: