O Irão acusou hoje a Arábia Saudita de atacar a sua embaixada em Sanaa, a capital do Iémen, um ataque do qual terão resultado alguns guardas feridos.

“A Arábia Saudita é responsável pelos danos ao edifício da embaixada e pelo ferimento de algum do seu pessoal”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irão, em declarações à televisão estatal iraniana.

Segundo o jornal britânico Guardian, um porta-voz da coligação liderada pelos sauditas disse que esta acusação está a ser investigada.

Entretanto um repórter da Associated Press presente na cidade revelou que não viu quaisquer estragos no edifício.

Este incidente surge depois da polémica do passado fim de semana e que se arrastou durante a semana. A Arábia Saudita anunciou no sábado a execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr, juntamente com mais três xiitas e outras 43 pessoas ligadas a ataques da Al-Qaeda há uma década, estes últimos sunitas.

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A resposta do Irão chegou via ameaças do seu líder supremo, o ayatollah Ali Khamenei, que disse que este ato seria vingado com mão divina. Milhares saíram às ruas em vários países com população xiita para protestar contra a Arábia Saudita, em manifestações que eram na sua maioria pacíficas.

No entanto, a situação degenerou em violência quando a embaixada saudita na segunda maior cidade do Irão foi atacada com coktails molotov. Mesmo após a condenação dos ataques pelo Presidente do Irão, os sauditas decidiram cortar relações com Teerão. O Bahrein, o Kuwait e o Sudão seguiram o mesmo caminho em solidariedade, e os Emirados Árabes Unidos mandaram recolher o seu enviado especial ao Irão.

A guerra de palavras continuou publicamente, com o Irão a acusar os sauditas de estarem a tentar desviar as atenções dos seus problemas internos criando problemas com outros países.

A Arábia Saudita cortou de seguida as relações comerciais com o Irão e mandou suspender os voos para aquele país. Hoje, foi a vez de o Irão proibir importações da Arábia Saudita.

A guerra civil no Iémen

A história da escalada de tensões no Iémen pode ser semelhante a qualquer outro conflito em vários países do Médio Oriente assolados pela instabilidade no rescaldo da Primavera Árabe. Mas esta começa a ter contornos de um conflito internacional, que começou por ser uma guerra quase obscura entre a Arábia Saudita e o Irão.

O antigo presidente Ali Abdullah Saleh foi deposto na sequência da revolução que teve início na Tunísia e que se espalhou pelo Norte de África e Médio Oriente em 2011. No ano seguinte Abu Mandour Habi, sem oposição, venceu as eleições iniciando um período de instabilidade e de conflito armado que despoletou uma guerra civil.

Confrontados com a subida ao poder de Habi, um grupo de rebeldes do ramo zaidita do bloco xiita do Islão, os huthis, juntamente com forças leais ao antigo presidente deposto, iniciaram uma série de ataques com o objetivo de voltar a ocupar a cadeira do poder. E o avanço destes dois grupos armados durante os anos 2014 e 2015 culminaram com a ocupação da sede do Governo, Aden, o que levou à fuga de Habi para Riade, a capital da Arábia Saudita.

Mas porquê o interesse saudita neste conflito? Em primeiro lugar os dois países partilham uma extensa fronteira. E em segundo, e talvez o mais importante, os rebeldes huthis são apoiados pelo Irão (alegações sempre desmentidas por ambos os lados), visto que o grupo e a maioria deste país pertencem ao mesmo ramo islâmico. Como se tem visto nos últimos dias, a rivalidade entre sauditas e iranianos é particularmente sensível por razões históricas e agora estava em causa a hegemonia regional.

Assim, e depois de pedidos de ajuda militar a Riade por parte do presidente Abu Mandour Habi e da sua fuga, a Arábia Saudita organizou uma coligação da qual fazem parte, com maior ou menor participação, o Egito, Marrocos, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Qatar e o Bahrein juntamente com o apoio logístico e de informação dos Estados Unidos (que tinham já intervenção no Iémen combatendo a Al Qaeda) iniciando uma série de bombardeamentos com o objetivo de repor a anterior presidência reconhecida internacionalmente e considerada, pelos países que compõem a coligação, como a única com legitimidade constitucional para liderar os destinos do país.

Ou seja, se antes o Iémen caracterizava-se por ser uma espécie de teatro de operações camuflado do conflito entre Arábia Saudita e Irão, os desenvolvimentos dos últimos dias parecem estar a retirar o manto colocado sob a tensão entre os dois países.