Se Marcelo Rebelo de Sousa fosse oposição, viabilizaria o Orçamento do Estado de António Costa e refazia-se no lado de lá do poder. Projeção para o presente? Marcelo diz que os tempos não se repetem, mas que espera que não haja crise política. E que não vai contribuir para que haja… diz que não. Marcelo começou a campanha eleitoral a piscar o olho ao eleitorado de centro, dizendo ser da “esquerda da direita” e para prová-lo garantiu que ele, como Presidente, não contribuirá para “o ruído” nem para “criar dificuldades adicionais em situações difíceis”. A primeira? O Orçamento do Estado. Se este não estiver aprovado quando tomar posse, fará “o possível e o impossível” para que passe. Passos ouviu o conselho de Marcelo: muita serenidade e repensar-se na oposição.

O candidato social-democrata está apostado em entrar pelo eleitorado do PS adentro. Mesmo que isso signifique um desvio do que têm defendido os dois partidos que o apoiam formalmente, PSD e CDS. Esta segunda-feira começou por posicionar-se ideologicamente na “esquerda da direita”, mesmo que em tempos tenha pertencido ao chamado “grupo de Lisboa”, da ala mais à direita do PSD.

Mas a curva à esquerda de Marcelo não se fica apenas pela ideologia. Fica, em termos práticos, pelo papel que quer desempenhar já com este Governo. Primeiro, espera que ele tenha tempo de vida e que o primeiro suplemento vitamínico seja a aprovação do Orçamento do Estado: “Espero que o próximo Orçamento do Estado seja aprovado”.

Se não o for e se Marcelo for eleito Presidente entretanto, o primeiro-ministro pode contar com a colaboração de Belém: “Faria o possível e o impossível para viabilizar o Orçamento do Estado” até porque, lembra, já o fez “em condições que eram muito menos graves para o país”, acrescentou, falando aos jornalistas em Castelo Branco.

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Marcelo foge de uma crise política como o diabo da cruz. Os argumentos para que possa aconselhar “uma grande serenidade” são os efeitos para a sociedade: “Há males que se ocorrerem num futuro próximo terão um efeito irreversível. Uma crise política em cima de crise económica, na saída da crise… têm um preço brutal”, disse.

Os argumentos são sobretudo três:

1 – “Indefinição financeira do Estado português depois de decorrido praticamente um trimestre”;

2 – “Perplexidade dos nossos parceiros europeus e instituições europeias”;

3 – “Significaria apelos para intervenções abrindo uma crise política. Imaginemos por absurdo esta situação: se essa crise política mais ou menos longa culminava numa crise prolongada, como se chegou a falar e por isso eu rejeitei sempre essa hipótese de dissolução antecipada. A certa altura, já considerava como admissível um cenário desses, completamente absurdo, que era a dissolução com novas eleições. A formação de um governo, mesmo que não fosse complicado, seria sempre de três a quatro meses. Chegávamos ao pico do verão com o país sem Orçamento e sem Governo? À saída de uma crise? Isso aproveita a quem?”, disse.

Conselho para Passos

Primeiro dispensou-o de intervenção na campanha, agora aconselha-o a fazer uma travessia no deserto sem criar dificuldades adicionais. “Eu vivi realidades menos complicadas, agora viabilizar orçamentos depois de um período de dez anos de governação… Temos de ter uma grande serenidade”. “Que compensação psicológica e afetiva por aquilo que se passou num passado recente que compense a situação em que o país ficará? Não há. Agora é complicado, é complicado ter três anos de liderança da oposição. Não estou a profetizar nada”, acrescenta.

Mas o conselho implícito já lá estava para quem está na oposição: “O desafio é refazer-se na oposição depois de ter cumprido uma missão e ter saído com a sensação que esperava continuar numa fase seguinte”.

Para o Governo, o comentador candidato também tem uma receita – ou não gostasse Marcelo de ir a farmácias – “Compatibilizar medidas sociais com a não derrapagem financeira a outra é manter a coesão de base política”.