No filme dos irmãos Cohen, de 2013, Inside Llewyn Davis, um cantor e compositor toca em cafés e bares enquanto tenta entrar no mundo da música no início dos anos 60 em Nova Iorque. Apesar do inquestionável talento, de fazer de tudo para ser ouvido e notado, não chega a lado nenhum – a história termina até com um ainda desconhecido Bob Dylan a tocar no local de eleição da personagem principal, enquanto este leva uma autêntica tareia nas traseiras do bar. Esta podia ser a história de Connie Converse. Mas com uma grande diferença: a dela é real.

É que quando se fala de Connie Converse fala-se em talento, música, mistério, desconhecimento entre outras coisas. Tal como o fictício Llewyn Davis, Connie andava nos anos 50 por Nova Iorque a tentar deixar o seu nome na música folk americana. Deixou algumas gravações para recordar. Mas, em 1974, enviou cartas de despedida aos amigos e família e nunca mais ninguém ouviu falar dela. Desapareceu. E o que restou foi a apenas a música que pouca gente ouviu – pelo menos até agora.

É que Dan Dzula ouviu um raro registo musical da americana em 2004. Era uma gravação amadora dos anos 50, conta o site priceonomics.com, encontrada numa cozinha de alguém. Mas Dzula não largou mais a mulher que cantava: “A música dela era tão maravilhosa para mim que me parecia óbvio que uma gravação teria de sair rapidamente”.

No entanto não havia nenhum álbum gravado, nenhum acordo com produtoras, e, pelo que se sabe, Connie nunca atuou para um público – sem ser o que se senta a uma mesa a beber cerveja sem ouvir muito bem o que se passa em palco. Assim, e depois de muito tempo à procura sem ouvir nada sobre a cantora, Dzula percebeu que ele próprio podia produzir o novo achado.

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Ora, ninguém sabe o que é feito de Converse. Mas, e como diz o mesmo site, graças a Dan Dzula e ao parceiro David Herman, a música dela está agora disponível. Pode comprar o álbum, fazer download ou apenas ouvir aqui – no Spotify, por exemplo, é de uma das artistas do momento. Connie Converse é a nova estrela na chamada música ‘indie’ – e prova que nunca é tarde de mais. Mas o sucesso dela vem com mais de 60 anos de atraso:

Quem é Connie Converse?

connie converse

Elizabeth Converse nasceu numa pequena cidade no Estado americano de New Hampshire em 1924. Pelo que se sabe era uma rapariga com uma educação conservadora. O historiador musical, David Garland, citado pelo site “priceonomics”, diz que o seu pai era um ministro da igreja Batista.

Uma estudante brilhante, mas com uma personalidade tranquila, Converse fez todo o seu percurso escolar de forma irrepreensível até que, no segundo ano da faculdade, fez o que muitos jovens americanos faziam nesta época: abandonar os estudos, ir para Nova Iorque, e tentar ser artista.

Trabalhou enquanto assistente numa gráfica e nos tempos livres escrevia canções e batia à porta de produtores para oferecer as suas gravações. A mesma página diz que Connie, nome que arranjou durante as suas andanças pela Big Apple, era diferente da maioria dos outros aspirantes a músicos de folk. É que estes cantavam o que outros já tinham escrito, normalmente baladas tradicionais. Quando escreviam alguma coisa era na sua maioria sobre o ambiente político que se vivia nos Estados Unidos na altura.

Connie não. As suas canções eram normalmente bem-humoradas e com personagens solitárias, sem grande sucesso e desalinhadas com as normas que a sociedade em geral impunha. Talvez este fosse retrato da própria artista.

Mas isso não foi suficiente. Não há registo de que alguma produtora tenha sequer mostrado interesse na cantora. Talvez o estilo e a mensagem das músicas não fossem bem aquilo que o público americano pedia na altura. Por isso, a depressão começou a tomar conta da mulher que, em 1974, desapareceu. A família tentou desesperadamente reencontrá-la mas depois de anos de tentativas falhadas decidiu respeitar o pedido de Connie:

Deixem-me ir. Deixem-me ser se puder. Deixem-me não ser se não puder (…) A sociedade humana fascina-me & apavora-me & enche-me de tristeza & alegria; eu simplesmente não consigo encontrar o lugar para me ligar”, escreveu Connie Converse numa das cartas de despedida à família.

Uma história destas poderia muito bem originar um filme, à semelhança de Llewyn Davis, mas até agora apenas foi feito um documentário sobre a cantora que nunca foi descoberta. Mas finalmente ouve-se a sua música, numa altura, em que se fosse viva, ou se estiver viva, conta 92 anos:

“How Sad, How Lonely”

connie converse capa de album 2

Dan Dzula propôs-se produzir o álbum que nunca existiu de Connie Converse. Para isso até criou uma produtora independente com o nome retirado de um verso de uma canção da americana: “Squirrel Thing Recordings”.

Mas havia um problema. Não havia ninguém para gravar no estúdio – não se sabe de Converse há décadas. Por isso Dzula e o parceiro Herman tiveram que perseguir outras gravações. E quem mais as poderia ter do que o irmão mais novo, Phil Converse (Phil morreu nos finais de 2014)? Ela costumava enviar-lhe, através do correio, os seus últimos registos musicais.

Dzula e Herman entraram então em contacto com Phil: “Durante o tempo em que produzimos o primeiro CD encontrámos cerca de 90 gravações de 35 músicas diferentes”, conta Dzula. Com as ofertas do irmão mais novo de Connie, o par avançou para a edição. Escolheram as 15 melhores canções das 35 que detinham e selecionaram as melhores versões. Depois aperfeiçoaram o som o melhor que puderam.

“Nós avançámos para um primeiro lançamento, queríamos torná-lo um pouco mais fácil para o ouvinte. Debruçámo-nos sobre as canções que tinham uma vertente mais imediata em termos de música folk ou até pop. Ela tinha definitivamente algumas músicas muito estranhas, que planeamos colocar em lançamentos futuros”, conta Dzula.

O passo seguinte foi saber mais sobre esta mulher. A biografia que se conhece foi permitida, basicamente, pelo trabalho daquele que é, provavelmente, o maior fã de Connie Converse: “Não quer saber o que lhe aconteceu?”, questiona Dzula ao Priceonomics. E responder a esta pergunta é o seu próximo grande objetivo.

Isto porque o primeiro objetivo foi alcançado. O álbum “How Sad, How Lonely” ficou pronto em 2009 e está disponível desde aí. E a recetividade dificilmente poderia ser melhor. Como diz um crítico de música, na altura do lançamento, citado pelo mesmo site:

A cantora/compositora Connie Converse é a indie hipster do momento em Brooklyn, a capital mundial do indie hipster, e ela está pronta para sair dos limites da cidade com o lançamento esta semana do seu álbum de estreia”.