A voz lânguida, um gemido ondulante recortado por um grito apaixonado, o improviso e a interpretação extemporânea que chega a soar dissonante. Estas são características da música mugham, um género de canção típica do Azerbaijão onde as vozes são protagonistas do enredo criado pelos instrumentos tradicionais. Uma forma de expressão invulgarmente poderosa cuja sonoridade nos transporta para os cenários da Rota da Seda.

Alim Qasimov e a sua filha Fergane Qasimova (assim mesmo, com “a” no fim, seguindo a tradição russa do apelido feminino) são considerados os melhores mughamistas do mundo. Atuam em Lisboa no domingo, às 19 horas, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian acompanhados por quatro músicos que completam o ensemble.

Às vozes dos cantores juntam-se o daf e o naghara (instrumentos de percussão), o tar (espécie de alaúde), a kamancha (semelhante a uma cítara) e o balaban (instrumento de sopro). Os espetáculos são desde há muito reconhecidos pela sua raridade e pela capacidade performativa do conjunto liderado pelas vozes de Alim e Fergane que retratam, em palco, o par de amantes malfadados. As vozes maleáveis, ao mesmo tempo fortes e delicadas, são tão capazes de interpretar um melisma complexo como um simples refrão melancólico.

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As atuações caracterizam-se por uma fluidez ascendente, revelando progressivamente mais sobre cada um dos artistas à medida que a música evolui, devagar, da estrutura das letras definidas na poesia tradicional Azeri para os solos improvisados, num lamento comovente que se repete.

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À medida que os instrumentos vão “costurando” a estrutura rítmica, a improvisação assume a forma de diálogo musical entre os cantores que alternam vocalizações a solo, a fazer lembrar um canto à desgarrada de inspiração árabe, parecendo expressar a sua luta interior através dos intensos tons vocais. Com momentos de cortar a respiração, o poder deste estilo musical revela-se não só na paixão com que é cantado, mas também no desempenho físico dos artistas.

Os corpos parecem exibir convulsões, os braços erguem-se em gestos ora delicados, ora bruscos, as mãos acompanham o corpo em sintonia com os movimentos angulares da cabeça numa espécie de transe. O mugham é um género enraizado nos terrenos das orações e das canções de embalar, transmitidas de pais para filhos ao longo de gerações, assegurando a manutenção da tradição oral Azeri.

É uma forma de arte altamente complexa que aglutina a poesia popular com uma intensa improvisação musical, dando origem a inúmeras variedades e estilos, desde os temas românticos aos cânticos de guerra. Proclamado em 2003, mas oficialmente inscrito apenas em 2008, o mugham está classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Alim Qasimov é o mais conhecido e venerado cantor do Azerbaijão onde foi nomeado “Artista do Povo” em 1993. Seis anos depois, em 1999, foi agraciado com o Prémio Internacional de Música da UNESCO, galardão concedido em anos anteriores a nomes tão importantes como Leonard Bernstein, Dmitri Shostakovich ou Ravi Shankar.

Alim Qasimov / SEBASTIAN SCHUTYSER

Alim Qasimov / SEBASTIAN SCHUTYSER

Qasimov é um trovador virtuoso que já ultrapassou as linhas de contexto da “World Music” expandindo-se em colaborações notáveis com artistas de outros quadrantes. O cantor favorito de Björk já atuou com o multicultural Silk Road Ensemble, fundado e dirigido pelo violoncelista Yo Yo Ma, participou no álbum “Floodplain” do Kronos Quartet e ainda partilhou o palco com o malogrado Jeff Buckley. Chegou a ser selecionado pela estação de rádio pública norte-americana como uma das 50 melhores vozes da história da música gravada. Em 2012 foi convidado para acompanhar a atuação da concorrente do Azerbaijão na edição do concurso Eurovisão que decorreu em Baku.

Autêntico cartão-de-visita do mugham, o Alim Qasimov Ensemble traz consigo a promessa de um espetáculo sem paralelo, que é também uma demonstração transcendente da música tradicional do Azerbaijão. A não perder no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, no próximo domingo, 17 de janeiro, pelas 19 horas.