Aos quatro anos fez a primeira atuação, no infantário: numa caixa vazia, Hélder Guimarães fazia aparecer rebuçados como que por magia. Que criança não ficaria maravilhada por ter um amiguinho que fazia aparecer doces? Nascido no Porto em 1982, aos três dias já tinha um baralho de cartas na mão (e há uma foto em baixo que o comprova). Depois de já ter deixado de queixo caído nomes como Neil Patrick Harris, Ryan Gosling e Woody Allen, o mágico fez no Porto a estreia mundial de “Verso“, esta quinta-feira. Um espetáculo “sobre a verdade e a mentira”, diz ao Observador, em frente ao cenário que o público vai poder ver no Palácio do Bolhão, até domingo (bilhetes esgotados), e entre 20 e 23 de janeiro no Teatro da Trindade, em Lisboa.

Tem muito cuidado para não desvendar nada do que vai executar em palco. Quer que as pessoas descubram tudo nas duas horas em que vão estar sentadas no auditório do Palácio do Bolhão. “Senão perde-se o momento”, justifica. Mas tentemos perceber um pouco mais. “Verso” é um espetáculo cuja temática geral tem a ver com “o que nós achamos que é verdade ou que é mentira e que pode não ser necessariamente nem uma coisa nem outra. Brinco um pouco com isso”, adianta.

“Uma das coisas que me incomoda é nós acharmos que, só porque uma pessoa se veste bem, que ela é boa pessoa e não nos faz mal, quando na verdade alguns dos maiores aldrabões do mundo vestem fato e gravata. Falo sobre isso no espetáculo”. Usa a magia para criar ilusão, mas também como um veículo de comunicação. É a sua arte. “A isso junto algumas experiências pessoais, algumas histórias que me interessam ou que me incomodam, no bom sentido. Muitas com bastante humor, também há essa componente. Acho que “Verso” é a mistura destas três coisas”, resume.

A ação tem duas partes. Na primeira parte existe o Hélder Rodrigues enquanto pessoa e na segunda parte sobressai o performer. A estreia na quinta-feira correu muito bem. “O Porto não me deixou mal”, diz. Na plateia vai estar o produtor americano que vai levá-lo depois para salas americanas. Ao todo vai mostrar cerca de 14 ilusões.

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Sim, ilusões. Que ninguém lhe fale em truques. “Não gosto dessa palavra. Acho que reduz a magia, no meu ponto de vista. Existem bastantes ilusões e rotinas — eu prefiro chamar rotinas porque dá a ideia de que dá trabalho e que é ensaiada”, explica. O que conseguiu até agora é fruto de muito trabalho: Aos 23 anos foi o mais jovem vencedor do Campeonato do Mundo de Magia, em 2006, na Suécia. Venceu por duas vezes consecutivas o “Parlour Magician of the Year” da Academia de Artes Mágicas de Hollywood nos Estados Unidos, um reconhecimento dos membros da Academia que é equivalente ao Oscar do Ilusionismo.

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Da esquerda para a direita: Derek DelGaudio, Hélder Guimarães e Neil Patrick Harris, que produziu o seu espetáculo “Nothing to Hide”. ©Broadway.com

Em três minutos podem existir 70 decisões diferentes a tomar para criar a ilusão perfeita. “As pessoas não têm noção do que está por trás de um espetáculo de magia bem feito. Isso é o que me atrai, porque se fosse simples, não teria piada”, diz. Calcula que 90% do tempo é passado a pensar em magia. “No meu dia-a-dia olho para o mundo e tento perceber onde é que estão as ilusões, sociais até, os enganos que as pessoas fazem umas às outras”.

Tem DVDs lançados e livros publicados (alguns esgotados). No final do ano deverá publicar mais um, Sarkiapone. O nome é baseado numa lenda italiana em que um homem tenta adivinhar qual o animal que vai dentro de um cesto levado por outro homem. Das respostas, todas elas verdadeiras, o homem curioso cria uma imagem que, no final, percebe que não era verdade. “Gostei muito dessa metáfora porque tem muito a ver com a magia, no sentido de as pessoas construírem a imagem de algo impossível que, na verdade, não existe. A magia só existe na cabeça do público”.

Falando em coisas impossíveis, salte para o minuto oito da TED Talk que o mágico português deu em 2014. A ilusão da nota de dólar fez com que o nome de Hélder fosse falado em todos os fóruns de magia. O Observador tenta arrancar uma solução para o mistério, mas sem sucesso. “Também não sei como é possível”, brinca.

Até 2011, Hélder viveu sempre no Porto. Foi ali que fez também o curso de Teatro na Escola Superior de Musica, Artes e Espectáculo, em 2006. Com três dias de idade, o pai, que sempre fez magia como hobby, tirou-lhe uma fotografia a segurar em cartas de jogar. “A minha primeira foto de todas é essa, um bebé em cima de uma colcha a segurar cartas!“, conta. Lembra-se de ser criança e de o pai lhe mostrar algumas ilusões. “Eu ficava surpreendido, tentava perceber como era e lembro-me de uma vez descobrir a solução. Tinha uns três anos.” Aos quatro anos fez a sua primeira atuação, no infantário, para entreter os colegas.

“Foi uma atuação muito engraçada porque um dos truques — estamos a falar de coisas muito simples — era com uma caixa. Eu mostrava a caixa vazia, fechava a caixa, dizia as palavras mágicas e quando voltava a abrir ela estava cheia de rebuçados. Eu fiz os rebuçados aparecerem e comecei a atirá-los para os meus amigos. Aquilo foi um caos! Durante um mês fui o herói do infantário porque fazia aparecer doces [risos].”

helder guimaraes em 1982

©Foto cedida por Hélder Guimarães

À medida que foi crescendo, foi aprendendo coisas mais evoluídas. Nos “dois ou três festivais de magia” que existiam em Portugal, ia ver e conviver com mágicos internacionais. “Fui exposto a boa magia desde muito cedo e isso também me ajudou. Nessa altura ainda não sabia se queria ser mágico, mas interessava-me e ia fazendo pequenos espetáculos”, recorda.

Aos nove pensou que se calhar isto da magia era coisa de criança e parou. Mas só aguentou dois ou três meses. “Não conseguia viver sem isto”. Continuou a fazer magia e entrou no mundo dos concursos, primeiro a nível nacional, aos 12 anos já a nível internacional. Os primeiros prémios apareceram, começou a conhecer alguns dos seus heróis e a aprender mais coisas.

“Acho que foi aos 13 anos que vi um dos meus mágicos favoritos atuar ao vivo, Juan Tamariz, um mágico espanhol, talvez uma das últimas lendas vivas da magia. Foi naquele momento que eu percebi que havia qualquer coisa que era… Não te sei explicar muito bem mas, naquele momento, eu soube que tinha de fazer magia para o resto da minha vida”, lembra.

As três componentes que o espanhol usava na sua performance eram precisamente aquilo que Hélder idealizava. Uma era o humor, outra era a utilização de um baralho de cartas e a outra era “a criação de coisas verdadeiramente impossíveis“. Quem vê o portuense em palco percebe que bebeu dali a inspiração. “Ele nisso é, para mim, o melhor de sempre a criar a sensação de que estás a ver algo que não pode ser verdade. Pouco tempo depois acabei por fazer uma mini atuação com ele, numa gala de magia no Estoril. Eu abri a gala e ele fechou.”

A certa altura, ficou difícil conciliar a vida em Portugal e as muitas propostas do estrangeiro. No final de 2011, atravessou o Atlântico e mudou-se para Los Angeles. “Percebi que estava a perder muita coisa”, recorda. O espetáculo de maior sucesso que fez do outro lado do Atlântico chama-se “Nothing to Hide”, cuja primeira versão estreou numa sexta-feira 13, no Magic Castle, em Los Angeles, ao lado do colega Derek DelGaudio. Estava nos EUA há apenas 14 dias. Na plateia estava Neil Patrick Harris, à época o presidente da Academia de Artes Mágicas de Hollywood, que gostou tanto que quis produzir uma versão maior.

Ao longo de 2012 e 2013, Hélder Guimarães teve na plateia estrelas de Hollywood como Ryan Gosling, Eva Mendes, Jimmy Kimmel, Barbra Streisand, Olivia Wilde ou Steve Martin, e também mágicos importantes, como David Blaine. Só houve uma pessoa que o fez ficar nervoso: Woody Allen . “Então não fiquei? Oh…”, recorda, sobre o realizador de quem é fã desde a adolescência, e que por acaso começou a carreira como mágico. “Nunca pensas que aquela pessoa um dia vai comprar um bilhete para te ver atuar. Isso é que é mágico.”

Também foi consultor do “The Tonight Show” em 2012 — ainda o programa era apresentado por Jay Leno — para alguns momentos de magia feitos na rua para apanhar pessoas. 2006 foi o ano de viragem. “Quando venci o Campeonato do Mundo em 2006 senti uma espécie de validação ao meu talento. Com esse prémio, deixei de pensar na magia como uma possibilidade mas sim como uma certeza e tornei-me profissional”, diz. Um dos melhores do mundo está em Portugal até 23 de janeiro e, dadas as muitas requisições, tão cedo não deverá voltar. É melhor aproveitar agora, antes que ele desapareça, como que por magia.