Meio-dia. Marcelo Rebelo de Sousa vai à missa na Igreja dos Passionistas, em Santa Maria da Feira, na mesma terra que há vinte anos ‘viu’ Cristo descer à terra, que é como quem diz, viu Marcelo tornar-se líder do PSD. E foi no mesmo sítio que o partido, que afasta nestas eleições, apareceu para o fazer descer (ou subir) até Belém. Passos Coelho esteve a sete quilómetros e o candidato agradeceu-lhe a distância de segurança – é que o candidato independente quer manter o quadro perfeito, porque o destino está ao virar das páginas do calendário da semana: “Os romanos tinham uma frase que dizia ‘se és Marcelo serás importante. Tu és Marcelo, serás importante”, disse a um homónimo. E Marcelo acredita que falta menos de uma semana para ser o mais importante político de Portugal.

A distância de Santa Maria da Feira até São João da Madeira foi suficiente para afastar Marcelo de Passos, mas não foi suficiente para afastar o partido do candidato presidencial que se diz independente – o PSD apareceu por todo o lado neste domingo de campanha. Luís Montenegro, o líder parlamentar do partido, foi o primeiro dirigente de topo a ver-se na estrada. Além dos habituais líderes das distritais, ou um ou outro deputado eleito pelo distrito que têm feito parte das comitivas de campanha pelo país, este domingo o candidato social-democrata teve direito a uma enchente de sociais-democratas com responsabilidades, desde líderes de concelhias do PSD e do CDS, a elementos da JSD em Espinho, autarcas e ex-autarcas, até a um candidato autárquico que vai a votos no mesmo dia do candidato.

Coincidência? Talvez não. Marcelo sorriu, mas passou tanto tempo a usar as autárquicas intercalares de São João da Madeira como uma das justificações para que Passos Coelho, enquanto líder do partido, não aparecesse em campanha, que viu as autárquicas e presidenciais serem misturadas mesmo sem dar conta ou chegar perto. Foi mesmo no discurso de apoio ao presidente da Câmara recandidato, Ricardo Figueiredo, que Passos Coelho lembrou que deve ser Marcelo a ganhar. Tudo a bater certo, porque foi a “reafirmação da recomendação de voto que o partido tinha feito, agora assumida pelo líder”. Tudo a bater errado, porque Passos deixou desejos implícitos que Marcelo, se for eleito Presidente, não tem intenções de satisfazer:

“Cada partido luta, naturalmente, pelos seus princípios. O Presidente está cima, ao nível do interesse nacional. Isso muitas vezes agrada a um partido outras vezes não agrada e portanto é a vida. (…). Desde o início que disse que espero que corra bem este Governo, que possa cumprir a legislatura. Quer dizer que não entro com ideia de eleições antecipadas”, disse aos jornalistas em Santa Maria da Feira.

E o partido, que anda discreto mas visível nas ações de campanha, já se vai habituando à ideia que Marcelo quer passar que estará “acima dos partidos” e das “querelas partidárias”, como disse em Aveiro. Mas faz controlo da situação ao aparecer, dizer presente, apoiar e ainda garantir que não há ninguém chateado com o discurso mais à esquerda do candidato.

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Marcelo Rebelo de Sousa com Luís Montenegro em Espinho

“É evidente que não será estranho ao país perceber que a área política do candidato estará em força, motivada e mobilizada no próximo domingo, sendo certo que nós sabemos que o professor Marcelo vai muito para além dessa área política, é transversal”, disse Montenegro depois de dizer que não conhece ninguém zangado com o candidato.

“Coincidência espantosa”. O dia da lembrança de “outra encarnação” política

Controlo há pouco por ali. Marcelo, o candidato imprevisível, faz ações fora do guião. Quis ir à missa em Santa Maria da Feira, foi. Se o nome da igreja – dos Passionistas – poderia fazer estranhar os mais desatentos, Marcelo acrescentou mais acasos ao dia. Santa Maria da Feira, curioso sítio, diria. Ou que “coincidência espantosa”. Rewind vinte anos para “outra encarnação” de Marcelo.

1996. Há frases que se agarram à pele das pessoas. Marcelo tem muitas. “Não serei candidato, não, não e não. Nem que Cristo desça à terra”, disse antes do XVIII congresso do PSD. Cristo desceu e Marcelo foi eleito líder do PSD no congresso de Santa Maria da Feira. Passadas duas décadas, é o próprio candidato presidencial que recorda o episódio, tudo porque dormiu no mesmo quarto num hotel. Embalado pelas coincidências, que podem não o ser, o professor candidato decidiu relançar a campanha para a última semana: “Começa aqui a vitória!”, disse já à noite em Aveiro.

Mas até lá o candidato faz contagem decrescente e inspirado pelos “princípios evangélicos” diz que não responde aos adversários:”Eu não me irrito”, disse a uma popular em Aveiro. E o que faz o candidato? “Dou a outra face”. Conta 1, 2, 3, 4, 5… “quando chegar a 100 já é dia das eleições”. Nesse dia, pelo qual o candidato já suspira, espera gritar vitória porque “os portugueses querem humildade, simplicidade e convergência”. E querem uma “Presidência de afeto”. E este candidato tem “afeto” para todos os gostos.