A violência é um dos comportamentos humanos mais discutidos e pensados por filósofos, psicólogos, psiquiatras ou médicos. No meio da discussão sobre o comportamento humano, a origem da violência bem como da guerra tem estado rodeada de grandes debates mas sem se chegar a grandes conclusões – muitos especialistas identificam, por exemplo, os confrontos entre grupos de chimpanzés como uma pista para a violência ancestral entre os antepassados dos seres humanos. Mas uma descoberta anunciada na quarta-feira pode dar-nos novas luzes sobre esta matéria.

Nas margens do Lago Nataruk, no Quénia, um grupo de investigadores encontrou os restos mortais de pelo menos 27 pessoas com 10 mil anos de antiguidade. Mas o que mais chamou a atenção foi o facto de 12 destes cadáveres estarem praticamente completos – e apenas dois deles não apresentarem sinais de violência. Ou seja, as pistas sobre a causa da morte destas pessoas são de uma violência tal que os investigadores acreditam estar perante o ato de guerra mais antigo que se conhece.

Publicada na revista Nature, a investigação conclui que os restos mortais encontrados permitem descortinar um “massacre” ocorrido entre dois grupos de caçadores-coletores. Isto é, a maioria das pessoas morreram por feridas letais no crânio provocadas por flechas ou outras armas. Outros fraturaram os joelhos ou as mãos e vários conservavam ainda restos de pedras incrustadas na cabeça ou no tórax. Aqui não houve piedade – de entre os cadáveres estão mulheres e crianças. Os investigadores encontraram até uma mulher grávida de 6 a 9 meses com o feto ainda preservado no seu abdómen, e a posição em que se encontrava o esqueleto quando foi descoberto sugere que terá sido atada antes de ter sido assassinada:

esqueleto massacre há 10 mil anos

Marta Mirazon Lahr

Apesar de as razões deste autêntico massacre permanecerem no desconhecimento, José Manuel Maíllo, historiador na Universidade de Educação à Distância e um dos autores deste estudo explica, citado pelo El Pais, que “ao contrário do que se assumia, nestas sociedades também havia violência. Aliás, pensamos que o que estamos a observar é um autêntico campo de batalha tal e qual como ficou depois do confronto“.

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Aa equipa debruçou-se sobre os possíveis factores que provocaram esta carnificina. Maíllo estudou, por exemplo, as pontas das flechas encontradas e no que restou de outras ferramentas descobertas no local. O que se observou foi a presença de um mineral de nome ‘obsidiana’ nos objetos espetados nos ossos dos cadáveres. Ora, este tipo de pedra não abunda na região de Turkana o que pode indicar que o grupo atacante vinha de longe, explica o El Pais. Apesar de tudo, e devido à impossibilidade de extrair amostras de ADN dos restos mortais, é impossível saber se o confronto se deu entre membros de um mesmo grupo ou se foi provocado por forasteiros.

Desta maneira, a equipa coloca em hipótese uma de duas interpretações possíveis do cenário: uma diz respeito a uma luta por recursos como “território, comida, mulheres ou crianças”, aponta-se no documento. Na outra coloca-se em cima da mesa a possibilidade de este ser o ato comum quando dois grupos diferentes se encontravam.

Independentemente de qual das hipóteses é a correta, o estudo conclui que “as mortes de Nataruk são testemunho da antiguidade da violência e da guerra entre grupos”.