O xadrez não é desporto, não puxa pelo corpo. As pessoas que o jogam têm o rabo sentado na cadeira, enquanto puxam pela cabeça, matutam que peça mover para onde, estudam as possibilidades. O que não puxa pelos músculos, o xadrez compensa com o quanto exige ao cérebro. É dos melhores amigos da concentração, quase sempre envolto em silêncio, tudo a contribuir para não ser das coisas mais entusiasmantes para que haja adeptos a assistir. Mas daí a ser “uma perda de tempo, de dinheiro, e uma causa para ódio e hostilidade entre jogadores”, ainda é preciso muito.

Ou não, porque a cabeça de Abdulaziz al-Sheikh pensa de outra forma. E para quem vive na Arábia Saudita e gosta de xadrez, isto não é boa notícia. Este senhor é o xeique do país e, no programa de televisão em que costuma ir responder a perguntas dos telespectadores, alguém lhe perguntou sobre o jogo do tabuleiro e das 32 peças. A primeira coisa que Abdulaziz al-Sheikh disse foi que o xadrez “estava incluído” na categoria dos “jogos de apostas”.

As declarações foram amplamente noticiadas esta quinta-feira, embora, alegadamente, não sejam recentes — um vídeo com a intervenção do xeique foi publicado no YouTube a 15 de dezembro de 2015, mas o Middle East Eye escreveu que as declarações datam de novembro de 2014.

A notícia piora tendo tendo em conta o contexto do programa — é nele que o xeique tem por hábito anunciar fatwas, leia-se, regras para os seguidores do Islão. E este não é um xeique qualquer: é o Grande Mufti, a principal entidade religiosa sunita (maioritária) do país. Abdulaziz al-Sheikh decidiu que o xadrez deve ser proibido no Islão, justificando a opinião com uma passagem do Corão, livro sagrado da religião, na qual se lê que “os intoxicantes, jogos de apostas, idolatração e adivinhação” são proibidos, escreveu o The Guardian. As declarações foram proferidas em dezembro do ano passado.

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A decisão, contudo, não representa, na prática, uma proibição na Arábia Saudita. O The Independent explicou que as palavras do Grand Mufti, neste caso, não têm força legal para banir o jogo. O jornal citou até Musa Bin Thaily, presidente da Associação de Xadrez Saudita, que garantiu que um torneio agendado para esta sexta-feira, em Meca, se irá realizar. Na sua conta de Twitter, aliás, Bin Thaily defendeu que a “sociedade religiosa” do país já baniu a música e isso não impediu que “os festivais de música continuem a acontecer em todo o lado” na Arábia Saudita.

Uma fatwa, porém, poderá ser utilizada pela autoridades como argumento para interferir ou tentar cancelar certos eventos.

Crê-se que o xadrez tem origens entre o século III e VI, na Índia. Centenas de anos depois, já mais perto do século XI, o jogo terá sido assimilado pela cultura Persa e, com o tempo, entrando no mundo islâmico, que acabou por fazê-lo chegar à Europa. No Irão, após a Revolução Islâmica de 1979 — que depôs o imperador apoiado pelos EUA e o substituiu por Ruhollah Khomeini, falecido aiatola –, o xadrez também chegou a ser proibido, até 1988. Hoje, o país tem uma federação de xadrez.