Margarida, José, Manuela e Natália são quatro dos sete “anjos da guarda” que receberam este sábado a Medalha de Bronze da Cidade de Paris por terem ajudado a socorrer as vítimas do ataque ao Bataclan, a 13 de novembro de 2015.

Neste dia de homenagem aos porteiros de Paris, no salão nobre do Hôtel de Ville na capital francesa, a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, agradeceu aos “anjos da guarda” que são os “embaixadores de Paris” e que “vêm do mundo inteiro, havendo uma história ainda mais forte com Portugal e Espanha”.

De modo geral, Anne Hidalgo insistiu que os porteiros da capital são os “heróis”, os “anjos de Paris” e “as estrelas do dia-a-dia”, sublinhando que a medalha atribuída às sete pessoas que ajudaram as vítimas dos atentados “é para dizer obrigada”.

“Termos os porteiros foi uma sorte para toda a gente. Vocês estavam lá, nós estávamos estupefactos e impotentes, mas vocês acolheram as vítimas e abriram-lhes os braços porque elas choravam e estavam feridas. Vocês foram os primeiros a abrir-lhes as portas e a prestar os primeiros socorros. Estas imagens fazem parte da nossa história parisiense. Foi incrível a humanidade que vocês tiveram. Obrigada por tudo”, discursou a autarca de Paris.

Ainda que não gostem do título de “heróis”, Margarida dos Santos Sousa, Manuela Gonçalves, José Gonçalves e Natália Teixeira Syed mostraram um altruísmo e um sangue frio na noite dos atentados que permitiu salvar vidas quando abriram as portas dos seus prédios às vítimas do Bataclan.

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Margarida dos Santos Sousa, de 57 anos, não hesitou em abrir as portas de casa e do prédio aos sobreviventes do ataque que matou 90 pessoas, mesmo tendo consciência do risco de haver algum terrorista no meio das dezenas de pessoas que entraram no prédio.

“Quando as coisas chegam à frente dos nossos olhos, por vezes não temos tempo de pensar. Naquele momento não pensei. Eu vi tanta gente aflita, aleijada, com sangue a correr por eles abaixo (…) Nós tínhamos que fazer qualquer coisa e ajudar essas pessoas (…) Acabei por perguntar às pessoas se eram todas do Bataclan, começámos a ter cuidado, mas depois como tínhamos a polícia à porta a tomar conta do prédio, já não tivemos mais preocupação”, disse à Lusa.

A portuguesa de Ermesinde, que vive há 35 anos em França e há 28 no bairro do Bataclan, acolheu sobreviventes na sua casa até por volta das cinco da manhã, incluindo uma jovem ferida por balas que recebeu os primeiros socorros no seu sofá. Hoje, o dia é, ainda assim, de festa.

O casal José e Manuela Gonçalves também passou a noite do 13 de novembro a receber dezenas de vítimas do Bataclan no pátio do seu prédio e ajudou a prestar os primeiros socorros a uma jovem grávida de dois meses que acolheu no seu apartamento.

“Ela estava lá sentadinha, estive a confortá-la, dei-lhe água, umas bolachinhas porque ela estava de bebé. Fiquei muito chocada de vê-la assim muito calminha, não chorava, a pôr as mãos nos cabelos porque tinha os cabelos queimados, as meias rotas, não tinha telemóvel (…) Tinha recebido tiros, balas nas pernas, tinha as perninhas cheias de sangue mas não gritava, não gemia”, contou à Lusa Manuela, de 50 ano, natural de Fafe.

José e Manuela moram há 26 anos no bairro do Bataclan, e, nessa noite, em vez de ficarem entrincheirados dentro de casa ao abrigo do que se passava lá fora, preferiram estar na linha da frente para ajudar quem precisava. “Sabe como é, temos um coração, somos humanos, mas a primeira coisa que me chocou mais e me obrigou a fazer o maior esforço possível foi ver esses jovens todos da idade dos meus filhos”, contou José Gonçalves, de 48 anos e que nasceu na Maia.

Na mesma rua, Natália Teixeira Syed, lusodescendente, e o marido Gabriel, paquistanês, também abriram as portas do pátio do prédio onde vivem para acolher as vítimas. Depois de receber a medalha de bronze, Natália teve dificuldade em conter as lágrimas em declarações à Lusa.

“Nem posso explicar como me sinto”, disse Natália com a voz entrecortada pela emoção, admitindo que, como disse Anne Hidalgo, são “mais ou menos” anjos da guarda e heróis, mas que habitualmente estão “mais na sombra” e agora estão “mais na luz”. “Os barulhos, os sons, as pessoas a chegarem a casa feridas ” foi o que mais marcou a lusodescendente, católica, casada há 20 anos com um paquistanês muçulmano.

Além das medalhas entregues aos “heróis” de 13 de novembro, quase 600 porteiros – entre os quais cerca de uma centena de portugueses – foram agraciados com o diploma de “porteiro da cidade de Paris”.

A presidente da Câmara de Paris agradeceu ainda ao vereador franco-português Hermano Sanches Ruivo “com quem imaginou a iniciativa”, tendo o vereador contado à Lusa que a homenagem vai repetir-se todos os anos e que vai ser criado o “Dia dos direitos e dos deveres dos porteiros”.