A vantagem do Sporting já foi mais folgada do que é hoje. É verdade. E o Benfica até já teve piores dias do que os tem hoje. Também é verdade. Mas esses dias, os das vitorias tremidas com (Rui) Vitória, das derrotas com o Arouca em Aveiro, vai longe. Tão longe que, se se contabilizar o encontro de hoje (3-1) na Luz, precisamente com o Arouca que o derrotou na 1.ª volta, o Benfica vence há oito jogos consecutivos – contabilizando todas as competições, claro. O Sporting, por sua vez, não só empatou com o Tondela, último classificado entre 18 clubes, em Alvalade na ronda anterior da Liga, como foi perder a Portimão e comprometer a Taça da Liga (quase) de vez. Mas não é do Benfica, mas sim do Sporting que nesta crónica se fala — ainda que seja indissociável falar do taco a taco dos dois da frente (sem esquecer o terceiro, o FC Porto) quando é do título que se fala.

Esperar-se-ia (ou não) que com a vitória do Benfica na Luz horas antes, o Sporting sentisse a pressão de ter que vencer, desse por onde desse, e que essa pressão lhe complicasse o jogo na Mata Real. É que o Paços de Ferreira, treinado que é por Jorge Simão, é tudo menos um adversário fácil em casa – e o Sporting só lá venceu sete jogos em 17 disputados pelos dois clubes. Mas pressão, esta noite em Paços de Ferreira, nem vê-la. Só a que o Sporting fez no relvado da Mata Real.

Eis o exemplo mais claro do que afirmo: o Paços de Ferreira só rematou por uma vez à baliza de Rui Patrício. E fê-lo somente aos 82′. Sim, leu bem: oitenta e dois. Um remate que caiu do céu, literalmente dos ares. Mais: um golo que caiu do céu. João Góis fez um lançamento “à inglesa” para a área, Fábio Cardoso cabeceou para trás ao primeiro poste e Bruno Moreira desviou por cima de Patrício ao segundo. Ao primeiro remate, tardio, o Paços de Ferreira reentrou no jogo. Era o 2-1. Mas será que reentrou mesmo? É que até aí o Sporting foi rei e senhor do jogo. Nunca deixou o Paços pôr pé em ramo verde, que é como quem diz, em defesa verde… e branca. E tudo porque, a meio-campo, um trio com ADN de Alcochete, Willliam Carvalho, Adrien Silva e João Mário, não só se recriavam com a bola, a circulavam entre si, como não deixavam em nenhum instante que o Paços de Ferreira o fizesse – e o Paços, com Pelé, Romuu ou Jota, por exemplo, tem muito quem o faça e bem.

Tão ou mais dor de cabeça e “mouro de trabalho” (aqui, literalmente “mouro” – sem ofensa, Islam) que os três de trás, foi o senhor lá da frente: Slimani. Onde quer que a bola caísse, caía-lhe nas botas e ele controlava-a. Onde quer que fosse necessário recuperá-la, a camisola “9” estava lá, suada, e recuperava-a. Suadíssima, até. O que de bom se viu no jogo – e foi muito, sempre e somente do lado do Sporting –, passou por aqui: controlo do meio-campo, do ritmo do jogo, de quando era hora de atacar ou de simplesmente aguardar pelo instante certo de o fazer; mas também pelo constante procurar do golo – é que só assim, à custa de golos se vencem jogos e com o vencer de jogos se vencem os campeonatos. O Sporting fez 22 remates, entre bombocas à barra, como a de João Mário, e golos de baliza à mercê, como o de Bruno César.

Mas vamos lá ao homem do jogo. É verdade que Slimani bisou e assistiu Bruno César para o primeiro. Certo. Mas também é que verdade que sem uma camisola em particular, a “17” de João Mário, provavelmente nada seria tão simples como foi. É que ser simplificar é com João Mário. Mas fazê-lo como ele faz, dá muito, muito trabalho. E exigi-se muito, muito talento. João Mário é falsamente lento. Usa-se dos seus pés de lã, sempre com a rendondinha colada como que por íman às botas, para acelerar o jogo – ou pausá-lo se for caso disso. Dribla como os melhores dribladores. Remata como os melhores rematadores. Não é um fora de série. Não como Messi ou Ronaldo — desses só nascem um ou dois a cada geração. Mas é um fora de série ao seu próprio modo, peculiar. Ser-se regular, jogo após jogo, sempre, ser-se sereno (qual monge num mosteiro em Lhasa) quando tudo em redor rui, ter-se somente dois olhos como os demais, mas ver o que os demais não vêem, é ser-se um fora de série também.

Contas finais, o Sporting volta a ser líder. Não o foi por algumas horas, soube aquando da subida ao relvado da Mata Real que não o era mais, mas não temeu, não tremeu. Fez o que tinha a fazer: venceu. E mais do que venceu, deixou um recado a quem quer o lugar que fez por mérito seu: vão ter que suar as estopinhas. Como as que Slimani e João Mário, sobretudo eles, suaram hoje.

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