Marcelo Rebelo de Sousa terá que meter mãos à obra rapidamente. A situação política e económica – e os passos institucionais sempre necessários – não vão deixar o escolhido dos portugueses descansar antes da posse, no início de março. Aqui fica um olhar sobre as suas primeiras tarefas.

1 – Constituir uma equipa

O primeiro passo do novo Presidente será formar a sua Casa Civil e Casa Militar. O cargo de chefe da Casa Civil é um dos mais importantes postos políticos no país. Cavaco Silva teve durante os dois mandatos a ajuda de Nunes Liberato, Sampaio teve os diplomatas António Franco e Moraes Cabral e João Bonifácio Serra. Mário Soares teve sempre a seu lado o mesmo homem: Alfredo Barroso.

Essas escolhas revelarão também que tipo de Presidente Marcelo será, qual o peso dos homens com experiência política, as proximidades aos partidos. Os homens do Presidente são efetivamente quem manda em Belém.

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2 – Nomeação de conselheiros de Estado

Caberá ao novo Presidente da República escolher cinco novos membros para o Conselho de Estado. Este órgão de consulta do chefe de Estado tem vários membros por inerência (presidente da Assembleia da República; primeiro-ministro; presidente do Tribunal Constitucional; Provedor de Justiça; presidentes dos governos regionais dos Açores e da Madeira; antigos Presidentes da República), cinco eleitos pela Assembleia e cinco escolhidos pelo Presidente da República pelo período correspondente à duração do seu mandato.

Será, portanto, uma das primeiras decisões que Marcelo deverá tomar e assim se perceberá o tipo de personalidades que privilegiará. Os membros do Conselho de Estado escolhidos pelo ainda Presidente, Cavaco Silva, são João Lobo Antunes, Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, António Bagão Félix e Vítor Bento.

3 – Atento ao Novo Banco e à CGD

Uma tarefa que também estará de certeza na lista do novo Presidente é a questão do sistema financeiro. O Governo relançou a venda do Novo Banco e as dúvidas aumentam sobre a necessidade de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

O dossiê do Novo Banco, que está a ser gerido pelo ex-secretário de Estado Sérgio Monteiro, agora escolhido pelo Banco de Portugal, é polémico e vai previsivelmente suscitar novas divisões partidárias (até mesmo à esquerda). O problema da CGD é diferente. O banco necessita nova injeção de capital, já o tinha comunicado ao anterior Governo e, de acordo com as novas regras de união financeira, Portugal estará impedido de lá pôr dinheiro. Como é que se resolve o problema? Uma boa questão para ver com Carlos Costa e António Costa.

4- Gerir tensões entre governador do Banco de Portugal e Costa

Falando nele: Carlos Costa foi reconduzido como governador do Banco de Portugal meses antes das eleições por Passos Coelho e, se antes da queda do Banif, a tensão entre PS e o líder do BdP já era visível, com uma nova medida de resolução, Costa está cada vez mais sob pressão. O primeiro-ministro, António Costa, sempre deixou claro que, por ele, Carlos Costa nunca seria reconduzido. Agora, sem a possibilidade de retirar Carlos Costa do cargo, caberá a Marcelo mediar esta difícil relação. Entre os candidatos presidenciais, curiosamente, Marcelo Rebelo de Sousa foi um dos que disse claramente que o governador devia “ter saído pelo seu próprio pé”.

O Banif contagiou a campanha eleitoral, tal como a discussão sobre os poderes do Presidente da República face à nomeação do governador do Banco de Portugal. Atualmente, o Presidente não tem qualquer palavra nesse processo, mas Cavaco Silva, por exemplo, é defensor dessa mudança, através da revisão constitucional. Marcelo Rebelo de Sousa gosta da possibilidade de a nomeação ser feita pelo chefe de Estado de modo a afastar quaisquer tensões políticas desta escolha, facilitando a relação entre o governador e os diversos governos que possam ser eleitos durante o seu mandato.

5 – Procurar consensos no Programa de Estabilidade

Com visões diferentes sobre os graus e as formas de integração europeia, o Presidente deverá ganhar um lugar de destaque sempre que seja necessário consenso no país sobre questões comunitárias. A primeira dificuldade pode surgir já em abril, quando o Executivo de Costa tiver de enviar a Bruxelas o Programa de Estabilidade que aponta as metas a médio prazo a nível orçamental do país. Este plano vai abranger três anos da governação socialista e vai ser amplamente discutido na Assembleia da República antes de ser remetido para a Comissão Europeia – que o avaliará e divulgará publicamente as perspetivas financeiras de Portugal baseadas neste documento.

A dificuldade aqui será que Bloco de Esquerda e PCP alinhem com as exigências da Comissão, já que austeridade e reformas estruturais têm sido a receita passada a Portugal por Bruxelas nos últimos anos. Marcelo terá de agir como moderador para manter a estabilidade política interna, mas também não incendiar mercados com críticas internas aos planos de Costa para os próximos três anos.

6 – Acompanhar a execução orçamental

Aliviar a austeridade, sim, mas sempre cumprindo as metas com Bruxelas. Tem sido sempre esta a preocupação dos principais candidatos presidenciais, evidenciada durante a campanha. O primeiro dossiê que o novo Presidente terá que tratar em conjunto com o Executivo será mesmo o Orçamento do Estado para 2016. O ministro das Finanças, Mário Centeno, já disse que o documento entrará na Assembleia da República dia 5 de fevereiro, ou seja, só será aprovado na especialidade já depois da tomada de posse de Marcelo, o que acontece sempre na primeira quinzena de março.

Depois disso, Marcelo terá que acompanhar a execução orçamental no sentido de saber se o prometido défice de 2,6% está ao alcance, com base numa previsão de crescimento de 2,1%. Isto ao mesmo tempo que o Governo prossegue a política de reversão de algumas medidas do Executivo Passos/Portas.

7 – Fazer pontes para PCP e BE

O chamado “arco da governação” caiu em desuso e no atual quadro político todos os partidos contam para a governação. Se Cavaco Silva estava pouco habituado a lidar com o PCP ou o Bloco de Esquerda, ou até Os Verdes, tendo-lhes deixado duros recados nas suas últimas intervenções a propósito da crise política que se sucedeu às legislativas de outubro, o mesmo não pode acontecer com Marcelo Rebelo de Sousa.

“Fazer pontes”, “dialogar” e “unir” é o lema de quase todos os candidatos, com cada um a puxar do currículo para se dizer mais capaz do que o outro para o fazer. Marcelo foi o que mais puxou desse galardão desde o primeiro dia da corrida, não se cansando de lembrar que foi com ele à frente do PSD que os sociais-democratas reataram relações com o PCP – relações que estavam cortadas há mais de 20 anos. Célebre ficou também a ida, em setembro, do ainda quase-candidato à festa do Avante!, a festa da reentré comunista.

Certo é que para o Governo governar, e a legislatura chegar ao fim, é fundamental que PS, PCP e BE estejam alinhados na aprovação dos documentos fundamentais. Caso contrário, o frágil acordo que assinaram em novembro pode ir por água abaixo e o Governo fica mesmo em riscos de cair. E para isso basta apenas um dos partidos roer a corda. Daí que seja preciso estar atento a todas as frentes.

8 – Gerir vontades com PSD e CDS

Qual o papel da oposição? Marcelo terá que estar atento a isso. PSD e CDS puseram-se de fora de eventuais entendimentos com António Costa, avisando que no dia em que o primeiro-ministro tiver que pedir ajuda à direita então terá que se demitir. Os candidatos presidenciais nunca foram assim tão drásticos.

Durante a campanha, Marcelo quis distância do PSD e do CDS. E mesmo do ponto de vista de estratégia, não foi ao encontro do discurso dos dois partidos: avisou que vai fazer tudo para haver consensos o mais alargados possíveis, ao contrário do desejo dos líderes em causa. Até disse mais: que se António Costa tiver dificuldades em aprovar o Orçamento do Estado para 2016 com o PCP e o BE, defenderá que o PSD viabilize esse instrumento essencial para a governação.

E como estão os dois partidos? O CDS vai ter uma mudança de liderança – com Assunção Cristas a caminho de substituir Portas. No PSD, Passos vai recandidatar-se, com poucos críticos a caminho – mas Rui Rio à perna, a dizer que não será fácil voltar ao Governo. Como será gerida a relação entre o novo chefe de Estado e os líderes da oposição? Virá aí um choque, uma sombra ou uma colaboração? Palavra a Marcelo.

9 – Procurar consensos entre PS e PSD

Foi Sampaio da Nóvoa quem pôs menos pressão neste ponto. Para ele era hora de um “tempo novo” – e com isso é a esquerda quem tinha mais pressão para ajudar Costa a governar. Mas não o é para Marcelo. E porque é que os consensos PS-PSD são importantes?

Marcelo sabe-o e não o escondeu, ora piscando um olho a um lado outra piscando os dois olhos ao outro. É preciso gerir o caso com pinças, porque a geometria parlamentar inédita obriga a consensos pouco usuais. É que, embora o PS olhe para a esquerda para legislar sobre a grande maioria dos dossiês, não se pode esquecer que é a bancada do PSD que tem o maior número de deputados. E que precisa dela, nomeadamente nos casos em que o Parlamento exige votações por maioria qualificada de dois terços.

A última guerra de cadeiras, que aconteceu já nesta legislatura aquando da eleição dos conselheiros de Estado, deixou antever que a convivência nem sempre será pacífica. É que, no que toca a nomeações e a distribuição de lugares, há dois argumentos: o PSD alega que é o partido mais representado e que, por isso, tem primazia nas escolhas; o PS faz uso do novo quadro parlamentar para dizer que os lugares têm de refletir a nova maioria de esquerda.

Certo é que há casos em que o entendimento é mesmo obrigatório: a eleição dos cinco juízes do Tribunal Constitucional que terminam o mandato em 2016 e que têm de ser substituídos, por exemplo, ou o nome do próximo presidente do Conselho Económico e Social, ou do provedor de Justiça, cujo mandato termina em 2017. Sem entendimento entre PS e PSD, haverá bloqueio das decisões e impasse nas nomeações. Caberá também a Marcelo procurar prevenir estas situações.

10 – Concessões revertidas, diplomacia do avesso

O Governo de António Costa travou as subconcessões e está a pensar no que fazer à privatização da TAP. Os protestos vindos do estrangeiro face a estas reversões de concursos internacionais não se fizeram esperar, com o embaixador mexicano em Portugal a mostrar-se preocupado com a situação. A empresa mexicana ADO/Avanza tinha ganho a subconcessão para a gestão da Carris/Metro. Tal como o Público noticiou, a nota da embaixada mostra especial preocupação depois de “um impulso inédito” das relações bilaterais entre os dois países. A própria Avanza mandou cartas para o Presidente da República e para o Governo, mostrando desagrado pela situação.

À medida que estas subconcessões ou privatizações forem caindo, caberá a Marcelo enfrentar a diplomacia estrangeira em Portugal, explicando as medidas do Governo aos embaixadores acreditados em Portugal. Também caberá ao novo Presidente explicar a política portuguesa nestes acordos em deslocações oficiais a vários países.

11 – Temas fraturantes. O que fazer com a eutanásia?

A chamada agenda fraturante irá certamente cair no colo de Marcelo Rebelo de Sousa (que no discurso de vitória evocou o Papa Francisco), que terá de promulgar ou vetar os diplomas que saiam do Parlamento. Depois do casamento e adoção por casais do mesmo sexo, e depois da interrupção voluntária da gravidez, o tema da legalização da eutanásia pode mesmo ser o próximo a ser discutido na Assembleia da República e não é uma questão de resposta fácil.

Durante a campanha, esta foi mesmo uma das questões que surgiu num debate televisivo entre Marcelo e Maria de Belém. A ex-ministra da Saúde defendeu a necessidade de um debate alargado e reforçou a importância de tratar o assunto com muito cuidado e reserva, enquanto Marcelo, católico praticante, se mostrou ligeiramente mais aberto. Marcelo disse que o Presidente não deve “ignorar a realidade”, sublinhado a importância de respeitar a vontade popular.

12 – Falar para fora cá dentro

Entre 2013 e 2014 saíram cerca de 110 mil portugueses do país por ano, havendo atualmente mais de dois milhões de portugueses a viver um pouco por todo o mundo, números avançados pelo Observatório da Emigração. Uma das principais missões do novo Presidente será a tentativa de atrair novamente para Portugal os jovens que saíram nos últimos anos em busca de uma vida melhor. Já é um objetivo do Governo e uma das maiores preocupações das famílias portuguesas, que têm membros espalhados pelo globo.

Se a emigração em si é um problema, com a fuga de profissionais qualificados, este é também um movimento intimamente ligado à baixa taxa de natalidade em Portugal. Tanto a emigração como a natalidade foram temas que Cavaco Silva promoveu durante o seu mandato e que foram falados durante esta campanha.

O Governo suspendeu para avaliação, entretanto, o programa VEM destinado a apoiar o regresso de emigrantes e que tinha sido criado pelo Executivo de Passos e Portas.