A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) vai analisar o esboço do Orçamento do Estado para 2016, enviado para a Assembleia da República, mas, mesmo com todos os partidos a favor desse pedido, a discussão esteve longe de ser pacífica porque a presidente da Comissão de Orçamento Teresa Leal Coelho já tinha feito o pedido sem ouvir os partidos.

Seria normalmente uma matéria relativamente pacífica já que todos os partidos estavam de acordo. O CDS-PP entregou um requerimento a pedir à UTAO que avaliasse o esboço do Orçamento do Estado para 2016, entregue pelo Governo de António Costa na sexta-feira passada. A votação foi marcada para esta quarta-feira.

No entanto, a presidente da comissão de orçamento, finanças e modernização administrativa, a deputada social-democrata Teresa Leal Coelho, fez um pedido direto à UTAO para fazer essa análise, sem ouvir a comissão, nem sequer os coordenadores dos grupos parlamentares representados, e os partidos à esquerda, mesmo concordando que essa avaliação deve ser feita, acusaram ainda Teresa Leal Coelho de extravasar as suas competências.

O deputado socialista João Galamba, que levantou a questão, entende que todos os documentos que a análise tem de avaliar estão previstos no seu plano de atividade, que inclui também o prazo em que a UTAO tem de fazer a avaliação de cada um dos documentos, e como tal, pedidos de avaliação de documentos fora desse plano têm de ser discutidos na comissão. João Galamba entende que Teresa Leal Coelho “não devia, nem pode fazer o que fez”, acrescentando que este tipo de pedido não faz parte do seu mandato.

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Paulo Sá, do PCP, também criticou a decisão tomada e lembrou que em casos urgentes a presidente pode falar com os coordenadores dos partidos na comissão e que a sua posição seria viabilizar o pedido à UTAO: “Não teríamos levantado objeções, como não o faremos ao requerimento do CDS-PP”, disse.

Já a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, acabou por ter a posição mais conciliatória entre os dois lados da ‘barricada’. A deputada do BE lembrou que esta é a primeira vez que o esboço do orçamento é criado e que este documento não é votado, nem tem força legal, como é o caso da proposta de orçamento que o Governo tem de entregar à Assembleia da República.

Maria Mortágua questionou a escolha de Teresa Leal Coelho, mas lançou o repto aos deputados que, face a uma nova circunstância, seria mais importante que os deputados da comissão de orçamento definissem como deve ser feita esta discussão e análise ao esboço do orçamento.

Esta é a primeira vez que o esboço do orçamento é criado. Portugal está obrigado, à luz das regras do semestre europeu, a apresentar um esboço do orçamento à Comissão Europeia até 15 de outubro. No entanto, como esta é também a data até à qual o Governo tem de entregar a proposta de Orçamento do Estado todos os anos à Assembleia da República, essa já é a proposta de orçamento que segue para Bruxelas. Este ano foi a exceção devido à altura em que se realizaram as eleições e a demissão do Governo PSD/CDS-PP.

O debate não se ficou por aqui, no entanto, ocupando a primeira hora de trabalhos de comissão, sem se chegar a discutir o próprio do requerimento, nem sequer a votá-lo. Teresa Leal Coelho manteve até ao fim a sua posição. No seu entender, o esboço do orçamento é o primeiro passo do processo orçamental, e, como tal, é da competência da UTAO fazer essa avaliação, que entendeu que “era urgente”. Por isso mesmo, não considera que extravasou as suas competências, nem as da equipa de técnicos que trabalha junto da comissão.

“Entendi que era urgente fazer essa avaliação e é meu entendimento que não extravasei nenhuma competência da UTAO. Não me pareceu que fosse uma situação extraordinária, excecional, ou que tivesse uma particular delicadeza. (…) Apenas acionei uma competência da UTAO”, disse, mantendo sempre que tinha legitimidade para o fazer.

As críticas mais duras vieram sempre do lado do PS. Paulo Trigo Pereira, o deputado socialista que pediu para falar na qualidade de vice-presidente da comissão de orçamento, criticou a decisão da presidente, manifestando “discordância total em relação a este procedimento” e que os deputados da comissão não só estavam contra, como até estranhavam o que tinha acontecido. O deputado socialista disse que contactou o anterior presidente da comissão, o agora ministro Eduardo Cabrita, que lhe terá dito que este tipo de situação nunca tinha acontecido.

O PSD, através dos deputados Duarte Pacheco e António Leitão Amaro, defenderam a presidente da comissão, deputada da sua bancada, entendendo que Teresa Leal Coelho interpretou bem o poder da comissão, mas que caberia à comissão fazer um recurso da decisão e discutir se assim o entendesse, e que também dariam voto favorável à pretensão do CDS-PP e da própria presidente da comissão.

Ao fim de uma hora de discussão sobre este tema, foi o deputado do PCP Paulo Sá que pediu aos deputados para avançarem para outras discussões, aquelas que estavam de facto na agenda da comissão, uma vez que as posições de cada partido em relação ao tema já estavam claras.

Quando chegou a altura da discussão do requerimento, Teresa Leal Coelho entendeu que o pedido à UTAO já estava feito e como tal não seria votado pela comissão.

Audição de Mário Centeno sobre draft chumbada

O requerimento do CDS-PP incluía também um pedido para uma audição sobre o esboço do Orçamento, questionando as previsões que nele estão incluídas, mas PS, PCP e Bloco de Esquerda chumbaram este pedido, uma vez que o ministro das Finanças já tem marcada três visitas ao Orçamento nas próximas semanas: esta sexta-feira, para um audição sobre o Banif; no dia 3 de fevereiro, para uma audição sobre a Conta Geral do Estado; no dia 10 de fevereiro, para a audição regular que abre as audições no processo do orçamento.

Os deputados do PS, PCP e Bloco de Esquerda entenderam que não fazia sentido chamar Mário Centeno uma quarta vez ao Parlamento nestas três semanas, para esclarecer o esboço do Orçamento, quando a apresentação do orçamento do Estado será feita até dia ao dia 5 de fevereiro e Mário Centeno estará na comissão no dia 10, precisamente para essa discussão.

O CDS-PP, que apresentou o requerimento, entendeu que os esclarecimentos de Mário Centeno eram necessários, pondo em causa as previsões do Governo, tal como Cecília Meireles já havia feito numa conferência de imprensa esta quarta-feira. O PSD também votou  favor, entendendo que a audição até podia ajudar a que Mário Centeno tivesse em conta na elaboração do orçamento as preocupações dos deputados, mas o chumbo da esquerda acaba por impedir esta nova audição.