“Devia falar-se de Vergílio do ponto de vista da alegria longa. Realço os romances da fase mais tardia, ‘Para sempre’ [1983], ‘Até ao fim’ [1987], ‘Em nome da terra’ [1991] e ‘Na tua face’ [1993], porque são a apoteose da narrativa, ainda que ele seja um grande ensaísta. [Mas] o que ele dizia que mais gostava de fazer, e fez até ao último dia de vida, foi o romance”, disse a autora de “Costa dos murmúrios”.

Lídia Jorge aponta estes quatro romances como “viscerais, sem marca de escola, em que Vergílio [Ferreira] aproveitou tudo o que aprendeu, juntou a sua experiência de vida e mostrou, na arte de narrar, essa alegria imensa de viver”. A escrita, como ele fez nesses livros, é “um triunfo da arte, perto de Fernando Pessoa”.

Antes de morrer, Vergílio Ferreira contou a Lídia Jorge o enredo do romance que contava ainda escrever. “É essa alegria de narrar que devia ser sublinhada” nestas celebrações, defendeu a autora.

“Fixei muito bem a história, e pensei. ‘é um livro semelhante aos outros, a história é a mesma’, e, com o impacto da morte [dele], que aconteceu dois ou três dias depois, não fui capaz de a contar. A história era a mesma: a impossibilidade de amar a mulher, um adoração pela mulher que desaparece, era a mesma fixação literária, que dá a impressão que nunca leu Freud”.

Vergílio Ferreira, “desde os anos 1950, e sobretudo nos anos 1960, anunciou que o romance ia morrer, que a narrativa tal como nós a tínhamos herdado ia morrer e, na última conversa que tive com ele, perguntei-lhe se o romance estava morto, por que é que ele continuava, e ele respondeu-me: ‘Eu nasci para fazer isto, é o que eu faço melhor e não sei fazer mais nada'”.

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Vergílio Ferreira nasceu a 28 de janeiro de 1916, em Melo, uma aldeia da Beira Alta, no concelho de Gouveia. Aos dez anos, os pais emigraram para o Canadá e Vergílio ficou em Portugal, com os irmãos mais novos. Uma peregrinação ao Santuário de Lourdes, em França, influenciou o menino de 12 anos, que decidiu entrar no Seminário do Fundão, de onde saiu aos 18 anos.

A sua experiência nesta escola eclesiástica servirá de mote ao romance “Manhã submersa” (1954), que Lauro António adaptou ao cinema, em 1980, assinando o argumento com o escritor, que fez parte do elenco ao lado, entre outros, de Eunice Muñoz e Canto e Castro, Jacinto Ramos e Adelaide João.

Vergílio Ferreira não seguiu a vida religiosa, terminou os estudos no então Liceu da Guarda e matriculou-se, depois, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo concluído a licenciatura de Filologia Clássica, em 1940. Durante a vida universitária publicou alguns poemas.

Licenciado, iniciou a carreira de docente do Ensino Secundário, em Faro, tendo lecionado, entre outros estabelecimentos, nos liceus de Bragança, Gouveia. Fixou-se em Lisboa, com a efetivação no Liceu Camões. Em 1946 casou-se com Regina Kasprzykowsky, uma polaca que se refugiara em Portugal, com quem viveu até à sua morte.

Ao longo da sua carreira, como escritor, recebeu vários prémios entre os quais o D. Dinis, em 1981, o P.E.N. Clube de Novelística, por duas vezes, em 1984 e 1991, por “Para sempre” e “Em nome da terra”, o de Ensaio, em 1993, por “Pensar”, o da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários, em 1984.

Recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela, da Associação Portuguesa de Escritores, em 1987 e em 1993, respetivamente por “Até ao fim” e “Na tua face”, e o Prémio Camões, em 1992. Em 1979, foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

O escritor morreu no dia 01 de março de 1996, no seu apartamento, em Lisboa, onde residia, e está sepultado em Melo, virado para a Serra da Estrela, conforme a sua vontade.