Mais seis cêntimos por litro é um “enorme aumento de impostos” à escala do mercado dos combustíveis. E é o maior desde que, em junho de 2000, o então governo de António Guterres foi forçado a avançar com uma subida extraordinária do imposto petrolífero depois de aguentar os preços durante anos. Na altura, a gasolina subiu 17 escudos (8,5 cêntimos por litro) e o gasóleo aumentou 15 escudos (7,5 cêntimos), o que levou os automobilistas a uma corrida às bombas para atestar o depósito.

Talvez o fenómeno não se repita, os portugueses já estão mais habituados ao aumento dos combustíveis, mas se as petrolíferas seguirem a regra de repercutir de imediato o agravamento fiscal, o preço pode disparar mais de sete cêntimos por litro, considerando que o IVA também sobe com o efeito do aumento do imposto. Só em imposto petrolífero, o governo espera arrecadar mais 360 milhões de euros com as novas taxas e a medida não vai vigorar por um ano inteiro. Neste bolo, há uma fatia de 120 milhões de euros que faz parte das medidas adicionais que o executivo teve de entregar em Bruxelas.

E se o petróleo disparar?

Os combustíveis são o maior contributo do lado da receita para o esforço orçamental, valem mais de metade dos cerca de 705 milhões de euros de acréscimo de cobrança prevista. O ministro reconhece que este Orçamento “traz um nível de fiscalidade maior” nos impostos indiretos, mas sublinha que há um esforço para alcançar uma maior justiça na distribuição do peso fiscal.

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O governo ainda admite aliviar o aumento do ISP, no caso de o petróleo inverter o ciclo de baixa. O compromisso foi assumido pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, com base no argumento de que conseguirá compensar com a cobrança do IVA sobre os combustíveis.

Reconhecendo que este aumento de impostos penaliza o setor dos transportes e pode ter impacto nos preços finais, Rocha Andrade revelou ainda que o governo vai reintroduzir um benefício fiscal às empresas de transportes (passageiros, mercadorias e táxis) que permita deduzir o acréscimo de custos. Mas o impacto orçamental não pode ser significativo, avisou.

O aumento do imposto sobre os combustíveis tem também justificações ambientais, um argumento repetido na subida da fiscalidade sobre o setor automóvel que aumenta a componente ambiental entre 10% e 20% (com um desagravamento para as viaturas menos poluentes). A cobrança adicional estimada é de 70 milhões de euros.

Fumadores vão pagar mais 145 milhões

A subida da fiscalidade no tabaco tem a melhor justificação do mundo: a saúde. O acréscimo da carga fiscal, que vai penalizar mais o tabaco de enrolar, deverá assegurar mais 145 milhões de euros, isto se a previsão se confirmar, já que em anos passados a execução tem ficado sempre aquém da projeção.

A receita do imposto de selo deverá subir 80 milhões de euros, por duas vias: o agravamento em 50% da taxa sobre os contratos de crédito ao consumo e a cobrança sobre as comissões que a banca cobra aos comerciantes em transações realizadas com cartões. Esta última medida é “uma norma interpretativa” que poderá ter impacto em processos judiciais contra esta cobrança que já estaria a ser feita em alguns casos.

A banca é ainda penalizada com o agravamento da contribuição extraordinária cuja receita deverá engordar 50 milhões de euros, com a subida das taxas e a extensão às sucursais. Mantêm-se as contribuições sobre os setores energético e farmacêutico. A restauração vai beneficiar do regresso à taxa de IVA para 13%, mas apenas na alimentação e cafetaria, uma medida que “custa” 175 milhões em receita.

Quem ganha com o fim do quociente familiar? Depende do que é classe média

Nos impostos diretos, a principal mudança a nível de IRS será neutra para o Estado, considerando que a dedução fixa de 550 euros por filho pretende compensar a perda de receita que resultou da aplicação do quociente familiar no ano passado. Esta medida custava afinal mais do que as contas do anterior governo.

Em resposta às críticas de que a classe média vai perder deduções com esta mudança, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais responde: “Depende de como se define classe média. Se são as pessoas que comentam as notícias nas televisões, essa classe é prejudicada. Mas a maioria dos agregados familiares, 80%, não tinha qualquer benefício com a reforma do IRS do anterior governo”. E o governante garante que ficarão a ganhar com a dedução fixa de 550 euros por filho.

Resta saber quantos destes agregados pagam IRS e têm despesas suficientes para aproveitar. Contas feitas por consultoras fiscais indicam que os rendimentos a partir dos 900 euros brutos vão ser penalizados com esta troca. As famílias podem, ainda, contar com a descida da sobretaxa, já em vigor, o que vai representar menos 430 milhões de euros para os cofres do Estado. Já as empresas vão continuar a pagar o IRC a 21%: fica sem efeito a descida prevista na reforma fiscal do anterior governo.