A empresa privada de inteligência Stratfor publicou o seu Decade Forecast, ou seja, as previsões de como será o mundo, politica e economicamente, daqui por dez anos. Algumas das previsões são espectáveis — aliás, sobretudo na Europa dos vinte e oito, a desunião provavelmente não demorará tanto tempo a fazer-se sentir (a crise dos refugiados, a ascensão das extremas direitas ao poder e a dívida dos países periféricos deu uma ajuda e tanto) quanto a Stratfor prevê –, outras não. E são essas, as pouco previsíveis, as que mais vão alterar dramaticamente a geopolítica e o geopoder que hoje se conhece. É que as super-potências, China, Rússia e Estados Unidos — esta última por vontade sua –, vão deixar de sê-lo. Mas como há países em declínio, também os há em ascenção, como a Polónia ou a Turquia. Isto, claro, se Stratfor for um Nostradamus.

A Rússia vai colapsar política e economicamente…

“Não haverá uma insurreição contra Putin e contra Moscovo.” Mas a Rússia desagregar-se-á — não como aquando da queda do Bloco de Leste, não em países, mas em regiões semi-autónomas. Culpe-se a descida do preço do petróleo, o rublo a valer uma bagatela entre moedas fortes, o aumento desmesurado com as despesas militares e o crescente descontentamento no seio do partido Rússia Unida, nacionalista e conservador. O problema não será só a desagregação em regiões semi-autónomas. O verdadeiro problema, garante a Stratfor, é que essas regiões não se entenderão e Moscovo estará sem rei nem roque. “O que prevemos é que a autoridade do Kremlin enfraqueça. E isso levará à fragmentação, formal e informal, da Rússia. É improvável que a Rússia vá sobreviver como hoje a conhecemos”, lê-se no relatório.

… E os EUA vão ter um problema para resolver: um problema nuclear

O armamento nuclear russo está disperso por uma vasta área. Se a desagregação que a Stratfor prevê se vier a confirmar, isso significa que esse armamento tornar-se-á numa ameaça — ou seja, não será somente Moscovo a ter o poder de carregar no botão. A empresa de inteligência fala no “vazio” de poder “mais perigoso” do mundo. Muito desse armamento poderá ficar nas mãos de milícias anti-Kremlin ou ser vendido a outros países e grupos terroristas islâmicos radicais. Caberá aos Estados Unidos, “o único país capaz de resolver o problema”, intervir, garantindo que “nenhum míssil será disparado”, mesmo que isso implique “pôr tropas no terreno”. A alternativa é auxiliar a própria Rússia a criar um “governo estável e economicamente viável” em cada uma das regiões semi-autónomas.

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A Alemanha vai ter problemas onde menos seriam de esperar: na economia…

A economia alemã é altamente dependente das exportações. E nenhuma outra (no velho continente) como ela tem beneficiado da liberalização económica no seio da União Europeia. Ao mesmo tempo, nenhuma como ela tem a perder com a crise da moeda única e o euro-cepticismo. É pelo menos o que crê a Stratfor: “O consumo interno na Alemanha, por si só, não poderá compensar a queda das exportações no país.” O resultado? “Uma estagnação ao estilo japonês. A economia alemã sofrerá severos recuos na próxima década.”

… E a Polónia será um rostos do poder na Europa

Olhe-se um pouco mais a leste da Alemanha. Na Polónia o cenário é melhor. Muito melhor. Tanto que a Polónia se tornará num dos centros de poder europeus. “Será o centro do crescimento económico e vai aumentar a sua influência política no continente.” A localização da Polónia explica muita da sua ascensão. É que com os annus horribilis que se prevêem para a Rússia, a Polónia tornar-se-á no líder regional do leste europeu. Sobretudo economicamente.

Quantas Europas conhece? Uma? Daqui por uma década serão quatro

A união que fazia da economia europeia uma super-economia no plano internacional, deixará de sê-lo na próxima década. O Decade Forecast diz que a Europa que hoje conhecemos, a Europa da União, se separará em quatro. Sobretudo no plano económico. Haverá uma Europa Ocidental, Oriental, a da Escandinávia e a das ilhas britânicas. “Isto não significa que a União Europa vá deixar de existir. Mas as relações económicas, políticas e militares entre os países não terá mais um poder central. As relações, mais do que centrais, serão multilaterais. Muitos países manterão a sua ligação à União Europeia, mas a Europa como a conhecemos não será a mesma”, prevê a Stratfor.

A Turquia e os EUA terão (mais do que nunca) que se unir… contra a ameaça russa

Os países árabes, quase todos — e desde logo a Síria ou o Iraque –, estão num ciclo de violência e agitação política que a Stratfor não prevê que termine de um momento para o outro (e menos ainda na próxima década). A Turquia, com uma economia forte, consolidada, sem clivagens de poder internas — se as houve, Erdoğan tratou de silenciá-las –, beneficiará com isso, pois faz-lhes fronteira e tornar-se-á (se é que não o é já) na maior economia daquele recanto do globo. Mas a Turquia não quererá intervir nesses conflitos. Contudo, e inevitavelmente, terá que defender as suas fronteiras desses conflitos. E precisa de um parceiro militar para o conseguir: os Estados Unidos. E os dois, Estados Unidos e Turquia, mais do que defenderem-se da ameaça radical islâmica, querem defender-se de uma ameaça que chega do frio: a russa. “A Turquia continuará a precisar do envolvimento dos EUA por motivos políticos e militares”, lê-se no relatório da Stratfor.

A China vai ter um problema de pôr os olhos em bico…

O crescimento económico da China vai abrandar na próxima década. E, com isso, aumentará o descontentamento interno para com a liderança do Partido Comunista. Mas o partido não vai liberalizar a economia. Antes, vai conter o caos com o caos da repressão, política e social. Outro problema que a China vai enfrentar — e talvez o mais bicudo — diz respeito à distribuição geográfica da sua economia, que não é uniforme. As cidades costeiras são prósperas e o interior é pobre e maioritariamente rural. O relatório da Stratfor relembra que “estas fissuras regionais têm sido um motor persistente de caos político ao longo da história” da China, e que esse caos político poderá fazer chegar a Beijing um outro caos — que nem a repressão conterá.

… Mas surgirão 16 (!) outras “China” pelo mundo

Com a economia chinesa a abrandar, outros países quererão tomar para si o quinhão que era dos chineses por inteiro. Sobretudo no que diz respeito à mão-de-obra. E isso significa a passagem de 1,15 mil milhões de postos de trabalho da China para outros 16 países: México, Nicarágua, República Dominicana, Peru, Etiópia, Uganda, Quénia, Tanzânia, Bangladesh, Mianmar, Sri Lanka, Laos, Vietname, Cambodja, Filipinas e Indonésia.

Com que então, os EUA são os donos disto tudo, não é? Not anymore

Com o desvanecimento das economias russa e chinesa, esperar-se-ia um monopólio norte-americano da economia. A Stratfor rejeita tal cenário no seu relatório. Os Estados Unidos serão até menos interventivos do que o são hoje. A sua economia vai crescer, mas sobretudo a do consumo interno, deixando os Estados Unidos de depender economicamente das exportações. Será sobretudo esse o papel dos Estados Unidos na próxima década: o de contenção no quanto intervêm além-fronteiras e “umbiguista” na economia. “Continuarão a ser a maior potência económica, política e militar do mundo. Mas sem os compromissos do passado. Será um poder menos visível e muito menos interventivo do que é hoje”, prevê a empresa privada de inteligência Stratfor.