Depois de 15 anos de tentativas, a privatização da TAP foi finalmente concretizada em junho do ano passado. Mas o negócio que prometia “salvar” a companhia aérea da falência técnica, da falta de investimento e da rutura de tesouraria, sofreu já voltas e reviravoltas em apenas sete meses, sem nunca chegar a ter a luz verde final. Duas alterações foram ainda feitas pelo governo de coligação PSD/CDS para assegurar que a venda de 61% do capital ao consórcio Gateway ficava fechada antes da viragem política à esquerda.

A mais recente alteração vai no sentido contrário — reforça a posição do Estado na empresa, face ao capital privado — e vai ser explicada esta quinta-feira no Parlamento pelo ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques. E há muitas dúvidas para esclarecer:

  • Como gerir uma empresa com 50% do capital do Estado e uma gestão privada?
  • De que forma irá o Estado exercer a sua “influência” na estratégia e nas pessoas?
  • Qual será o envolvimento financeiro do acionista público na TAP e na compra de novos aviões? A Comissão Europeia vai concordar com o investimento público?
  • A nova versão da privatização vai aliviar o compromisso financeiro dos privados?
  • O Estado mantém o direito de reverter a operação em caso de incumprimento?
  • Quando será vendido mais capital da TAP (pelo menos os 5% que a lei obriga a oferecer aos trabalhadores)? A TAP vai para a bolsa? O Estado vai ficar para sempre com 50%?
  • O que fica e cai da anterior privatização?

A primeira mudança para convencer a banca

Ainda com o governo da coligação em funções, já depois das eleições — a 22 de outubro –, foi introduzida uma alteração às condições de privatização justificada pela necessidade de desbloquear a renegociação com a banca. A negociação da dívida bancária da TAP era uma pré-condição para concluir a venda da companhia ao consórcio Gateway e os bancos exigiam um prémio (juros mais altos) pela passagem do controlo do Estado para os privados.

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Nesta alteração ao acordo de venda, pela qual ainda deu a cara o principal vendedor da TAP, o então secretário de Estado, Sérgio Monteiro, foram dadas garantias adicionais aos bancos. Passaram a ter acesso às contas mensais da companhia, para monitorizar se a evolução da situação financeira cumpria os pressupostos do plano apresentado pelos novos donos.

O Estado impôs ainda uma condição para a reversão da privatização, segundo a qual a TAP só poderia voltar a mãos públicas, em caso de incumprimento, com uma dívida igual ou inferior à que tinha quando era pública.

Esta segunda condição suscitou no entanto leituras contraditórias às justificações dadas pelo governo. Os críticos acusaram o anterior governo de dar, de forma encapotada, uma garantia pública aos bancos, ao permitir a reversão do negócio se a situação financeira da TAP se descontrolasse e a empresa entrasse em incumprimento com a banca. A renegociação das condições da dívida da TAP com os bancos volta a ser uma condição para concretizar o acordo entre o governo socialista e os acionistas privados.

A segunda mudança. TAP estava sem dinheiro

Três semanas depois, e já com um novo governo da coligação PSD/CDS em funções, houve mais uma alteração às condições de privatização, desta feita suavizando ou antecipando, consoante as leituras, a entrada do dinheiro por parte da Gateway. Em causa estava a urgente recapitalização da TAP. Na prática, tratou-se de uma injeção de liquidez de emergência, cerca de 150 milhões de euros, para responder às graves falhas de tesouraria que estavam a pôr em perigo o pagamento de salários e o abastecimento dos aviões, na versão dada então pelo executivo.

A Gateway tinha até junho de 2016, um ano depois de assinado o primeiro acordo de compra, para concretizar o grosso da recapitalização da TAP, 269 milhões de euros, uma vez obtidas todas as autorizações necessárias ao negócio. O prazo era mais lato, mas a flexibilidade no pagamento menor. Na prática, a Gateway antecipou uma parte dessa injeção, mas diluiu o esforço financeiro em duas tranches.

Com ou sem urgência, esta segunda alteração permitiu fechar de vez a venda de 61% da TAP, ainda que sem o acordo final do regulador, ignorando o apelo de toda a oposição, numa altura em que já era certo que o novo governo da coligação teria vida curta. O resultado foi colocar o futuro executivo socialista, e os seus apoiantes de esquerda, perante o facto consumado, o que reduziu a margem de manobra negocial de António Costa para recuperar o controlo da companhia, resultando na divisão ao meio do capital da companhia que Pedro Marques vai explicar esta quinta-feira no Parlamento.

No meio de um negócio que ainda tem de ficar fechado até 30 de abril para valer, rebentou a polémica sobre a eliminação de voos a partir do Porto. A escalada verbal do presidente da autarquia, Rui Moreira, serve assim de primeiro teste à intervenção do Estado acionista na gestão privada da TAP.