A Autoridade Tributária diz ter encontrado inúmeras irregularidades fiscais no aeroporto de Lisboa, que ocasionam a perda de 300 milhões de euros por ano ao Estado, sobretudo no que diz respeito à restituição de 23% do valor do IVA aos passageiros com morada fiscal fora da União Europeia. A denúncia foi feita esta segunda-feira em reportagem emitida pela SIC.

“Não estamos a falar de uma situação esporádica, estamos a falar de algo que acontece com frequência, tudo isto porque é possível entrar e sair do aeroporto sem controlo, misturando-se aos que entram e saem das áreas internas do aeroporto”, afirma António Castela, vice-presidente da Associação dos Profissionais Inspeção Tributária, em entrevista ao canal.

De acordo com a denúncia apresentada, um passageiro compra uma passagem e, após passar pelo controlo de segurança, passa objetos a residentes em países não pertencentes à Comunidade Europeia na área comercial do aeroporto, onde acontecem as “transações”, segundo aponta uma testemunha que não quis identificar-se na reportagem. Eles dirigem-se à Alfândega e, posteriormente ao operador de reembolso de IVA, que procede o pagamento do imposto pelo objeto. Em muitos casos, o indivíduo devolve o objeto ao passageiro e este sai do aeroporto.

O fiscalista Tiago Caiado Guerreiro explica os tipos de fraude fiscal que estão a acontecer no local. “Haverá dois casos: alguns chamados espertalhões, que terão comprado relógios, anéis, coisas com valores significativos, e tentam obter o reembolso ilegal do valor do IVA mas que fazem isto uma vez, e por outro lado temos organizações criminosas e mafiosas, algumas do Leste, que estão a aproveitar esta situação para obter reembolsos elevadíssimos”, afirma em entrevista à SIC.

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Funcionários e sindicato atribuem a culpa à falta de pessoal e de meios para a fiscalização no aeroporto.

“Não temos capacidade de confirmar a exportação. Ou seja, nós por vezes carimbamos as faturas, os impressos do Tax Free, mas sabemos e temos algumas situações que podemos confirmar em que o próprio passageiro que faz a sua compra recebe a sua restituição do IVA mas depois volta a entrar com a mercadoria no espaço comunitário”, relata uma testemunha que não identificar-se na reportagem.

Outro fator apontado para facilitar a fraude fiscal é a organização do aeroporto que desde 2008 promove obras, sobretudo no espaço comercial do local, onde se encontram lojas de luxo.

“Qualquer obra no aeroporto obviamente tem de ter o aval de um conjunto de entidades, quer da autoridade aduaneira, quer do SEF, da Polícia Judiciária, das PSPs, da GNR, inclusive de outros organismos que trabalham no quadro dos aeroportos”, defende António Castela. Ele, no entanto, cita o caso do aeroporto do Porto, onde “não há mistura de circuitos [de embarque e desembarque], onde não há cruzamentos, e se torna mais fácil o controlo e a fiscalização, que é necessário fazer”, defende.

Em resposta a SIC, a ANA diz que “todos os parceiros do Aeroporto foram informados das obras a realizar, tendo-se procurado as melhores condições para cada situação” e que “no que diz respeito a esta fase de intervenções, com impacto na Alfândega AT, prevemos ter concluído o processo até ao verão deste ano”.

A emissora informa que o ministério das Finanças não atendeu o pedido de entrevista da SIC.

Como funciona a devolução do IVA

Segundo consta no site do Aeroporto de Lisboa, “a isenção de IVA aplica-se às transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes residentes em países não pertencentes à CE [Comunidade Europeia] que, no prazo de 90 dias, os transportem na sua bagagem pessoal com destino a um país não pertencente à CE”. Exceção: quando “o valor das transmissões em cada estabelecimento, por fatura, seja inferior a 61,35 euros, líquido do imposto”.

As transmissões de bens são documentadas por faturas com a anotação “de documento comprovativo da identidade e da residência do adquirente”, em três exemplares, destinando-se o triplicado ao vendedor e os restantes ao adquirente, “que os apresentará na estância aduaneira de saída do território aduaneiro da CE para confirmação da exportação”.

“O original, visado pela alfândega, será remetido ao vendedor até 150 dias após a venda, devendo o vendedor, no prazo de 15 dias, devolver ao adquirente o montante do imposto pago. O vendedor exige no ato da venda o valor do imposto ao viajante, devolvendo o montante, após a receção do original da fatura devidamente carimbado pela estância aduaneira de saída do território aduaneiro da EU, a certificar a exportação dos bens”, explica o aeroporto.

Os serviços aduaneiros devem então confirmar a exportação dos bens “adquiridos no território nacional ou em qualquer outro Estado-membro por viajantes residentes em países terceiros munidos de um título de transporte de Portugal com destino direto a um país terceiro ou munidos de um título de transporte com destino a um país terceiro, embora faça escala/transbordo noutro Estado-membro”. Esta confirmação é feita a partir da “apresentação de originais das faturas suporte das vendas no mercado nacional ou noutro Estado-membro, impressos dos tipos utilizados pelas empresas vulgarmente conhecidas por “Tax-free” (se for o caso) e os bens constantes nas referidas faturas ou impressos, podendo confirmar a exportação dos bens mediante a posição do respetivo carimbo nas faturas ou impressos.”

No aeroporto de Lisboa, para receber a restituição do IVA de bens transportados na bagagem de mão, o passageiro deve dirigir-se à Alfândega na zona restrita de partidas, após controlo de segurança. A entidade verifica a mercadoria, valida facturas e formulário, e confirma condições para isenção de IVA.​ O passageiro, em seguida, encaminha-se ao balcão do operador de reembolso de IVA ou às tômbolas, ambos na zona restrita de partidas, e apresenta o formulário validado. O operador, por fim, processa o pagamento ao passageiro.