Quando os ingleses, em mil e oitocentos e troca o passo, inventaram o jogo dos pontapés na bola, acharam que hora e meia chegaria e sobraria para haver golos. Terão pensado que muita coisa se teria de complicar para 20 homens a jogarem com os pés não serem capazes de arranjar maneira de ultrapassar, em 90 minutos, os dois que podem jogar com as mãos. Tinham razão.

Porque nenhum russo, no seu perfeito juízo, viria ao Estádio da Luz fazer de peito feito algo que não fazia há mais de dois meses. Muito menos uma equipa fugida do frio, sem competir desde dezembro, fraqueza confessada pelo próprio treinador, que dissera e voltara a dizer que o objetivo era congelar a eliminatória e mantê-la fria até chegar ao frigorífico de São Petersburgo. Ninguém do Zenit fez por deixar alguém do Benfica com hipótese de marcar um golo e isso viu-se bem quando não quiseram ter a bola que os encarnados tiveram só para eles. Dzyuba, o avançado com corpo de basquetebolista, e Danny, o capitão com pés de lã, até faziam questão de a dar aos centrais.

Foi a primeira coisa a complicar-se. Jardel e Lindelöf, sobretudo o sueco que se estreava na Champions, tinham todo o tempo, espaço e relva que Samaris e Renato Sanches raramente tiveram para decidirem o que fazer à bola. O russo e o português do Zenit afastavam-se deles a defender, aproximavam-se de Samaris e Renato Sanches e contavam com a ajuda de Shatov e Hulk, nas laterais, para obrigarem a que os encarnados inventassem saídas de bola pelos pés dos centrais. Por isso o Benfica demorava, era lento, não arriscava nos passes e montava jogadas quase sempre pelas alas. Era previsível.

A única vez que não o foi até ao intervalo aconteceu porque Jonas se fartou da área, colou-se à direita, distraiu o lateral Criscito e libertou as atenções de André Almeida. O lateral avançou para receber um passe de Gaitán e depois dar um rasteiro a Pizzi, que à entrada da área complicou o que se pedia que fosse fácil e rematou (19’) apenas ao segundo toque. A bola frouxa e sem força caiu meiga nas mãos de Lodygin. Os dois médios do Benfica não se viam a atacar e o maior aplauso que Renato Sanches ouviu foi após ter mais corpo que Hulk na encosto com que roubou uma bola ao monstro brasileiro. O mesmo que, com a bola só para ele, lhe bateu com a violência do pé esquerdo que a Luz não esquece para, num livre (36’), a fazer passar a centímetros do poste direito.

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Benfica's Argentine midfielder Nicolas Gaitan lies on the field after a failed attempt on goal during the UEFA Champions League round of 16 football match SL Benfica vs FC Zenith Saint-Petersburg at the Luz stadium in Lisbon on February 16, 2016. / AFP / PATRICIA DE MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images

Com o tempo a passar e a por um sorriso no relógio, o Zenit perdeu a vergonha a fazer o que, por vezes, lhe puxava a timidez na primeira parte. A urgência da segunda parte puxou do risco nos encarnados e deixou-os com mais espaço entre médios e defesas. Os russos tiveram mais hipóteses de contra-ataques, mas por uma, duas e três vezes, Danny, Witsel e até Hulk abrandavam o que a lógica dizia para acelerar. O empate servia para o que Villas-Boas lhes pedira, que era o contrário do que o Benfica buscava. A equipa de Rui Vitória demorou a separar os médios russos da defesa, onde Ezequiel Garay chamava um figo a Mitroglou, que apenas lhe ganhou duas bolas até sair para Raúl Jiménez jogar. Aí o Benfica melhorou.

As coisas começaram a descomplicar-se porque o que o mexicano tem de mau em muitos jogos — desmarcar-se para longe da baliza, em diagonais do centro para as alas — deu jeito nesta partida. As correrias do avançado puxaram sempre de um central do Zenit e a o médio que tinha de compensar isto deixava um buraco para Renato ou Samaris pedirem a bola. Ou para Gaitán entrar na área de frente, como o fez quando Jiménez cruzou a bola que a cabeça de Jonas amorteceu para o argentino estoirar em vez de desviar a bola do guarda-redes. Quis fuzilar e as mãos de Lodygin pararam-na. O último quarto de hora teve mais passes à entrada da área, mais tabelas a serem tentada e mais faltas do Zenit ali perto da baliza.

Nem livres a jeito de remate e cruzamento facilitaram. Gaitán, que os batia a todos, complicava a levantar balões à procura de Jardel ou a passar para o lado o que se pedia que fosse cruzado para a área. O argentino não estava a bater bem as bolas que o adversário lhe dava paradas. Nem quando Witsel, farto de abrandar, decidiu acelerar e dar um pique que fez Renato e Samaris parecerem estátuas antes de rematar à figura de Júlio César. Mesmo que fossem sempre melhorando com os minutos a passarem, os encarnados não se livravam das complicações. Hora e meia de futebol não chegava para haver golos.

Por isso é que o árbitro se armou em bom samaritano e devolveu ao jogo os minutos que as paragens lhe tinham roubado. Incluindo a que Criscito causou quando, talvez chateado com a bola que André Almeida lhe roubou pouco antes, voltou a derrubar o português pelas costas. Era o segundo amarelo para o italiano e a último livro para Nico Gaitán bater. O argentino aprendeu com os erros, porque desta vez cruzou-a para a área, em jeito e algo tensa, das que pedem um desvio e ameaçam um golo caso ninguém lhe toque e o guarda-redes for no engodo. Mas a cabeça de Jonas tocou-lhe no meio da altura que os defesas lhe tinham a mais. E saiu dali a correr, a gritar e a tirar a camisola do corpo, enquanto correu em direção à bancada para juntar adeptos e jogadores num abraço de alívio.

O que noventa minutos de futebol não tinham dado aparecia num minuto de compensação. Aos 91′.

E foi o primeiro de quatro minutos que o árbitro deu a mais ao jogo que deixaram o Benfica guardar o que André Villas-Boas queria levar roubado de Lisboa — a eliminatória. Um golo não resolve tudo, mas impede que o Zenit fique à vontade e passe a ter que lutar à rasca pela passagem aos quartos-de-final na Liga dos Campeões. Mas é o golo de Jonas que dá aos encarnados uma camada extra de proteção contra o frio que terão de suportar em São Petersburgo daqui a duas semanas. Ah, e durante hora e meia.

Benfica's Brazilian forward Jonas Oliveira (C) celebrates with the supporters after scroing during the UEFA Champions League round of 16 football match SL Benfica vs FC Zenith Saint-Petersburg at the Luz stadium in Lisbon on February 16, 2016. / AFP / PATRICIA DE MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images