O Orçamento não é o ideal, mas o mais importante é que este seja “minimamente credível”, defende o ex-ministro socialista das Finanças e da Educação, Guilherme d’Oliveira Martins, acrescentando que é fundamental que a sociedade seja capaz de gerar riqueza, e assim criar condições de confiança para a execução desse orçamento.

Passou há alguns meses para a administração da Fundação Calouste Gulbenkian, mas a faceta de ex-ministro das Finanças e de ex-presidente do Tribunal de Contas mostra-se sempre que fala de contas e a mensagem é a de sempre: é preciso sobriedade.

“Não devemos falar tanto da austeridade que é transitória, mas da sobriedade que deve ser permanente”, disse Guilherme d’Oliveira Martins, durante uma conferência sobre o Orçamento do Estado, que decorreu em Lisboa, organizada pela sociedade de advogados de Rogério Fernandes Ferreira, que foi o secretário de Estado escolhido quando esteve no Governo para assumir a pasta dos Assuntos Fiscais.

E porque era de impostos que se falava nesta conferência (e muito se fala no debate público), o antigo governante explicava que sem criar mais riqueza, o Estado tem de ir buscar receitas a algum sítio, ou seja, zo sistema fiscal. “A agenda nova é ir busca-la [essa riqueza] com o máximo de equidade”, disse.

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“O grande esforço que tem de ser feito no sistema fiscal é este esforço de adequação entre os recursos de que dispomos e as finalidades que prosseguimos”, afirmou, lembrando os casos de alguns países nórdicos, como a Suécia, onde a carga fiscal é mais elevada que em Portugal, mas em que os serviços públicos são assegurados com uma qualidade também ela superior, conseguindo assim o apoio da população às decisões de política fiscal dos seus governos.

Ainda sobre o sistema fiscal, Guilherme d’Oliveira Martins lembrou Rogério Fernandes Ferreira [pai do seu ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais] para ilustrar que na sua opinião o sistema de fiscal tem de ser aperfeiçoado: “Um sistema complexo gera corrupção. Quando é preciso fazer grandes explicações sobre uma lei, é porque a lei está mal feita”.

Défices de 3% são coisas do passado

O administrador da Gulbenkian fez ainda uma revisão da matéria dada no que diz respeito ao contexto europeu, considerando que a meta de défice de 3% do Produto Interno Bruto que as regras europeias – nomeadamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento – impõe como limite é uma coisa do passado e que agora o défice tem de ser mais baixos.

Segundo o ex-ministro, o limite de 3% para o défice orçamental foi desenhado numa altura em que o crescimento potencial esperado para a economia europeia rondava os 3% e só por isso esse limite foi criado. Agora, a situação mudou. Com um crescimento potencial médio a rondar os 1,5 pontos percentuais, défices de 3% já não fazem sentido.

Ainda neste sentido, d’Oliveira Martins diz que têm de ser criadas as condições para que a estagnação que atravessa a economia europeia seja ultrapassada e Portugal tem de contribuir para isso.

Já estive mais pessimista. Hoje há condicionantes muito fortes que levam a perceber que não é sustentável por mais tempo a estagnação europeia, de uma economia fechada sobre si mesma, com os países mais ricos a gerarem excedentes que não distribuem”, afirmou, numa alusão ao célebre caso – a ser investigado pela Comissão Europeia – dos elevados excedentes comerciais da economia alemã.

No que diz respeito a Portugal, deixou ainda mais duas notas. Uma em relação à poupança, lembrando que durante o auge da crise a taxa de poupança na economia portuguesa duplicou, mas agora “já regressámos à mediocridade”: “É manifestamente insuficiente, sobretudo porque a redução dessa taxa de poupança significa o aumento do consumo e não o aumento do investimento, e, repito, não estamos sós. Não é uma questão que possamos resolver sozinhos”.

Outra nota tem a ver com a política em Portugal: “Todos somos necessários. Isso é absolutamente indispensável para respondermos a uma situação grave (…). Os ciclos eleitorais são muito importantes para as politicas orçamentais, mas os ciclos eleitorais não podem alterar os objetivos fundamentais”.