A polícia de Miami está a apelar a um boicote aos concertos da nova tour de Beyoncé, que começa a 27 de abril. As autoridades acusam a cantora de ter promovido os ideais do Partido das Panteras Negras durante a atuação no intervalo do Super Bowl na tentativa de “dividir os americanos”, diz a CNN.

A música escolhida por Beyoncé para a atuação no Super Bowl foi “Formation”, cujo vídeo oficial mostra um rapaz negro a dançar em frente a vários polícias de intervenção no rescaldo do desastre em Nova Orleães provocado pelo furacão Katrina em 2005. No espetáculo do campeonato da NFL, Beyoncé e os bailarinos vestiram-se com um fato que para a polícia recorda o traje que os Panteras Negras vestiam nos anos 60 nos Estados Unidos.

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Quem são os Panteras Negras?

Durante a II Guerra Mundial, muitas famílias negras saíram do sul para fugir ao racismo e instalaram-se nos estados do norte e ocidente dos Estados Unidos, onde enfrentavam a pobreza e a falta de condições de vida. Quando os membros dos Panteras Negras começaram a juntar-se diziam estar unidos “contra a segregação e a repressão” de quem vivia em guetos onde o desemprego era alarmante.

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Insatisfeitos com a situação, os jovens negros das famílias migrantes começaram a revoltar-se contra a polícia, acusando-a de brutalidade contra os negros. Mas foi a morte de Matthew Johnson, um jovem negro desarmado que foi abatido por um polícia em São Francisco, que constituiu a gota de água na paciência dos jovens dos guetos norte-americanos.

Em 1966, o Partido das Panteras Negras nasceu na Califórnia nas mãos de dois ativistas negros, Huey Newton e Bobby Seale. Ambos consideravam que as formas de luta de Martin Luther King pelos direitos civis e pela igualdade de género nos Estados Unidos estavam desajustadas: a falta de violência, defendiam eles, poderia eventualmente conduzir à implementação de uma lei mais justa para a comunidade negra norte-americana, mas isso iria demorar demasiado tempo. Foi por isso que apelaram a uma “guerra revolucionária” que “desse voz aos oprimidos de qualquer grupo minoritário”.

Os princípios deste partido tinham quatro pilares: igualdade na educação, direito à habitação, direito ao trabalho e direitos civis justos. Para tal, tinham dez exigências que tornaram públicas num documento chamado “10 Point Plan“, onde se destacam o desejo pela “liberdade, o poder de determinar o destino dos negros e das comunidades oprimidas” e “educação para o povo, que ensine a verdadeira história dos negros e o seu papel na sociedade”. E deram passos nesse sentido: chegaram a implementar o Programa de Comida Gratuita e a Clínica de Investigação Médica Gratuita, que estava disponível para todos os que não conseguiam investir nos sistemas governamentais. Estima-se que com estas ações o partido terá ajudado 200 mil pessoas.

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Fotografia dos Pantera Negra em 1969. Créditos: DAVID FENTON / GETTY IMAGES

Todas as ações do grupoo eram violentas: os Panteras Negras diziam que queriam instalar o Poder Negro (algo que outras organizações já tinham defendido), mas queriam ir mais longe. A sua luta seria inspirada pela resistência armada do Klu Klux Klan: para tal, Huey Newton procurou conhecer bem as leis de armas dos Estados Unidos e passou a organizar patrulhas armadas que seguiam os polícias em busca de eventos de brutalidade contra as minorias. Quando eram confrontados, conseguiam citar de cor os direitos que tinham a seu favor. E tinham um cântico que vincava ainda mais o caráter violento dos seus princípios: “A revolução chegou, é tempo de pegar na arma. Fora com os porcos”.

Embora os relatórios expostos pelo FBI garantissem que apenas 5% da comunidade afro-americana estava a favor do movimento Parentas Negras, alguns pediam proteção armada ao grupo. Foi o que aconteceu em 1967, quando a família de Denzil Dowell, um jovem negro de 22 anos desarmado morto por um polícia em North Richmond, pediu proteção aos Panteras Negras. Foram constituídas equipas de militantes que seguiram para o local com armas carregadas e começaram a ensinar à comunidade algumas técnicas de autodefesa. A polícia não podia interferir porque as leis não estavam a ser quebradas e o grupo começou a recrutar mais jovens para o grupo.

Quando começaram a surgir protestos contra os Panteras Negras — nos quais eles próprios interferiam –, o FBI delineou o programa COINTELPRO com o objetivo de terminar as ações violentas deste e de outros grupos radicais. A polícia pretendia evitar que eles se fundissem e enfraquecer a quantidade de armas que estes grupos tinham na sua posse. Entre a lista de nomes na mira de FBI estava Martin Luther King e Maxwell Stanford.

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Documento do programa COINTELPRO do FBI. Créditos: Wikimedia Commons

Em 1967, um ano depois de o grupo se ter oficializado, o polícia John Frey foi morto num confronto com Newton no trânsito em Oakland. Tanto Newton como o companheiro do polícia morto sofreram ferimentos por arma de fogo, mas o membro dos Panteras Negras assumiu que tinha disparado propositadamente contra John Frey naquela noite. Começou por ser formalmente acusado em tribunal, mas foi libertado três anos depois. Um ano depois, já o grupo tinha crescido à conta dos acordos que estabeleceu com outras organizações radicais, um rapaz de 17 anos dos Panteras Negras foi morto por um polícia durante uma emboscada que os radicais haviam organizado à polícia de Oakland.

Em 1968, os Panteras Negras já estavam em mais de 20 cidades norte-americanas e contavam com quase 10 mil membros, alguns dos quais acusados de crimes de homicídio, roubo, abusos sexuais e extorsão. Nesse mesmo ano, os Panteras Negras continuaram a dar que falar nos Jogos Olímpicos, quando os medalhistas Tommie Smith e John Carlos fizeram a saudação do grupo enquanto se cantava o hino norte-americano. Foram expulsos na competição.

US athletes Tommie Smith (C) and John Carlos (R) raise their gloved fists in the Black Power salute to express their opposition to racism in the USA during the US national anthem, after receiving their medals 17 October 1968 for first and third place in the men's 200m event at the Mexico Olympic Games. At left is Peter Norman of Australia who took second place. (Photo credit should read OFF/AFP/Getty Images)

Tommie Smith e John Carlos fazem a saudação dos Panteras Negras enquanto toca o hino norte-americano nos Jogos Olímpicos de 1968. Créditos: OFF/AFP/Getty Images

O sangue sempre manchou a caminhada dos Panteras Negras. Em 1969, morreram pelo menos quatro membros do grupo radical num confronto com o “United Slaves”, um outro grupo nacionalista com membros negros. Nesse mesmo ano, o ativista Bunchy Carter e John Huggins foram mortos no campus da Universidade da Califórnia. Mais tarde, morreram mais dois Panteras Negras, também em confrontos com armas de fogo.

Quando as ações dos Panteras Negras começaram a estar envolvidas na Guerra do Vietname, a polícia interveio e conseguiu colocar um ponto final aos movimentos violentos. Os apoiantes do partido dizem que o FBI falsificou as cartas trocadas pelos líderes do movimento, tendo conseguido pô-los uns contra os outros e motivando até o homicídio de John Huggins, um dos nomes mais sonantes do partido. Alguns dos militantes disseram mesmo que a polícia norte-americana teria contratado agentes para cometer crimes que pudessem ser imputados aos Panteras Negras, colocando a opinião pública contra eles e alterando o rumo dos julgamentos em tribunal. Um dos casos mais famosos foi o “Chicago Eight”, em que oito panteras foram considerados culpados por diversos crimes porque teriam alegadamente ameaçado o juiz. Os oito foram detidos, embora tivessem defendido sempre que não estiveram implicados nessas ameaças.

O FBI nunca se pronunciou sobre este assunto de modo oficial, mas chegou a explicar como conseguiu acabar definitivamente com o movimento dos Panteras Negras em 1982. J. Edgar Hoover disse que havia colocado agentes infiltrados no grupo nas regiões onde o movimento estava melhor organizado, como em Chicago e em Los Angeles. Foi assim que conseguiu chegar aos líderes mais influentes e fazer colapsar o movimento, que descreveu como “a maior ameaça para a segurança nacional do país”.