A Amnistia Internacional sublinha, no relatório anual publicado esta quarta-feira, “mais notícias de uso excessivo de força pela polícia” em Portugal, fazendo referência ao caso de um agente da polícia que foi filmado a agredir um adepto do Benfica frente de dois menores, filhos da vítima, depois de um jogo de futebol em Maio de 2015 entre o Benfica e o Guimarães no Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães.

A organização acrescenta ainda que “as condições das prisões continuam inadequadas” e que está preocupada com as situações em que “os tribunais e os processos judiciais estavam a obstruir o acesso à justiça” de um maior número de pessoas pobres, algo que acontecerá devido à crise económica.

Preconceito

No mesmo relatório, a Amnistia Internacional diz que os ciganos e os descendentes de africanos “continuam a enfrentar discriminação” quando chegam a Portugal. Em julho de 2015, conta a organização não-governamental, a Câmara Municipal de Estremoz terá impedido um cigano de utilizar as piscinas públicas, depois de ter sido acusado por alguns residentes de ter levado a cabo atos de vandalismo.

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Ainda numa crítica ao racismo em Portugal, a Amnistia diz que a polícia tem usado “força abusiva e desnecessária” em particular contra pessoas de origem africana. Em fevereiro de 2015, cinco homens africanos terão sido vítimas de discriminação pelos polícias na estação de Alfragide enquanto apresentavam queixa por uso excessivo da força pelas autoridades, durante uma operação na Cova da Moura. O caso está a ser investigado.

Violência contra as mulheres

Uma das principais preocupações explícitas no relatório da Amnistia é a violência doméstica contra as mulheres. De acordo com os dados da União Mulheres Alternativa Resposta (UMAR), até 20 de novembro de 2015, 27 mulheres foram mortas e 33 enfrentaram situações de vida ou morte em circunstâncias de violência com pessoas com quem mantinham relações íntimas. Um estudo da Universidade Nova de Lisboa acrescenta que mais de 1800 raparigas foram sujeitas ou estiveram em risco de sofrer mutilação genital feminina. Em setembro foi introduzida nova legislação referente a este crime previsto no Código Penal.

Novas leis LGBTI – as boas notícias

Mas nem tudo está errado em Portugal: a Amnistia louva o facto de ter sido adotada nova legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e sobre a possibilidade de adoção por casais homossexuais. Em novembro de 2015, a Assembleia da República aprovou a eliminação dos obstáculos legais à adoção de crianças por casais do mesmo sexo, algo que foi adjetivado de “histórico” pela esquerda portuguesa.

A luta pelos direitos humanos

Salil Shetty, secretário-geral da Amnistia Internacional, avisa que “não só os nossos direitos que estão sob ameaça, mas também as leis e os sistemas que as protegem”. De acordo com o relatório anual da organização não-governamental, esse é o resultado do “desprezo total” que os governos têm assumido perante as liberdades e direitos fundamentais. “Milhares de pessoas estão a sofrer muito nas mãos dos estados e dos grupos armados, enquanto os governos estão descaradamente a pintar a proteção dos direitos humanos como uma ameaça à segurança, à lei e à ordem ou aos valores das nações”, escreve Shetty.

Mais de 122 estados torturaram ou maltrataram pessoas e mais de 30 terão forçado refugiados a regressar aos seus países de origem (onde estavam em perigo) de forma ilegal. Em 19 países, vários crimes de guerra ou violações à lei de guerra foram levados a cabeço pelos governos e grupos armados. E isto inclui uma “mira” que os governos terão colocado nos ativistas e agentes da lei empenhados em defender os direitos humanos: “Em vez de reconhecer o papel crucial destas pessoas na sociedade, muitos governos têm deliberadamente agido de modo a estrangular o criticismo nos seus países”, prossegue o secretário-geral da Amnistia Internacional.

As missões cumpridas em 2015

mundo

Em dezembro de 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução dos Defensores dos Direitos Humanos, apesar da oposição expressa da Rússia e da China. O Serviço Internacional dos Direitos Humanos adjetivou este acontecimento como “um grande passo em frente na proteção daqueles que enfrentam riscos e ataques pelo seu trabalho na defesa dos direitos humanos”. Com o apoio de 190 organizações não-governamentais, esta resolução impele os estados a libertar os defensores dos direitos humanos que foram detidos na prática da sua luta, de modo a fomentar a liberdade de expressão.

Entre janeiro e março de 2015, três países aboliram a pena de morte. O primeiro foi Madagáscar, que aboliu este processo legal para todos os tipos de crimes. Em fevereiro foi a vez das ilhas Fiji e, no mês seguinte, o Suriname também eliminou a pena capital. Apenas 53% dos países do mundo proíbem a pena de morte para todos os casos de crime. Mais de um quarto dos países do mundo tem a pena de morte prevista na lei, mas já não a aplica. Estima-se que 18% dos países no mundo pratiquem a pena de morte ativamente.

africa

A subsidiária da multinacional petrolífera Shell cedeu à pressão feita pela Amnistia Internacional e por outras organizações não-governamentais e aceitou compensar os agricultores e pescadores de Bodo, na Nigéria, com mais de 70,5 milhões de euros. Estes trabalhadores do setor primário trabalhavam em zonas contaminadas por derrames de petróleo pertencentes à Shell em 2008 e 2009.

Moses Akatuba, um nigeriano condenado à morte, foi perdoado pelo governo após 10 anos a afirmar continuamente que não tinha sido responsável pelo crime de que era acusado. O mesmo aconteceu a 332 pessoas na Zâmbia: estavam todos presos na Prisão de Segurança Máxima de Mukobeko. No Sudão, o Tribunal de Recurso retirou as acusações de “indecência e roupa imoral” à adolescente Ferdous Al Toum, que estava condenada a 20 chicotadas e uma multa de 500 libras sudanesas.

No último trimestre do ano, os últimos bloggers do grupo Zone 9 foram libertados após terem sido acusados de ataques terroristas com os textos que publicavam na Etiópia. Os outros cinco haviam sido libertados em julho de 2015. Apesar de a constituição da Etiópia prever a liberdade de expressão, o governo controla os meios de comunicação e consegue censurar os conteúdos referentes ao sistema político do país.

A Comissão de Verdade e Dignidade da Tunísia começou a ouvir os testemunhos de vítimas de violações dos direitos humanos na época em que Ben Ali era presidente do país. O início do processo acontece quatro anos depois da Revolução de Jasmim, que levou à saída de Ben Ali da presidência ao fim de 24 anos no poder. Em 2011, com o culminar na revolução, a comissão comprometeu-se a investigar violações de direitos humanos com efeitos retroativos.

Os jornalistas Mohamed Fahmy e Baher Mohamed, os dois da Al Jazeera, foram libertados juntamente com outros 100 egípcios – alguns dos quais ativistas – na sequência de um decreto presidencial que ordenou o seu perdão. Todos tinham sido presos em 2013, acusados de disseminar falsas notícias.

america

A Amnistia Internacional está confiante de que o conflito armado na Colômbia, que já dura há 50 anos, esteja prestes a cessar. No relatório lançado esta quarta-feira, a organização admite que as conversações com o governo do país estão a avançar e que as Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (FARC) começam a ceder à pressão dos ativistas para o cumprimento dos direitos humanos.

Cármen Guadalupe Vasquez, condenada a 30 anos de prisão em 2007 por homicídio, depois de sofrer um aborto espontâneo, foi libertada da prisão de El Salvador em fevereiro. Há nove anos, o tribunal julgou que a mulher tinha realizado um aborto de forma voluntária, algo que é completamente proibido em qualquer circunstância em El Salvador. No mesmo mês, a mexicana Cláudia Medina viu todas as acusações serem retiradas. Em 2012, tinha sido torturada e obrigada a proferir falsas confissões.

Shaker Aamer, um cidadão árabe preso pelos Estados Unidos na prisão de Guantánamo, foi libertado após 13 anos de detenção sem qualquer acusação. Foi um dos primeiros a chegar à prisão norte-americana em Cuba em 2002 e o último com nacionalidade britânica a entrar em Guantánamo. Há mais de 10 anos que a Amnistia Internacional lutava por esta libertação. Ainda em Cuba, o graffiter Danilo Madonado Machado saiu da prisão onde esteve um ano por ter pintado Raúl e Fidel Castro no corpo de dois porcos.

asia e oceania

Dois críticos ativos do presidente do Azerbaijão, Bashir Suleymanli e Orkhan Eyyubzade, foram libertados em março na sequência de um decreto presidencial. Há mais 20 prisioneiros de consciência na lista de prioridades da Amnistia Internacional, todos detidos após proferirem uma opinião negativa sobre Iham Aliyev. Ainda no Azerbaijão, uma das maiores defensoras dos direitos humanos do país – Leyla Yunus – foi libertada em dezembro, após ter sido acusada de fraude e de outros crimes relacionados com as suas operações no âmbito das organizações não-governamentais a que pertence.

O Tribunal Internacional do Crime abriu uma investigação preliminar à situação nos Territórios Palestinianos desde 2014, após várias décadas de violações aos direitos humanos ocorridos na sequência dos conflitos perpetrados pelas forças israelitas e pelos grupos armados da Palestina. Este é o passo em frente da análise dos crimes de guerra no Médio Oriente e pode ser um travão aos casos de impunidade.

O diretor do Centro Síria para os Media e para a Liberdade de Expressão, Mazen Darwish, foi libertado da prisão pouco depois de outros dois colegas da mesma instituição terem também sido soltos. Os três eram acusados de terrorismo na Síria e estiveram atrás das grades durante três anos e meio. Em causa estava a função que o Centro admitiu ter: “Documentar as violações dos direitos humanos na Síria”. No Bahrein, o famoso ativista Nabeel Rajab foi perdoado pelo rei após cumprir metade de uma pena de seis meses. Ainda assim, não pode sair do país e continua com um pé dentro da cadeia por causa dos comentários que fez no Twitter e que lhe podem valer 10 anos de prisão.

O Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas adotou uma resolução que oferece às vítimas do conflito armado no Sri Lanka a possibilidade de reconhecer crimes de guerra levados a cabo pelos dois lados da barricada. Na Indonésia, o ativista Filep Karma foi libertado após 10 anos de prisão, depois de ter hasteado a bandeira da independência de Papua numa cerimónia em 2004.

O Supremo Tribunal da Índia retirou o Ato da Informação Tecnológica, que permitia ao governo vigiar as opiniões que a população publicava online. Esta lei foi por diversas vezes evocada para ter acesso a acusações contra ativistas e críticos do governo, mas a sua abolição “é uma vitória crucial para a liberdade de expressão na Índia”, lê-se no relatório da Amnistia.

As autoridades chinesas libertaram cinco mulheres ativistas depois de uma grande campanha nas redes sociais, que contou com a criação da etiqueta #FreeTheFive. Todas foram presas por terem tentado organizar uma campanha contra o assédio sexual na altura do Dia Internacional da Mulher. Em dezembro, na Mongólia, o parlamento aprovou uma lei que aboliu a pena de morte para todos os tipos de crime, que entrará em vigor em setembro deste ano.

De referir ainda que o líder de uma comunidade em Myanmar foi libertado após 3 amos de prisão por ter tentado acalmar o público durante um motim. Na altura, Tun Aung tinha sido castigado com 17 anos de prisão.

europa

Em abril, o governo norueguês comprometeu-se a reformular a lei referente a pessoas que querem alterar a sua identidade de género, na sequência do caso da transgénero que dava pelo nome de John Jeanette Solstad Remo, que queria mudar o seu género legal sem se submeter a tratamentos médicos. No mês seguinte, a Irlanda tornou-se no primeiro país a admitir a total igualdade no casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, depois de um referendo. Também em maio, o tribunal italiano admitiu que era ilegal colocar famílias romenas em campos étnicos segregados fora de Roma porque seria “uma forma de discriminação”.