Para os autores do estudo, Lo Tit Wing e Sharon Ingrid Kwok, este é o cenário, apesar das mudanças na indústria na última década: maior interferência do Governo, importação do modelo dos casinos de Las Vegas, aprovação de leis que regulam o setor e licenciamento dos ‘junkets’ (angariadores de grandes apostadores).

“Apesar destas medidas regulatórias, as operações das salas VIP continuam, até hoje, a ser dominadas por tríades, mas reajustaram o seu papel tradicionalmente intrusivo e reinventaram estratégias de negócio harmoniosas para se adaptarem à realidade do mercado”, lê-se no estudo a que a agência Lusa teve hoje acesso.

O estudo “Triad organized crime in Macau casinos: Extra-legal governance and entrepreneurship” foi elaborado ao longo de 30 meses, entre 2012 e 2015, e incluiu entrevistas a 17 membros de tríades, operadores de salas VIP, polícias e dirigentes e visitas a uma sala VIP, cujo casino não é identificado.

“Nem todos os operadores de salas VIP são membros de tríades; há também empresários normais, mas têm de se relacionar com as tríades. A maioria pertence a tríades ou são empresários com ligações a tríades, caso contrário, podem ter problemas em manter tudo sob controlo nas operações diárias. O casino seleciona as tríades mais poderosas, com base num par de fatores, incluindo dinheiro, ‘Dor’ da tríade [reputação] e capacidade de mobilizar mão-de-obra”, descreve um membro da seita de Macau 14K, entrevistado em agosto de 2013.

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Com base nas entrevistas, os autores argumentam que a presença destas organizações criminosas na indústria do jogo mudou muito ao longo dos anos, evitando, por exemplo, conflitos e violência entre grupos.

A reputação é decisiva para poderem operar nos casinos e “um casino nunca vai escolher tríades com um historial problemático”, afirmou o mesmo entrevistado.

Hoje, “as salas VIP são dirigidas de modo empresarial, sob uma gestão extra-legal”, aponta o estudo, explicando que algumas tríades “formam a sua própria empresa de ‘junkets’ para gerirem salas VIP”.

“Tal como um banco, a empresa solicita depósitos de investidores que recebem dividendos mensais fixos. Depois, a empresa dá crédito aos jogadores”, é descrito.

No passado, a maioria dos jogadores dos casinos de Macau vinha de Hong Kong, mas com a introdução do esquema de vistos individuais, o mercado expandiu-se para a China continental, de onde hoje vem o grosso dos apostadores.

No entanto, para entrar neste mercado, as tríades precisaram de recorrer a intermediários, os ‘junkets’, tanto para angariar os jogadores na China como para cobrar dívidas. Esta situação fez com que “gradualmente perdessem controlo, resultando em casos de fraude”.

Apesar de os ‘junkets’ precisarem de licenças para operarem, os entrevistados apontaram que muitos membros das tríades ocupam essas funções, através de esquemas de ’empresas fantasma’ usadas para “esconder a propriedade dos líderes de tríades e os seus interesses nas operações ‘junket'”.

Um “dirigente chinês”, entrevistado em fevereiro de 2015, disse que “o irmão de sangue do Dente Partido opera uma sala VIP, por isso, o Dente Partido trabalha lá após sair da prisão, mas perdeu o poder”, referindo-se ao antigo líder da 14K, libertado em dezembro de 2013 após 14 anos detido.

Para combater cenários de lavagem de dinheiro e fuga de capitais, as autoridades da China continental têm vindo a aumentar as restrições, tanto ao nível dos montantes que podem sair como do número de dias que os altos dirigentes públicos podem passar fora.

“Devido às restrições nas viagens, as ‘baleias’ chinesas [grandes apostadores] não podem viajar livremente para Macau, emergindo novas formas de apostar. Apostas através de vídeo em direto foram desenvolvidas para os jogos de bacará em Macau, com vista às pessoas que não podem fazer viagens de um dia a Macau”, afirma o estudo.

Estas restrições “criaram um mercado para as apostas por baixo da mesa”, segundo os investigadores. Um alto funcionário da polícia explicou que alguns apostadores que não querem expor a sua identidade “jogam à distância através de telefones”. “É ilegal mas ninguém o tenta regular”, diz o entrevistado.

Em 2014, depois de a imprensa (local e internacional) mencionar apostas por telefone, o Governo desmentiu a sua existência nos casinos de Macau.

A Lusa confrontou a Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos de Macau com as conclusões do estudo, mas não obteve resposta. As operadoras de casinos em Macau têm repetidamente negado qualquer ligação a organizações criminosas.