As coisas são radicalmente diferentes. Joga-se à bola num campo e pouco mais, porque estádios a sério é mentira. A gente que os vê também não é muita e, se há um golo, uma falta dura, uma jogada bonita, ouvem-se as vozes dos treinadores, dos jogadores a puxar uns pelos outros ou dos pais que vão torcer pelo rebento que têm em campo. O campeonato de juniores tem pouco do que o futebol dos graúdos tem, mas se nos guiássemos apenas pelos nomes, Chidozie Awaziem e Ivan Cruz dir-nos-iam que o que tínhamos à frente era um jogo de miúdos. A cabeça do nigeriano rematou a bola que as mãos do cabo-verdiano não apanharam e isto era um filme já visto.

Passara nas salas durante a última jornada do nacional de juniores, a época passada, antes de os 19 anos do nigeriano voltarem a bater o guarda-redes do Gil Vicente. O golo com que o miúdo se estreou a marcar pelos graúdos do FC Porto apareceu cedo (11’), mas não foi por isso que o jogo ficou bom, razoável ou sequer assim-assim. A viagem para o Jamor comprara-se há um mês, com o 3-0 em Barcelos, e os visitantes sabiam-no melhor que os anfitriões. A equipa de Barcelos deixara sete titulares a ver o jogo no sofá de casa e foram a jogo com quem menos costuma jogar na segunda liga. Os dragões agradeceram.

Rúben Neves e Sérgio Oliveira andaram com pézinhos de lã pelo campo, um e outro a distribuíram bolas curtas e longas como carteiros que sabem as moradas de cor. O primeiro acabou com 53 passes feitos, o segundo com 46, e sempre deixaram a bola e outros jogadores correrem por eles. Só tinham que esperar que Aboubakar ou Marega se decidissem desmarcar, com sprints na diagonal, para a área, para a defesa do Gil Vicente dar espaço por todo o lado. O camaronês, logo aos 2’, preferiu o remate egoísta a um passe altruísta e só ganhou um canto depois de sentar o guarda-redes. O maliano festejou um pouco até um fora-de-jogo lhe anular um golo, aos 20’. E nem aos 43’ conseguiria celebrar, porque Aboubakar rematou ao poste a bola que Marega lhe cruzou rasteira.

Porto's Nigerian defender Chidozie Awaziem (C) celebrates a goal during the second-leg semi-final Portugal Cup FC Porto vs Gil Vicente football match at the Dragao stadium in Porto on March 02, 2016. / AFP / FRANCISCO LEONG (Photo credit should read FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

Foto: FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images

Um jogo sem rapidez, sem jogadores a irem para cima de outros no ataque e sem (sequer) muitas faltas puxava o bocejo à boca. Nem o chuto que um Layún outra vez a central deu contra Chidozie, antes do intervalo, fez com que Yartey acertasse um remate na baliza. Também não o faria depois do intervalo, quando um FC Porto já com 4-0 na eliminatória começou a amolecer e abrandar o que já era lento. A bola passou a estar mais tempos com Vagner e o gilista — que mais jeito tem nos pés — a ter mais tempo com ela. Foi ele que, aos 65’, recebeu, arrancou, fintou e fez tudo na zona em que não se deve deixar um adversário fazer isto, antes de passar a Yartey — a quem até deixaram pisar a bola na área, mas cujo remate não acertou na baliza.

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Só aos 90’ o Gil Vicente inventou uma bola que conseguiu tocar nas mãos de Helton. Porque a equipa que arriscou para marcar um golo de recordação pôs-se a jeito para os dragões que jogavam a passo aproveitarem. Mesmo que não se pusessem, Pécks sentou-os na posição errada, quando atrasou a bola para trás sem olhar e a deu a Aboubakar, que depois de deitar Ivan Cruz se lembrou do altruísmo que não tivera antes e esperou para passar a bola a Alberto Bueno. Mas o espanhol que não jogava há dois meses tornou o que era seria para festejar em algo para rir, ao rematar a bola por cima de uma baliza deserta. Dois minutos depois fez o mesmo com a bola que José Ángel lhe cruzou da esquerda.

O assim-assim continuou até Aboubakar levar o altruísmo ao extremo e, aos 80’, caminhar na área quando o normal seria sprintar para esperar pela corrida de Moussa Marega. O passe serviu para o maliano encostar o 2-0 e o primeiro golo que marcou pelos dragões. O karma nada deu de volta ao camaronês, porque o renegar ao egoísmo só lhe deu um remate à barra quando José Ángel lhe teleguiou uma bola para a cabeça. Antes, durante e depois, Rúben Neves e Sérgio Oliveira continuaram a mostrar como se passava a bola.

E fizeram com que José Peseiro acabasse o que Julen Lopetegui começou e confirmasse o regresso do FC Porto ao Jamor. Os dragões vão lutar pela Taça de Portugal depois de vencerem seis eliminatórias em que defrontaram apenas uma equipa da primeira liga (Varzim, Angrense, Feirense, Boavista e Gil Vicente). A segunda será o Braga, que duas horas antes se livrou do Rio Ave com um empate (0-0) em Vila do Conde. A segunda final consecutiva para os bracarenses é um retorno dos portistas ao Jamor — cinco anos depois de André Villas-Boas, Falcao, Hulk, James Rodríguez, João Moutinho e Otamendi conquistarem o que seria o terceiro título de uma época com futebol bonito. Tudo o que não se viu esta noite no Estádio do Dragão, onde nem cinco mil pessoas estiveram nas bancadas.