“O Banco Espírito Santo foi forçado a desaparecer e foi forçado a desaparecer por uma total falta de visão dos governantes do nosso país e da acção da parte do Banco de Portugal que, no fundo, julgo já tinha intenção de acabar com um banco de família”. Este é o relato de Ricardo Salgado, ano e meio depois da resolução do BES. O Diário de Notícias desta quinta-feira traz a pré-publicação de parte de um novo livro, publicado pela Chiado Editora e escrito pela jornalista Alexandra Ferreira, com base em conversas com o antigo banqueiro. Um antigo banqueiro que quer “que os clientes percebam que procurei, até ao fim, salvaguardá-los“.

Em BES – Os Dias do Fim Revelados, Ricardo Salgado diz que o banco não precisava de ser resolvido. “Havia dinheiro” na linha pública de recapitalização, diz o ex-presidente do BES. “O que me leva a concluir que o banco foi forçado a desaparecer, foi que ele quis aplicar a resolução para acabar com o conglomerado misto e com a família”, acrescenta.

Na linha da carta enviada no último dia 25 às redações, em que Ricardo Salgado dizia que era “tempo de o governador do Banco de Portugal ser responsabilizado”, o ex-banqueiro volta a fazer críticas à atuação de Carlos Costa. Mas diz que não terá sido da cabeça do Governador do Banco de Portugal que terá saído o que, diz, terá sido um plano para acabar com a sua família.

Acho que isso releva mais à arena política pura e dura. Acho que o objectivo era que politicamente fosse sufragado primeiro na opinião pública e depois nos actos eleitorais de que era preciso acabar com os poderosos que tinham influência e que provavelmente até eram corruptores.

Concretamente, Ricardo Salgado diz que o governo tinha conhecimento desses planos. O ex-presidente do BES diz que, quando os problemas se agravaram, ouviu do Primeiro-Ministro que fosse renegociar a dívida das empresas com os credores. “O que ele [Passos Coelho] me dizia era espantoso! Não tinha percebido nada!”, diz Ricardo Salgado. O que Passos Coelho não tinha percebido é que, nessa fase, muitos dos credores eram os clientes que tinham comprado o papel comercial aos balcões do BES, nota o livro publicado pela Chiado Editora.

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“A Ministra das Finanças assistiu! Isso é uma coisa que me choca! Nas reuniões em que ela convocava os banqueiros para apoiar as empresas públicas, dentro e fora do perímetro – dívida oculta -, quando os bancos estrangeiros estavam a pedir os reembolsos das operações de crédito. E assistiu sempre, e eu fui sempre a várias reuniões, ou iam colegas como o Dr. Amílcar [Morais Pires] e o Dr. António Souto, a enorme disponibilidade que o banco sempre teve para apoiar as empresas do Estado, a área não financeira do Estado. E eram emergências porque os bancos estrangeiros estavam a exigir os reembolsos. E o Governador, na mesma altura, dizia que era melhor que houvesse mais bancos estrangeiros em Portugal. Quando eram os bancos estrangeiros que estavam a tirar o tapete ao Estado.”

Mais de um ano depois, “fica uma enorme decepção. Uma tristeza grande pela forma como o banco acabou”. Mas Ricardo Salgado recorda o que lhe dizia o pai: “costumava dizer-me que na vida tudo passa, só a amizade perdura. E, de facto, a conclusão a que eu chego passados todos estes anos é que amizades à séria contam-se pelos dedos de uma ou duas mãos. Mas essas valem tudo. Às vezes somos também surpreendidos pela positiva. Amigos de infância que voltaram e que vieram ter comigo e me fazem companhia”.

Quanto aos clientes, a quem Ricardo Salgado nunca chegou a pedir desculpa, eis o que o antigo banqueiro tem a dizer:

Não cheguei a pedir desculpa aos clientes porque sigo a máxima expressa no verso de Fernando Pessoa: é pior pedir desculpa do que não ter razão. Sempre atuei para salvar o BES, sempre invoquei as razões que me moviam. Pelos vistos não foram compreendidas nem aceites. Mas não vou desistir de apontá-las. O que não me resigno é a pedir desculpas e considerar que, com isso, fica tudo bem. Quero que os clientes percebam que procurei, até ao fim, salvaguardá-los. O banco foi forçado a desaparecer e foi forçado a desaparecer por uma total falta de visão dos governantes do nosso país e da acção da parte do Banco de Portugal que, no fundo, julgo já tinha intenção de acabar com um banco de família.