Depois de tanto dérbi, tanta jogatana e com os anos que alguns contam por cá, já se sabe quem vai andar perto de quem no relvado. É normal que um argentino irrequieto, ainda mais espicaçado por ser capitão (Nico Gaitán), queira ziguezaguear com a bola para trocar as voltas ao português que se pirou, passou anos fora e voltou mais calmo dos ânimos (João Pereira). Que um costa-riquenho tímido, um tipo que só é tagarela quando a bola lhe chega ao pé esquerdo (Bryan Ruiz), moa o juízo de um dos laterais que o tiver de ouvir e o quiser calar (André Almeida ou Eliseu). Ou que o brasileiro que calça os pés em pantufas que amortecem qualquer bola que lhe passem, o que mais remates faz no campeonatos (Jonas), veja se é desta que marca aos grandes. Estes batem-se no campo.

Mas depois há dois que apenas se podiam bater fora dele. No bate-boca.

A vida de treinador é dura por tudo e mais alguma coisa. As horas que não passam no campo, a dar ordens aos jogadores, coordenar exercícios, ensinar e corrigir o que pensam estar errado, passam-nas a pensar no que poderão fazer para por a equipa a funcionar dentro dele. A pensar se o jogador X rende na posição Y, que coisas o futebolista A dá à equipa em vez do B. Depois, há as alturas em que deixam de pensar no campo para se focarem no que vão dizer aos jornalistas, em entrevistas e conferências de imprensa. É aí que Jorge Jesus e Rui Vitória se têm batido esta época, pelo meio dos três jogos — todos vencidos pelo Sporting, treinado pelo primeiro — em que as suas equipas já se defrontaram.

O treinador do Benfica até foi resistindo à sedução desta lengalenga. Foi ouvindo sem responder. Escutou Jesus a dizer, antes da Super Taça, que ele, Rui Vitória, mandava numa equipa cheia de ideias alheias e cujo cérebro era ele, JJ. Não respondeu. Soube que o técnico do Sporting enviara SMS aos jogadores encarnados, antes do jogo. Não respondeu. E ainda viu Jorge a juntar o dedo indicador com o polegar, depois de vencer por 3-0 na Luz, enquanto dizia que, se quisesse, “era fácil” pô-lo “desse tamanhinho”. Continuou sem responder, ou melhor, sem atacar o próximo como o próximo o atacava a ele. Apenas o fez em janeiro, minutos após sair da Taça de Portugal (2-1), no prolongamento: “Ser bom não é ser bonzinho. Já são três vezes que o Benfica é prejudicado em penáltis que são claros. Já chega. É a tática do barulho e eu não quero ser comido de cebolada. O Benfica merece respeito”.

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Jorge Jesus gosta disto, de um falar e o outro responder — admitiu, após a Super Taça, que a história das SMS serviu para “mexer um pouco” com Rui Vitória “e a equipa” do Benfica –, e não hesitou em dar troco ao treinador encarnado, dizendo que o jogo fora “limpinho, limpinho”. O bate-boca a sério começava aí, a 21 de novembro. Depois, houve a vez em que Vitória disse que “havia dois treinadores obcecados pelo Benfica” e levou a Jesus dizer que não o qualificava como treinador. “Ele tem de ser muito mais. Fi-lo sair da toca. Para treinar o Benfica ele tem de se assumir. Para conduzir um Ferrari tem de ter andamento para ele”, disparou o ex dos encarnados e atual dos leões.

Sporting's Brazilian defender Ewerton (R) vies with Benfica's Greek forward Konstantinos Mitroglou (L) during the Portuguese Cup football match Sporting CP vs SL Benfica Alvalade stadium in Lisbon on November 21, 2015. AFP PHOTO / PATRICIA DE MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

A 21 de novembro, o Benfica foi a Alvalade perder por 2-1 com o Sporting, no prolongamento, para a Taça de Portugal. Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images

Dias depois (e isto foi há pouco menos de dois meses), Rui Vitória decidiu pegar nas idades. “Com a idade que eu tenho, ele, se calhar, andava na luta pela manutenção ou pela subida de divisão”, atirou quem tem 45 anos e viu o homónimo, com 61, a não se ficar: “Para chegar à primeira divisão, tive de subir pelo meu trabalho. Isso demonstra que naquelas equipas em que eu andava, também conquistava os meus objetivos e os das equipas. Há outros que começaram a carreira no Vilafranquense, no Fanhões, no Alcochetense, mas ganhavam bola”. No meio de tudo isto, os treinadores foram falando pouco de bola e do que os jogadores que cada um tem pode fazer.

São eles que, 22 anos depois, voltarão a estar num jogo da segunda volta do campeonato em que o Sporting está em primeiro, o Benfica em segundo e entre eles existe um ponto de diferença. Este cenário apenas aconteceu cinco vezes, a última delas em 1994, quando João Vieira Pinto reivindicou um dérbi para ele e marcou três golos no 3-6 com que os encarnados saíram de Alvalade. Nessas tais cinco partidas, o Benfica venceu quatro, ou seja, o clube levou sempre a melhor quando tão tarde no campeonato havia tanta coisa em jogo. Agora ainda haverá mais, já que depois do dérbi de sábado (20h45) virá o Braga-FC Porto no domingo (20h30).

Jesus e Vitória até podiam ter continuado no bate-boca, mas não. O treinador do Sporting destacou a renovação de Rui Patrício, garantiu que “não é surpresa nenhuma” para ele, e para os jogadores, que os leões estejam em primeiro. Que não sabia ainda se a lesão ia deixar Adrien Silva jogar e que este dérbi “não vai resolver nada”. O técnico do Benfica disse o mesmo que JJ, mas puxado para o lado encarnado — que o dérbi “não é decisivo” e que a equipa “gosta da pressão”. Depois confirmou a ausência de Lisandro López e desdramatizou o facto de nenhum dos 26 golos que Jonas tem no campeonato ter entrado na baliza dos grandes.

Um e outro, portanto, esqueceram o bate-boca por um dia. Com ou sem ele, o rival lisboeta que perder arrisca-se a ficar com os dragões colados, se a equipa de José Peseiro vencer no Minho. O que interessa, portanto, é o bate-campo.