Tinha um teclado na mão, fosse de um telemóvel, um computador ou um tablet, e varria as perguntas com os olhos. Eram às centenas. Deteta uma tramada, que lhe puxa o sentido de humor para satirizar uma falha própria. “Hombre, as saídas dos postes!”, escreve. Perguntaram-lhe o que mais temeria caso tivesse que fazer um exame, como na carta de condução, para ter licença para defender uma baliza. Iker Casillas foi sincero e há uns meses, em conversa com adeptos através do Facebook, confessou que abandonar o conforto dos postes e sair-se a um cruzamento é a pior coisa que lhe podem fazer. Mas aos 94’ do jogo que teve em Braga não pareceu que desgostava assim tanto disto.
Ainda a bola ia no ar, lançada pelo pé esquerdo de Pedro Santos, e já o espanhol partira em retirada dos postes. Alan estava a uns 30 metros da baliza e quando recebeu o passe tinha dois homens muito perto: Jesús Corona, que recuava num sprint desalmado, e Casillas, que se acercava numa corrida desesperada. A proximidade do mexicano tornava inútil a decisão do espanhol, mais ainda quando o brasileiro do Braga se desviou com a bola e, lá longe, viu a baliza que o guarda-redes deixara deserta. E este texto arranca assim porque é do impulso sem sentido de Iker Casillas de que mais se vai falar amanhã, depois e talvez durante a semana. Mas não devia.
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Antes de o cérebro do espanhol parar por um segundo, houve uns minhotos que nunca pararam de correr durante hora e meia. Os dragões chegavam a Braga com a pica de, em caso de vitória, ficarem a um ponto do Sporting e manterem a liderança do Benfica à vista de três pontos. Quiseram arrancar a acelerar, numa mudança abaixo do habitual, para puxarem mais pela equipa, e durante uns 20 minutos pareciam conseguir. Pressão com pressão se paga e, precavidos pelo amor que os bracarenses têm por caçar bolas perto da área adversária, os dragões quiseram fazer o mesmo. Adiantaram-se, pressionavam lá à frente e convidavam o Braga a fazer algo que faz sempre por vontade própria — arriscar.
Falharam-se passes, perderam-se bolas e fizeram-se faltas para redimir erros, tudo perto de cada uma das balizas. Houve o livre à entrada da área que, aos 24’, o pé direito de Brahimi bateu contra o poste. E houve a bola que, dez minutos depois, Danilo perdeu e deixou para Luiz Carlos isolar Hassan, cuja calma se misturou com a classe de picar a bola sobre o corpo de Casillas e contra o poste. Duas recargas de Rafa e do egípcio não deram em golo antes de José Peseiro subir as escadas do estádio. O treinador era expulso (35′) por refilar com o árbitro contra a falta que reclamava sobre Danilo. Aqui os minhotos mostravam como estavam habituados ao que não é costume nos portistas.
O Braga jogava acelerado, ninguém a jogar a passo e toda a gente a correr muito sem bola. Não havia bola na partida que se perdesse a meio campo, porque poucas jogadas estavam lá muito tempo e por as duas equipas quererem sempre roubá-la perto da área alheia, onde as recuperações valem ouro. Era uma questão de ver quem abrandava — leia-se, estoirava por não aguentar o ritmo — primeiro e errava mais. Foram os dragões e isso começou a ver-se logo no arranque da segunda parte.
Aquela pressão imediata, a tentar tirar segundos e espaço aos adversários, deixou de ser automática. Brahimi e André André deixaram recuar tanto e a linha da defesa foi-se mantendo longe da área, encostada à linha do meio, a jogar como se a equipa ainda conseguisse cerca o Braga e não deixar os minhotos se virasse com a bola para a baliza. A partir dos 50’ as diagonais de fora para dentro de Rafa e Pedro Santos começaram a apanhar muitos passes e até Hassan ganhava as costas a Indi e Marcano. Os defesas pareciam estar aflitos por se posicionarem onde não tinham a confiança de estarem no sítio certo.
O central espanhol, aos 72’, até estava, porque o cruzamento de Djavan fez a bola chegar-lhe perto dos pés. Bastava a Marcano esticar-se para a cortar e o portista resolveu tentar cortá-la com o pé direito, o que usa menos vezes: raspou na bola e deixou-a para trás, onde estava Hassan para o castigar. O golo chegava para a equipa que tirava mais ar à outra. O Braga estava cada vez mais diferente (para melhor) que o FC Porto, mas aos 85’ ficarem iguais quando Brahimi decidiu ignorar o instinto ao qual tanto costuma sucumbir. O argelino esqueceu os dribles, rodopios e truques, ajeitou o pé direito e sacou um cruzamento de trivela para isolar Herrera na área. O remate do mexicano foi bloqueado pelo central Bony, mas a recarga de Maxi só parou no empate.
Antes do empate já se ouvia Paulo Fonseca, aos berros, a pedir “calma, calma!” aos jogadores, implorando-lhes que controlassem o adversário com o que se quer — “vamos ter bola, malta”. Os 12 minutos que o Braga passou mais fechado na área, jogadores recuados, entre o 1-0 e o 1-1, impressionaram pela forma como, logo a seguir, a equipa voltou a ligar o chip. Acelerou, voltou a pressionar e, aos 85’, já Pedro Santos aproveitava uma bola recuperada a meio campo para fugir a dois adversários e dar a bola ao sprint que Djavan arrancava pela esquerda. O brasileiro só parou no cruzamento rasteiro que fez na área para Rafa Silva, perto do segundo poste, castigar o FC Porto antes de Iker Casillas se castigar a ele próprio.
A invenção do guarda-redes espanhol fechou a oportunidade que os dragões desperdiçaram a jogar com 10 — Martins Indi veria o segundo a amarelo aos 90′ — e, sobretudo, a não terem pernas nem ritmo para acompanharem uma equipa que, mesmo com esta vitória, ainda está a oito pontos do FC Porto. É provável que o todo do jogo seja visto pela parte do erro de Iker Casillas por o espanhol ser quem é, mas a derrota da equipa de José Peseiro mostrou uma equipa com energia limitada, incapaz de lidar com um adversário pressionante no campo todo e sem maneira de aproveitar os melhores jogadores que tem (e tem) em relação ao Braga. E agora também poderá não ser capaz de se chegar ao título ou sequer da qualificação direta para a Liga dos Campeões. Que estão a seis e quatro pontos de distância.