“- É o Bill Plympton?

– É sim.

– Daqui Kanye West. Preciso de um teledisco.”

Bill Plympton, 69 anos, engrossa a voz para imitar a de Kanye West, quando o rapper lhe ligou “a meio da noite” para pedir um vídeo animado para a sua música “Heard’Em Say”, de 2005. “O Michel Gondry [realizador de ‘Eternal Sunshine of The Spotless Mind’] já lhe tinha feito um teledisco, mas ele odiava-o, achava-o terrível e gostava do meu trabalho desde criança, quando a mãe o costumava levar a uma mostra de curtas de animação em Chicago”, conta.

O realizador norte-americano, conhecido por desenhar todos os frames dos seus filmes (chegam a ser 40 mil desenhos), só teve uma semana para fazer o vídeo, mas não se importou de trabalhar dia e noite. “Era para o Kanye West e por isso fiz”, diz-nos. “Ele pagou-me dinheiro do bolso dele, o que foi simpático. Sei que as pessoas têm problemas com ele mas gosto dele, gostei de trabalhar com ele.”

[veja o vídeo de “Heard’em Say”, de Kanye West]

https://www.youtube.com/watch?v=HwtoSVRVjyU

Kanye West chegou a ir ao seu estúdio quando Plympton estava a desenhar. “Espreitava por cima do meu ombro e dizia: ‘Sou mais bonito que isso, faz-me parecer melhor’”, ri-se. “É o Kanye. Ele é um génio, sabe mesmo de música, de arte, é um tipo muito visual.”

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Plympton tem pouco tempo para a conversa, já que se prepara para apresentar “Cheatin’”, um dos seus filmes em retrospetiva na Monstra – Festival de Animação de Lisboa, até 13 de março. Ainda assim, traz uma capa com alguns dos desenhos do filme de 2010 “para vender”, explica. Aliás, cada um tem um autocolante onde se lê 100. Cem euros? Cem dólares? Ficamos sem saber. “É assim que financio os meus filmes”, continua.

Em 1960, com 14 anos, chegou a mandar desenhos para a Disney na esperança que o contratassem. Não aconteceu. Mas contactaram-nos anos mais tarde, em 1987, quando Plympton foi nomeado para um Óscar pela curta de animação “Your Face” – em 2005 foi nomeado outra vez por “Guard Dog”. Nessa altura foi o realizador a recusar o convite para se manter independente. Agora admite ter alguma “inveja da distribuição e publicidade que eles têm”.

“Gostava de ter a Disney ou a Pixar a contactar-me mas acho que isso não vai acontecer. Eles vêem todo este sexo, violência, surrealismo e têm medo de mim, pensam que sou um psycho, mas sou um tipo normal, descontraído.”

[o trailer do filme “Cheatin”, de 2014]

“Cheatin’”, que vai passar dali a poucos minutos, conta a história de um casamento que tinha tudo para ser perfeito mas é assombrado pela mentira e acaba por ser sufocado pelos ciúmes e pela traição – aliás Ella, uma das protagonistas, prefere através de um feitiço encarnar as várias amantes do marido, Jake, a deixá-lo. O tipo de filme de animação que, segundo Plympton, não cai bem nos Estados Unidos. “A América ainda está 15 anos atrás da Europa no que diz respeito a aceitar ideias na animação”, afirma.

“Os americanos viram tantos filmes da Disney e da Pixar que acham que a animação é uma coisa só para crianças. E chateia-me porque na Europa isso não é um problema.”

No início

Quando era miúdo adorava Bugs Bunny, Duffy Duck, mas agora enquanto adulto, quer “ver ideias de adulto” na animação, continua. “Ideias que reflitam o meu pensamento, a minha imaginação e há pouca gente a fazer isso.” Ainda assim, este ano “Anomalisa”, uma longa-metragem de animação para adultos, foi nomeada para o Óscar, o que pode significar que “alguma coisa está a mudar”, concorda Plympton. “É um filme especial mas não gostei, achei muito parado. Gosto de coisas visualmente mais excitantes, mais surrealismo.”

Na Monstra, o realizador vem também apresentar “O Profeta”, filme que abriu a competição no início da semana, e um projeto que conta com vários realizadores para a adaptação do livro de Kahlil Gibran. “Contactaram-me há cinco anos e disseram-me que tinham muito dinheiro para o filme, mas que não sabiam o que fazer com ele. Havia muitas pessoas do Médio Oriente interessadas. Isto antes ainda da Salma Hayek estar envolvida. Depois só me voltaram a contactar três anos depois.”

Para o seu próximo filme, “Revengeance”, “um film-noir tarantinesco” escrito por Jim Lujan, que conheceu na Comic Con de San Diego, a conversa foi outra: não havia dinheiro nenhum e foi preciso abrir uma campanha no Kickstarter, coisa que já tinha feito anteriormente com dois filmes. “Pedimos 75 mil dólares e conseguimos perto de 90 mil. É uma boa maneira de evitar ir a Los Angeles às pitch sessions com os executivos de Hollywood. Primeiro porque não tenho um grande nome, eles não sabem quem eu sou, depois porque não sou de um grande estúdio e porque os meus filmes não são animados por computador, não são para crianças, são filmes de adultos, muito independentes e não me querem dar dinheiro. Prefiro ir aos meus fãs, às pessoas que gostam realmente do meu trabalho.”

[este é o trailer para “Revengeance”, filme que vai estrear ainda este mês]