“Hoje a fila está grande!”, comentam à entrada. “Também vens para o dia da mulher?”, pergunta uma amiga a outra, quando se encontram na fila. Vieram, sim. E é ao CDS-PP que devem os minutos que têm de esperar para entrar na Assembleia da República. O partido organizou a iniciativa “Liderança no Feminino. Quando Elas Fazem” e trouxe oradoras de honra: a enóloga Sandra Tavares Silva, a maestrina Joana Carneiro, a administradora da Caixa Geral de Depósitos, Maria João Carioca, e a apresentadora de televisão e empresária Cristina Ferreira.
A fila à porta era dominada por mulheres e o Salão Nobre reproduz o cenário. A sala já estava composta quando chegaram as quatro oradoras, acompanhadas pela mestre de cerimónias, Assunção Cristas, e pela deputada da subcomissão de Igualdade e Não Discriminação Ana Rita Bessa, que será a moderadora da conversa. Cristina sobe ao palco e logo correm cinco a seis fotógrafos para registar o momento “Cristina no Parlamento”.
A candidata à sucessão de Paulo Portas abre a tarde de conversa, orgulhosa pelo painel que reuniu, e destaca que a liderança feminina é uma preocupação que “está no topo da agenda” do CDS-PP. Não fosse a sua candidatura, a de uma mulher, a única à presidência do partido. Ana Rita Bessa introduz, então, as quatro convidadas.
A oradora Cristina Ferreira “dispensa apresentações”, começa por dizer. Ainda assim, algumas notas de contexto: “É apresentadora de televisão , (…) empresária em diversas áreas, tem uma revista que é de todos conhecida…”. E logo se soltam alguns risos na sala. De facto, alguns senhores daquela casa conhecem muito bem a publicação. A ex-deputada Joana Amaral Dias despiu-se para a capa em setembro de 2015 e o ex-deputado Santana Lopes fez a primeira capa de 2016.
A tarde desta terça-feira mostrou que há cumplicidade entre Cristina e Assunção. Ou pelo menos que há vontade que a cumplicidade exista. Elas sorriem uma para a outra, elas partilham opiniões, elas acenam quando a outra fala. “A minha mãe foi uma líder. Ela é o meu maior exemplo. A minha mãe desistiu do trabalho dela para viver ao lado do meu pai.” E lembra os sucessivos trabalhos que a mãe foi tendo, lembra a altura em que fazia rissóis, a altura em que fazia tartes de amêndoa, a altura em que fazia cortinados. À capacidade de trabalho da mãe junta os ditados populares do pai. “O meu pai sempre me disse: ‘a cama que fizeres, é nela que te vais deitar’. E é mesmo assim”.
“Talvez só hoje eu perceba porque é que o meu pai nunca me quis dar uma bicicleta. Ele queria que eu sentisse o sabor da conquista”, conta Cristina, enquanto percorre a plateia com os olhos, uma plateia silenciosa e até rendida à apresentadora. “Eu que vivo no campo, rodeada de serras, sabia que havia mais além da serra.” E cá está ela. “Às vezes dizem-me que eu sou um exemplo, mas eu não sou um exemplo para ninguém. Cada um deve fazer o seu caminho.”
Cristina Ferreira pode ter milhares de seguidores nas redes sociais, até pode ter outros tantos a verem-na todas as manhãs na televisão, mas Assunção Cristas também tinha uma história para contar. Uma história de uma fã. Um dia estava no IKEA com a filha e uma funcionária interpelou-a. Disse-lhe “continue, admiro-a muito, é um exemplo de mulher”. Para logo seguir as palavras da apresentadora: “Eu estou com a Cristina. Não quero ser exemplo para ninguém. Quero mostrar que é possível.”
Os filhos: mais um assunto que as une. Cristina tem um, Assunção tem quatro. “Tenho um menino e senti que a vida dele ia ser mais facilitada por isso”, lembra Cristina. O assunto do encontro é a liderança no feminino e a discriminação que as mulheres ainda enfrentam, mas Cristina assume desde logo que, no meio em que trabalha, não há muito de que se queixar. “Em termos de remuneração possivelmente as mulheres até recebem mais do que os homens. A televisão é uma ditadura da imagem e há mais mulheres a aparecer”, constatou. Cristina refere-se, sim, a quem questiona o porquê do seu sucesso. Ela explica: “Trabalhar muito”.
Em casa de Assunção há paridade nas crias: dois meninos e duas meninas. Os quatro querem mais atenção da mãe-trabalhadora e não se coíbem de o pedir. “Um dia a minha filha disse-me: ‘Oh mãe, só deviam ir para deputados as mulheres que não têm filhos ou os homens’. E eu pensei: mas que mundo é este?”. Mas na altura de se candidatar à liderança do CDS, os rapazes fizeram-se ouvir mais alto. “Os rapazes foram os mais ativos a dizer ‘força mãe, avance, faz muito bem.”
Para a ex-ministra da Agricultura, a igualdade de género não é uma preocupação de agora. Quando era professora ficava intrigada com os alunos que “respondiam sempre às questões” e com as poucas alunas a chegarem-se à frente. De momento, Assunção Cristas prepara o congresso do CDS, que acontecerá a 12 e 13 de março, e até aí há coisas a apontar — ambos os géneros estão prontos a ajudar, mas os homens dizem mais vezes “quero estar ali”, aponta Assunção Cristas. Eles procuram mais o destaque em determinado lugar e elas ficam mais escondidas, explica.
No Salão Nobre, uns acenavam, outros faziam sorrisos cúmplices. A assistir na fila da frente estavam Teresa Morais, ex-secretária de Estado da Igualdade, e Teresa Caeiro, deputada do CDS-PP. Os deputados do CDS Hélder Amaral e Telmo Correia também por lá passaram, bem como a deputada do PSD Teresa Leal Coelho.
Na altura de perguntas e respostas, alguém pergunta pelos “sonhos” que Cristina e Assunção ainda têm. Cristina diz que tem muitos, alguns que “nem passam disso mesmo”, mas a maioria passa pelo lado pessoal — não por ocupar este ou aquele cargo. Assunção alinha. “Eu estou em absoluto com a Cristina. Não me ocorre nada relacionado com cargos públicos. Quero estar com o meu marido e com os meus filhos, ser avó, ser feliz até ao fim da minha vida.”
Teresa Morais felicita a colega Assunção Cristas pela iniciativa, mas é para a estrela da TVI que vai a frase mais elogiosa. “Permitam-me uma palavra especial à Cristina. Conheci uma outra faceta dela. E deixem-me dizer que é ainda mais esperta do que parece na televisão”. Gargalhada geral.
Se estivéssemos no plenário, o Presidente da Assembleia não ia pedir à deputada Cristina Ferreira nem à deputada Assunção Cristas para “concluir”. Mesmo que tivessem excedido o tempo de intervenção indicado no ecrã. Se estivéssemos no plenário, também não haveria a quantidade de pedidos de beijinhos e de selfies no final. A Cristina Ferreira, saliente-se.