Antes eram apenas uns quantos, raros, como aquele brinde dentro do pacote de cereais preferidos. O inglês saía-lhes a custo da boca e quem conseguisse chegar ao circuito era visto como um aventureiro dos grandes no seu país. Um maluco no meio de australianos, norte-americanos e surfistas vindos do Havai. Talvez por isto os tenham enfiado a todos no mesmo saco, quando alguém se inspirou no repentismo de uma tempestade para lhes chamar “the brazilian storm”. A Gabriel, a Felipe, a Wiggolly, a Ítalo, a Miguel, a Jadson e a ele, que já vai entrar no décimo ano seguido de circuito mundial. Aqui, o ele é Adriano de Souza.

Em dezembro, o brasileiro chorou baba e ranho na areia de Ehukai, praia de Oahu, uma das ilhas do Havai. Lágrimas de felicidade, caídas dos olhos de quem acabara de se tornar campeão do mundo de surf — e, pelo segundo ano seguido (Gabriel Medina venceu em 2014), dava uma conquista brasileira ao circuito que durante 10 meses leva os melhores 36 surfistas do mundo a 11 praias. É por isso que, na madrugada desta quinta-feira, seria Adriano de Sousa a entrar na água de Snapper Rocks, na Austrália, na primeira etapa do circuito mundial (10 a 21 de março) com a licra amarela vestida. A que identifica o líder do circuito na água. Mas não foi, porque o mar escondeu as ondas e adiou para a madrugada desta sexta-feira (esperemos) o arranque da prova.

Adriano é um tipo simples. O próprio fez questão de o lembrar no domingo, quando subiu ao palco da cerimónia com que a World Surf League (WSL) arranca cada ano de competição: nunca apareceu na capa de uma grande revista de surf internacional; nunca foi considerado o favorito para vencer um evento do circuito; nunca foi sua a maior imagem estampada na loja de uma marca. E Mick Fanning provou como ele é um bom tipo, também. “Uma coisa que muitos não sabem é que quando o Adriano soube o que me aconteceu em Jeffrey’s Bay, já estava no aeroporto, com o check-in feito. Mas voltou para trás, conduziu o caminho todo de volta a Port Elizabeth para estar comigo. Para mim, isso é uma enorme prova do seu caráter. Adoro-te, irmão”, disse o australiano que, em julho, foi atacado por um tubarão durante a final da prova sul-africana.

winners1949awards16cestari

A havaiana Carissa Moore e o brasileiro Adriano de Souza, campeões do mundo, a posarem com o novo troféu da World Surf League. Foto: WSL / Ridgley-Hewitt

Tímido e de poucas palavras, baixo em altura, o brasileiro de 29 anos até costuma passar despercebido. Em 2016 não vai conseguir. O circuito vai andar atrás dele. Kelly Slater, Felipe Toledo, Julian Wilson, John John Florence, todos vão surfar para lhe roubar o título e suceder-lhe no trono. Dos monstros, apenas Mick Fanning não lhe vai seguir o rasto, pelo menos em todas as ondas. O três vezes campeão do mundo (2009, 2011 e 2013) vai ter um ano a meio-gás, depois de passar por um que não lhe foi muito simpático — além do ataque do tubarão, divorciou-se e um dos irmãos morreu horas antes de entrar na água em Pipeline, no Havai, onde perdeu o título para Adriano de Souza.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O australiano, de 34 anos, precisava de tempo para descansar e arejar a cabeça. Por isso anunciou, há semanas, que deverá apenas participar nas duas etapas australianas (em Snapper Rocks e Bells Beach) que abrem o circuito e, depois, na prova em Jeffrey’s Bay, para desafiar o trauma que tem na cabeça. É essa a parte do corpo que também não deixará Owen Right surfar na primeira metade do circuito: o quinto classificado em 2015 sofreu uma concussão no Havai, a fazer um bico de pato (passar por baixo de uma onda com a prancha) em Pipeline, e resolveu não arriscar. Menos dois nomes dos grandes no circuito masculino, mas no feminino haverá mais um.

Stephanie Gilmore passou grande parte do ano passado lesionada. A australiana e seis vezes campeã mundial (ganhou entre 2007 e 2010 e, depois, em 2010, 2012 e 2014) está de volta ao circuito e, se surfar como costuma, deverá ser a principal adversária de Carissa Moore. Serão os 23 anos da havaiana e atual campeã, contra os 28 da australiana que continua a remar para se tornar na mulher com mais títulos conquistados no circuito — por enquanto está empatada com Layne Beachley, conterrânea que também venceu o mundial seis vezes. As duas estão mais que habituadas a surfar nesta luta.

Quem não o fará, de certeza, é Silvana Lima. A brasileira de 31 anos, que já foi duas vezes vice-campeã mundial, não vai participar no circuito. Não tem patrocinadores e, como uma coisa vai dar à outra, não tem dinheiro para as viagens e inscrições nas provas que a competição exige. “Não sou modelo, não sou bonitinha. Sou surfista profissional. As marcas de surf pensam muito na parte feminina, em ser surfista e modelo ao mesmo tempo. Quem não o for acaba por não ter patrocínio, é descartável. Os homens não têm esse problema”, disse, durante uma reportagem em que a BBC deu maior visibilidade às queixas que há muito são sublinhadas por Silvana Lima.

A primeira ronda masculina do Quiksilver Pro Gold Coast:

Heat 1: Italo Ferreira (Brasil), Keanu Asing (Havai), Ryan Callinan (Austrália)
Heat 2: Julian Wilson (Austrália), Michel Bourez (Polinésia Francesa), Adam Melling (Austrália)
Heat 3: Filipe Toledo (Brasil), Jadson Andre (Brasil), Stuart Kennedy (Austrália)
Heat 4: Gabriel Medina (Brasil), Caio Ibelli (Brasil), Sebastian Zietz (Havai)
Heat 5: Mick Fanning (Austrália), Matt Banting (Austrália), A ser definido.
Heat 6: Adriano de Souza (Brasil), Kolohe Andino (EUA), A ser definido.
Heat 7: Jeremy Flores (França), Adrian Buchan (Austrália), Davey Cathels (Austrália)
Heat 8: Kelly Slater (EUA), Matt Wilkinson (Austrália), Conner Coffin (EUA)
Heat 9: Nat Young (EUA), Kai Otton (AUS), Alex Ribeiro (Brasil)
Heat 10: Josh Kerr (Austrália), Taj Burrow (Austrália), Kanoa Igarashi (EUA)
Heat 11: Jordy Smith (África do Sul), Wiggolly Dantas (Brasil), Miguel Pupo (Brasil)
Heat 12: Joel Parkinson (Austrália), John John Florence (Havai), Jack Freestone (Austrália)

Primeira ronda feminina do Roxy Pro Gold Coast:

Heat 1: Tyler Wright (Austrália), Johanne Defay (França), Alessa Quizon (Havai)
Heat 2: Bianca Buitendag (África do Sul), Nikki Van Dijk (Austrália), Coco Ho (Havai)
Heat 3: Carissa Moore (HAW), Chelsea Tuach (Barbados), Isabella Nichols (Austrália)
Heat 4: Courtney Conlogue (EUA), Sage Erickson (EUA), Bronte Macaulay (Austrália)
Heat 5: Sally Fitzgibbons (Austrália), Malia Manuel (Havai), Laura Enever (Austrália)
Heat 6: Stephanie Gilmore (Austrália, Tatiana Weston-Webb (Havai), Keely Andrew (Austrália)