O escritor norte-americano Adam Johnson, vencedor do Pulitzer em 2013 pelo livro “The Orphan Master’s Son” (“Vida Roubada” em português), continua “fascinado e obcecado” pela Coreia do Norte, que considera “um ponto extremo do que é ser humano”.

“Tornei-me fascinado e obcecado com a Coreia do Norte, porque é [a realidade] que leva mais longe o campo da possibilidade. Psicologicamente, em relação ao que é controlar a ambição humana, identidade, personalidade, aspiração, não há nada igual no mundo. Quando, na nossa imaginação, vamos a este ponto tão extremo do que é ser humano, é um lugar muito interessante desde onde olhar para nós próprios”, disse o escritor, em entrevista à Lusa em Macau, onde participa na 5.ª edição do Festival Literário Rota das Letras.

Depois de anos de investigação e uma viagem à Coreia do Norte, Johnson optou por um género pouco comum entre as narrativas sobre o país: um romance (“Vida roubada”, publicado em Portugal pela editora Saída de Emergência).

Ficcionar sobre um país onde se conhecem mais dos mitos do que da realidade, não foi difícil: “É muito fácil encontrar pormenores, apesar de não os conseguimos necessariamente confirmar. Mas sou um autor de ficção, rumor, mitos, lendas, são coisas que posso usar”, afirmou.

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Muitos detalhes vieram de histórias reais, como a de um soldado norte-americano que, embriagado, atravessou a DMZ (a zona desmilitarizada entre as duas coreias) e foi apanhado por norte-coreanos que lhe cortaram as tatuagens.

“Tenho histórias para quase todos os detalhes, dos barcos pesqueiros aos túneis. Entrevistei o ‘chef’ de Kim Jong-il seis vezes sobre como era o Querido Líder. Mas o difícil é a verdade psicológica, como é crescer num local onde não podemos determinar a nossa identidade, viver num local onde não temos opções?”, questiona.

Quando, em 2004, se começou a interessar pela Coreia Norte, “as histórias humanas eram difíceis de encontrar”

Depois de ler sobre a história, política e economia da Coreia do Norte, Johnson virou-se para os depoimentos de desertores que encontrou na Internet, através de organizações não-governamentais (ONG) chinesas ou do centro Hanawon, onde os norte-coreanos vivem quando chegam à Coreia do Sul.

“Li imensas histórias dessas, transportava-as comigo como uma pedra pesada, estava obcecado. Deixei de ser então um leitor e passei a ser um escritor”, conta.

Conseguiu finalmente viajar até à Coreia do Norte em 2007.

“Conheci uma pessoa que tinha boas relações com o Norte e ele levou-me pessoalmente, arriscando todos os seus contactos. Tinha duas ONG no Norte, geria um orfanato. Apresentou-me ao embaixador norte-coreano na ONU”, recorda.

Ainda que todas as visitas à Coreia do Norte sejam muito controladas — os locais não podem, por exemplo falar, com estrangeiros — Johnson teve margem para surpresas.

“As únicas pessoas que falam contigo são os teus guias. A minha guia principal era maravilhosa, muito inteligente, simpática. Admitiu que tinha tirado um curso para ser guia de americanos, tinha dedicado a vida a ‘gerir’ pessoas como eu. Tinha muito jeito, era desarmante, calorosa, engraçada. Mas claro, tudo isso fazia parte do seu trabalho”, recorda.

Apesar do inglês perfeito, a informação que a guia tinha sobre o mundo exterior vinha apenas de factos. “Quanto do que sabemos sobre Londres vem de viagens, música, cinema, comida, literatura? Eram tudo coisas a que ela não tinha acesso”, explica.

Um dia, Johnson testou-a: “Disse-lhe ‘Vou fazer outra viagem a seguir a esta. Achas que deva ir a Paris ou a Mogadíscio?’. Qualquer pessoa perguntaria ‘Sabes usar uma metralhadora ou gostas de queijo?’. Ela não fazia essas associações. Sabia que eram ambas capitais mundiais. Olhou para mim e respondeu apenas ‘Depende dos seus planos de viagem'”.

Os norte-coreanos “são muito bons a promover uma ideia deles próprios” mas “estão tão isolados que não sabem o que lhes fica mal”.

Durante a sua viagem, por exemplo, era época das colheitas e “estavam a mover camiões cheios de pessoas que eram recolhidas nas ruas de Pyongyang para serem levadas para o campo”.

“Um autocarro passava e diziam ‘Toda a gente fora, para os camiões, apanhar arroz é a nossa prioridade número um’. Para ela isso era totalmente natural. Acho que assumiu que isso acontecia em todo o lado”, recorda.