O Orçamento do Estado (OE) para 2016 entra esta segunda-feira na fase decisiva de votações, numa altura em que há várias pedras que podem encravar a “geringonça”. Embora o Governo desdramatize, as votações ainda não estão completamente acertadas e pode haver vários artigos da proposta de lei original que não passarão – porque os votos a favor do PCP e do BE são essenciais, uma vez que o PSD votará sempre contra.

No primeiro dia de votações na especialidade do Orçamento do Estado para este ano, o Governo PS viu chumbadas cinco normas da proposta de lei, por votação desafinada da esquerda. Os socialistas tiveram quase sempre o BE do seu lado, mas sempre que a outra peça do acordo de esquerda – o PCP – esteve contra, a iniciativa caiu. O desacerto de passo não teve impacto de maior até agora, mas já foram vetadas partes da proposta de lei do Governo, o que é pouco habitual, e ainda falta a votação das sempre delicadas propostas fiscais, o que acontecerá esta segunda-feira.

Há também outros grãos de areia no mecanismo da “geringonça” (como Paulo Portas batizou o entendimento à esquerda). Na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, não estão representadas todas as bancadas parlamentares, faltando o Partido Ecologista os Verdes, ou seja, dois deputados que, num quadro de contas apertadas, fazem diferença. Lembra-se das contas pós-legislativas? A direita tem 107 deputados e para o ultrapassar, o PS precisa sempre de, pelo menos, dois partidos da esquerda. PS e Bloco de Esquerda, juntos, representam apenas 105 deputados. Para a esquerda estar em maioria, são fundamentais os 15 parlamentares do PCP. É verdade que bastariam os dois deputados dos Verdes, o outro parceiro do PS à esquerda, mas o partido de Heloísa Apolónia não está na comissão parlamentar que tem em mãos a negociação ao detalhe do Orçamento. Consequência? Partes da proposta de lei chumbadas.

A regra, nas comissões parlamentares onde o PEV e (agora) o PAN não se sentam (porque não têm deputados para irem a todas as comissões), é que o total de votos, em vez de ser 230, seja de 227 – não se contando os mandatos dos partidos que ali não estão representados.

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A presidente da comissão de Orçamento, Teresa Leal Coelho, do PSD, aponta para o regimento parlamentar e explica ao Observador que a única solução para que o PS consiga salvar propostas chumbadas é pedir que elas sejam votadas no plenário, onde estão os 230 deputados. Pode fazê-lo, mas com limites: só pode avocar para plenário (é assim que se diz no léxico parlamentar) 15 normas.

Na frente socialista que negociou este Orçamento passo-a-passo, garante-se que está tudo acautelado e que o que o PCP chumbou ou irá chumbar não passa de matéria “residual e irrelevante”. Por agora, os socialistas ainda não pediram para repetir em plenário a votação de qualquer proposta chumbada na comissão. A prioridade absoluta do Governo PS é acautelar os artigos com expressão orçamental, ou seja, aqueles que impliquem alterações ao quadro de receitas e despesas do Estado.

Na segunda-feira houve um momento de falha na engrenagem que saltou à vista, durante a votação de uma norma da proposta de lei relativa à transferência de património edificado, que já tinha sido acertada entre os partidos antes da sua apresentação, o Bloco de Esquerda votou contra, ao lado do PSD e do CDS-PP, e o PCP absteve-se. Como só o PS votou a favor da proposta do Governo, o artigo 6º era rejeitado. Pouco depois, o Bloco de Esquerda corrigiu a sua votação para um voto favorável, esperando que a proposta fosse aprovada, mas os seus votos não chegavam, já que o PEV e o PAN não podem votar na comissão. A norma esteve quase a ser chumbada e só não o foi porque duas horas depois o PCP viria a alterar a sua posição, também para um voto favorável.

Esta norma passou, mas houve pelo menos mais seis partes de artigos que foram chumbadas, na sua grande maioria devido à posição do PCP, mas duas delas também com a abstenção do Bloco de Esquerda, caindo assim algumas partes da proposta de lei do Governo, mesmo com o PS a favor e tendo um acordo que lhe dá maioria no parlamento.

O que já foi rejeitado da proposta do Governo:

  • número 5, do artigo 20.º: norma relativa ao pagamento adicional realizado em dezembro nas pensões de sobrevivência, velhice e invalidez.
  • número 5, do artigo 40.º: norma relativa aos montantes de participação das autarquias locais nos impostos do Estado.
  • número 2, do artigo 49.º: norma relativa a auxílios financeiros e cooperação técnica e financeira.
  • números 2, 3 e 5, do artigo 63.º: norma relativa à alienação de créditos da Segurança Social (como dívidas de contribuições, quotizações e juros).
  • número 2 do artigo 77.º: norma relativa aos limites máximos das garantias pessoais do Estado.

PCP quer nova votação de um artigo da proposta de lei

Depois das votações na especialidade, os partidos podem pedir uma nova votação de algumas das normas da proposta de lei ou de propostas de alteração que já foram votadas mas desta vez em plenário. Este expediente é utilizado normalmente para requerer votações em propostas que são chumbadas, mesmo sabendo que devem ter o mesmo destino, por forma a fazer pressão com mais visibilidade e com possibilidade de defender politicamente a proposta, algo que durante a votação na especialidade não é permitido.

Desta vez, pelo menos nos casos do Bloco de Esquerda e do PCP, as propostas que são avocadas para plenário são propostas votadas e aprovadas na especialidade, com exceção de uma avocação do PCP ao artigo 29.º, um artigo da proposta de lei do Governo sobre a gestão de trabalhadores nas autarquias locais e demais entidades da administração local. Este artigo impõe limitações à contratação de trabalhadores nas autarquias e sanções para quem não respeitar as regras, que podem ir até à retenção de 20% das transferências do Orçamento para as autarquias e freguesias.

Cada um destes partidos pediu ainda uma nova votação para duas propostas já aprovadas em plenário. No caso do Bloco de Esquerda, é pedida uma nova votação para a proposta que prevê um aumento de 37 euros no Complemento Solidário para Idosos, colocando estes idosos acima do limiar da pobreza, e da proposta tendo em vista a criação de um projeto-piloto de assistência pessoal para pessoas com deficiência dependentes da assistência de uma terceira pessoa, baseados em sistema de assistência pessoal personalizada orientada pelo utilizador

O PCP pediu para voltar a votar duas propostas, também elas com aprovação na especialidade, como a revisão da forma como são calculadas as contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores independentes (os chamados recibos verdes), que passariam a ser feitas sobre o rendimento realmente auferido e não sobre os rendimentos do ano anterior (a fórmula atual), e ainda a medida extraordinária de apoio aos desempregados de longa duração, que prevê um apoio especial equivalente a 80% do subsídio social de desemprego para quem já não tiver direito a esta prestação.

Ajudas à Grécia e Turquia ainda vão ser votadas

Segunda-feira pode vir a ser o dia mais delicado nas votações. Em primeiro lugar, foi pedido o adiamento da votação dos artigos que estabelecem as ajudas à Grécia e à Turquia para esta segunda-feira. No caso da Grécia, o que está em causa não é o resgate à Grécia, mas sim o acordo firmado em novembro de 2012 entre os ministros das Finanças do euro para que os países abdicassem de todos os lucros do BCE com a compra de dívida grega e os transferissem para uma conta no fundo de resgate europeu, para depois este ser transferido para a Grécia, caso o país continuasse a ter avaliações positivas no seu programa de resgate.

Como o BCE não pode transferir dinheiro para os países – o que seria uma violação da cláusula de não financiamento monetário incluída nos seus estatutos -, os países, que recebem em dividendos os lucros do BCE todos os anos, calculam o equivalente a esta parcela e transferem diretamente dos orçamentos de cada país. O PCP sempre votou contra este apoio. O BE, no passado, já se absteve e já votou contra.

No caso da Turquia, o artigo 81.º prevê uma transferência até 24,4 milhões de euros para o Mecanismo de Apoio à Turquia em favor dos refugiados, um acordo europeu que prevê uma participação de cada país, a que se junta uma contribuição que sai via orçamento comunitário. No último debate quinzenal, Catarina Martins (BE) questionou António Costa sobre esta transferência, por discordar do regime de Erdogan.

O primeiro-ministro tinha desafiado este fim de semana o PSD de Pedro Passos Coelho a votar estes dois artigos, com os quais já se tinha comprometido quando era Governo, mas o ex-primeiro-ministro repetiu o que já avisara: o PSD votaria contra todos os artigos da proposta de lei do OE. Passos considera que Costa não se pode queixar porque o PSD já tinha explicitado a sua posição – tomada precisamente para forçar o Governo PS a procurar todos os entendimentos com os parceiros de esquerda que elegeu, PCP e BE. “Não percebo a pergunta”, disse, com ironia, aos jornalistas que o questionaram sobre o desafio de Costa.

Segundo a TSF, o Governo decidiu ultrapassar o problema, apresentando o PS uma proposta de alteração ao seu próprio orçamento – o PSD sempre disse que votava contra o OE do PS, mas abstinha-se em todas as propostas de alteração. Assim sendo, involuntariamente o PSD pode viabilizar a proposta de alteração do PS. Os socialistas tiram os nomes dos países dos artigos, deixando uma formulação genérica e sujeitando as transferências a audição prévia dos ministros das Finanças e Negócios Estrangeiros na Assembleia, onde PSD dificilmente poderá manifestar-se contra o princípio do apoio.

Impostos vão a votos

Segunda-feira é ainda dia de começarem as votações do tema mais sensível em quase todos os orçamentos: os impostos. Previsto para segunda-feira está a votação de 50 artigos da proposta de lei, mais as várias, e algumas muito sensíveis, propostas de alteração dos vários partidos.

Entre estes estão os impostos mais sensíveis, como é o caso do IRS, IRC e IVA, e ainda a maior parte das alterações aos impostos especiais sobre o consumo, como é o caso do imposto sobre o tabaco, as bebidas alcoólicas e sobre o automóvel. Para além das exigências normais relativas ao IRS e ao IVA, o PCP tem-se manifestado contra muitas isenções e benefícios que estão nos códigos tributários, em especial os que beneficiam as empresas, e a propor uma carga fiscal mais pesada sobre as mesmas.