(Artigo atualizado às 15h40 com a votação oficializada em plenário)

A “habilidade política” do PS era clara: apresentar uma proposta de alteração cirúrgica às normas do Orçamento do Estado relativas aos compromissos internacionais de transferência de verbas para a Grécia e para a Turquia para que o PSD fosse obrigado a viabilizar. E resultou. Normas do Orçamento sobre as ajudas do Estado à Grécia, no contexto do programa de ajuda externa, e à Turquia, no contexto da crise dos refugiados, foram aprovadas esta segunda-feira com os votos a favor do PS e a abstenção do PSD. PCP, BE e PEV votaram contra, CDS votou a favor das verbas para a Turquia e absteve-se nas ajudas a Atenas.

Mas a aprovação esteve por um fio. Não contanto com os votos do PCP e do Bloco de Esquerda, que se manifestaram contra desde o primeiro minuto, os socialistas tiveram de se virar para a direita para fazer aprovar aqueles dois artigos. É que os sociais-democratas têm uma regra de ouro em toda a discussão do Orçamento: votar contra todas as normas originais do Orçamento e abster-se em todas as propostas de alteração, pelo que se preparavam para chumbar estas normas sobre compromissos internacionais assinados no âmbito do anterior Governo.

“O PSD vai manter a clareza política da posição que sempre teve”, tinha antecipado esta segunda-feira de manhã o deputado social-democrata António Leitão Amara, dando a entender, depois de muita insistência dos jornalistas, que o PSD iria manter a máxima de se abster em todas as propostas de alteração, deixando dessa forma passar os artigos. “Temos a mesma posição global em toda a discussão do Orçamento: rejeição total de todas as normas, porque a aprovação do orçamento é da inteira responsabilidade deste Governo e dos seus parceiros”, acrescentava Leitão Amaro.

Em causa estão duas normas do Orçamento do Estado para 2016 relativas ao contributo português para a ajuda financeira à Grécia e à Turquia. A primeira realiza-se no quadro do programa de ajuda financeira a Atenas, prevendo a transferência de até 106,9 milhões de euros relativo aos lucros do Banco Central Europeu com a compra de dívida grega (tanto em juros, como em capital), e a segunda diz respeito ao apoio a Ancara para lidar com a crise de refugiados, estando em causa cerca de 24,4 milhões de euros da parte portuguesa no financiamento ao mecanismo de apoio a refugiados.

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As duas normas, cuja votação devia ter decorrido na quinta-feira mas foi adiada para esta segunda, estavam em vias de ser chumbadas no Parlamento porque tanto PCP como Bloco de Esquerda se mostraram contra, e porque o PSD rege-se pela regra de votar contra todas as normas iniciais do documento, abstendo-se de todas as propostas de alteração.

Esta abstenção prometida do PSD foi então vista como uma janela de oportunidade, levando o PS a entregar, esta segunda-feira, uma proposta de alteração aos dois artigos, onde eliminava a referência expressa aos nomes dos países, tornando a formulação mais genérica. Naquilo que foi visto por Luís Marques Mendes como “uma habilidade política e jurídica”, o Governo redigiu as normas de forma mais genérica e acrescentou a ideia de que as transferências de verbas terão de ser sujeitas a uma audição prévia dos ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros no Parlamento. O objetivo era ir ao encontro da abstenção do PSD, e conseguiu.

PCP e BE mantém “coerência”: são contra

Certo é que os socialistas já sabiam que não podiam contar com o PCP e o BE, que mantém a “coerência” nas suas posições sobre estes compromissos internacionais, admitiu aos jornalistas o deputado João Galamba, por isso a pressão do PS centrou-se inteiramente no PSD, que foi quem, juntamente com o CDS, assinou esses mesmos compromissos no quadro europeu e internacional na passada legislatura.

“Trata-se da tradução orçamental de um compromisso assumido por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas no no anterior Governo”, disse João Galamba, acusando os sociais-democratas de não votarem a favor destas normas por “oportunismo e chicana política”. “Não é o PS, nem o PCP e o BE, que têm de justificar o seu sentido de voto, é o PSD”, acrescentou, lembrando que as ajudas à Grécia e Turquia foram decididas pelo anterior Governo.

Tanto os comunistas como os bloquistas anunciaram logo esta manhã que iriam manter o voto contra as medidas sobre a transferência de verbas para estes países, mesmo depois de os socialistas terem aligeirado a formulação da frase. “A apreciação que fazemos da norma é exatamente a mesma”, disse o líder parlamentar comunista, João Oliveira, aos jornalistas no Parlamento reagindo à alteração cirúrgica hoje feita pelos socialistas.

O problema do PCP é sobretudo com a questão da Turquia, que João Oliveira diz estar a servir de “país tampão para os refugiados que chegam à Europa”. “Não estamos de acordo com o facto de se recorrer a outros países para servirem de tampão à entrada de refugiados”, disse.

No caso da Grécia, o PCP também sempre se mostrou contra por partir sempre do princípio que o programa de ajuda à Grécia se trata de um “pacto de agressão”. Essa verba para Atenas tem vindo a ser assegurada no Orçamento do Estado desde que, em novembro de 2012, os países do euro chegaram a acordo para abdicar destes lucros. Antes de Portugal pedir um resgate, em abril de 2011, o Orçamento previa uma norma, mas para transferir dinheiro dos empréstimos bilaterais da zona euro para o primeiro resgate à Grécia. Nessa altura, todos os partidos votaram a favor, incluindo o BE, à exceção do PCP e do partido ecologista Os Verdes, que votaram contra.

No ano passado contudo, quando Portugal transferiu 98,6 milhões de euros para aquele país, PCP e BE votaram contra esse artigo do OE.