Uma equipa de râguebi tem 15 jogadores em campo e, explicando isto de forma simples, sempre que a bola fica quieta na relva, há dois jogadores que ficam bem perto dela. São os dois médios: o de formação e o de abertura. Pelo contrário, quem joga na posição de ponta fica quase sempre longe, encostado à linha lateral, a fazer figas para que uma jogada dure e dure e a bola lhe chegue às mãos. Em miúdo, era lá que Wayde van Niekerk estava. Era rápido como uma seta que saía de um arco e flecha e era ali que teria mais espaço para a velocidade o levar até à linha de ensaio. Era certinho. O problema era a bola chegar-lhe. “Quando era novo, a bola nunca ia até à ponta, por isso o treinador mudou o Wayde para abertura. Era preciso apenas um passe para ser ensaio”, contou o pai.

Era pedir a bola, agarrá-la e correr. Ninguém o parava e a falta de pernas que os outros tinham para Van Niekerk fê-lo perceber que talvez o râguebi não fosse o desporto que mais aproveitaria a rapidez com que o sul-africano corria. A genética tornou-o como um metal atraído pelo íman das pistas — o pai e a mãe eram atletas de velocidade — e, no ensino básico, Wayne decidiu seguir pela direção que o ADN lhe apontava. Começou a sprintar a sério, a fazer vida da velocidade, da explosão nos músculos. A programação que tem no corpo tinha razão, porque no sábado logrou ser rápido em três distâncias. Bem rápido.

(Mensagem que Michael Johnson, norte-americano que detém o recorde mundial dos 400m, publicou no Twitter.)

Nunca alguém conseguira ter um tempo abaixo dos 10 segundos nos 100 metros, dos 20 nos 200 e dos 44 segundos nos 400 metros. Wayde van Niekerk não tem o recorde mundial ou olímpico em qualquer das distâncias, mas corre que se farta em todas e isso é algo que nem Usain Bolt conseguiu fazer. O jamaicano, que teve tempos em que parecia bater os recordes de 100 metros cada vez que pisava uma pista, já admitiu várias vezes que odeia dar uma volta à pista olímpica (400 metros). Talvez por isso nunca tenha corrido a distância em menos de 44 segundos.

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Wayde já a corria há muito, a partir do momento em que Anna Sophia Botha, a treinadora, o obrigou a treinar-se nessa distância para puxar pela resistência dos músculos. O sul-africano lesionava-se muito e a aposta resultou. Van Niekerk passou a correr os 400, com jeito, tanto que, em agosto de 2015, conquistou a medalha de ouro nos Mundiais de Atletismo em Pequim. No mês anterior, Wayde já se tornara no primeiro atleta do país a baixar dos 20 segundos nos 200 metros em Lucerna, na Suíça. Ficavam a faltar os 100.

https://www.youtube.com/watch?v=hq7pqlv3nso

O sul-africano já não sprintava a distância que costuma ser a rainha dos velocistas desde que era júnior. “Andava a chatear a minha treinadora para me colocar numa corrida dos 100 metros este ano e, com sorte, ela deu-me essa oportunidade. Quando a tive, dei tudo o que tinha”, resumiu Wayde à ANN7, uma estação de televisão do país. Disse-o sentado no sofá de casa, em Bloemfontein, horas depois de correr a distância em 9.98 segundos — o recorde mundial de Usain Bolt está nos 9.58s. O menino que, quando ambos tinham 12 anos, lhe disse que “um dia vamos-te ver nos jornais e na televisão” quando Wayde se mudou da Cidade do Cabo para a cidade atual, tinha razão.

Tão raro é ver um atleta a ser tão rápido nas três distâncias de velocidade que o próprio Van Niekerk apenas se vai dedicar a uma nos Jogos Olímpicos. Pelo menos é essa a ideia. O tempo que conseguiu nos 100 metros em Bloemfontein qualificou-o para correr nessa prova no Rio de Janeiro, mas o sul-africano afirmou que se vai focar nos 400 metros. “Estou a tentar chegar o mais em forma e saudável possível. Quando estivermos mais perto dos Jogos, talvez pensemos nos 400 metros estafetas também”, explicou.

BEIJING, CHINA - AUGUST 26: Wayde Van Niekerk of South Africa (R) crosses the finish line to win gold ahead of Lashawn Merritt of the United States (L) in the Men's 400 metres final during day five of the 15th IAAF World Athletics Championships Beijing 2015 at Beijing National Stadium on August 26, 2015 in Beijing, China. (Photo by Cameron Spencer/Getty Images)

Foto: Cameron Spencer/Getty Images

Ou seja, a façanha nos 100 metros terá servido apenas para Wayde se testar. “Tenho a certeza que não vai entrar em outra prova esta época, mas adorava correr contra ele, porque sempre que o Wayde e eu corremos, veem-se chamas”, lamentou Akani Simbine, amigo e detentor do recorde sul-africano dos 100 metros. Pode ser que, entretanto, Wayde mude de ideias.

Ele e as empresas da África do Sul: a Telkom, maior empresa de telecomunicações do país, patrocina Usain Bolt, enquanto Van Niekerk não é apoiado por qualquer marca do país (tem a Adidas como principal patrocinador). “Escolheram o Bolt porque querem ser os mais rápidos do mundo. Nós, os sul-africanos, temos de respeitar isso, mas é bastante triste saber que temos atletas muito bons que não estão a ter as melhores oportunidades e ofertas que podem ter”, argumentou o atleta.