Houve um tempo em que a FIFA era o mau da fita. Em que Joseph Blatter era o presidente e uma polémica sucedia à outra. As suspeitas não paravam de aparecer: subornos em troca de votos, pagamentos ilícitos, corrupção, tráfico de influências e votos para Campeonatos do Mundo a serem comprados a troco de dinheiro enfiado nos bolsos das pessoas certas. A FIFA perdia em credibilidade o que ganhava na imagem de ser uma organização corrupta, mas nunca o admitira. Até agora — ou mais ou menos. Nunca como nos últimos dois anos se dissera tanto que a FIFA era corrupta e complacente com isso, mas a organização pensa de maneira diferente: diz que foi vítima de corrupção.
E por isso enviou um documento com 22 páginas à justiça norte-americana. A mesma que, em maio do ano passado, deu ordem para que inspetores do FBI, com a ajuda da polícia suíça, batessem à porta de dezenas de dirigentes da FIFA num hotel de Zurique, onde os detiveram por suspeitas de corrupção. É a esses detidos, noticiou a Associated Press, que a FIFA reclama o pagamento de dezenas de milhões de dólares dos mais de 190 milhões que foram desviados e que as autoridades já apreenderam na investigação. “Os detidos abusaram das posições de confiança que tinham para causarem um dano sério e duradouro à FIFA”, escreveu a entidade, num comunicado assinado pelo novo presidente.
Gianni Infantino foi eleito há menos um mês e esta é a primeira atuação relevante que tem como líder da FIFA. “Os dinheiros que puseram ao bolso [sim, a expressão é mesmo esta] pertenciam ao futebol global e eram destinados ao desenvolvimento e à promoção do jogo. A FIFA, como órgão que rege o futebol, quer o dinheiro de volta e está determinada a tê-lo, demore o tempo que demorar”, lê-se, ainda, na nota que a entidade divulgou esta quarta-feira. A entidade considera-me mesmo como “uma instituição vitimizada”.
E diz que foi vítima, por exemplo, dos subornos que se pagaram antes dos Campeonatos do Mundo de 1998 e 2010, que acabaram em França e na África do Sul — é a primeira vez que a FIFA admite que houve corrupção em processos de atribuição de Mundiais. Em ambos os casos a entidade aponta o dedo a Jack Warner, ex-presidente da Concacaf (associação de futebol que centraliza as federações da América do Norte, América Central e Caraíbas), que terá aceitado um suborno de um milhão de dólares da candidatura de Marrocos (1998) e uns 10 milhões da candidatura sul-africana (2010).
No documento que chegou às mãos da Associated Press, a FIFA reclama 4,4 milhões de dólares de Jack Warner. Também exige 5,3 milhões de dólares a Chuck Blazer, o abastado norte-americano que se considerou culpado e tem servido de bufo para a investigação das autoridades norte-americanas. Alega também ter direito a receber 3,5 milhões de Ricardo Teixeira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol e outrora casado com a filha de João Havelange, que foi presidente da FIFA durante 24 anos (entre 1974 e 1998).
FIFA's admission from its submission to the US Attorney’s Office about bribery in 1998 & 2010 World Cup votes pic.twitter.com/PJqwwyk4sa
— Rob Harris (@RobHarris) March 16, 2016
Todos estes dólares, defende Gianni Infantino, “eram destinados à construção de campos de futebol e não de mansões ou piscinas”. E mais: “À compra de equipamentos de futebol, não de joalharia ou carros; e para financiais o desenvolvimento do futebol jovem e de treinadores, não para suportar estilos de vida esbanjadores de executivos do futebol e marketing desportivo”. A moral deste novo tempo é que a FIFA quer que ver e reaver o dinheiro que foi movido pelos dirigentes corruptos, que pertenciam sobretudo à Concacaf e da Conmebol (América do Sul).
Isto traz um problema, porque ambas as confederações pensam mais ou menos da mesma foram que a FIFA e, como tal, também se acham no direito de serem ressarcidas com uns quantos milhões de dólares. Serão pelo menos 20 os antigos dirigentes a quem a entidade reclama dinheiro. Agora o tempo é outro, o da FIFA se considerar uma vítima da corrupção e subornos que, durante anos, inundaram a entidade.