Houve um tempo em que a FIFA era o mau da fita. Em que Joseph Blatter era o presidente e uma polémica sucedia à outra. As suspeitas não paravam de aparecer: subornos em troca de votos, pagamentos ilícitos, corrupção, tráfico de influências e votos para Campeonatos do Mundo a serem comprados a troco de dinheiro enfiado nos bolsos das pessoas certas. A FIFA perdia em credibilidade o que ganhava na imagem de ser uma organização corrupta, mas nunca o admitira. Até agora — ou mais ou menos. Nunca como nos últimos dois anos se dissera tanto que a FIFA era corrupta e complacente com isso, mas a organização pensa de maneira diferente: diz que foi vítima de corrupção.

E por isso enviou um documento com 22 páginas à justiça norte-americana. A mesma que, em maio do ano passado, deu ordem para que inspetores do FBI, com a ajuda da polícia suíça, batessem à porta de dezenas de dirigentes da FIFA num hotel de Zurique, onde os detiveram por suspeitas de corrupção. É a esses detidos, noticiou a Associated Press, que a FIFA reclama o pagamento de dezenas de milhões de dólares dos mais de 190 milhões que foram desviados e que as autoridades já apreenderam na investigação. “Os detidos abusaram das posições de confiança que tinham para causarem um dano sério e duradouro à FIFA”, escreveu a entidade, num comunicado assinado pelo novo presidente.

Gianni Infantino foi eleito há menos um mês e esta é a primeira atuação relevante que tem como líder da FIFA. “Os dinheiros que puseram ao bolso [sim, a expressão é mesmo esta] pertenciam ao futebol global e eram destinados ao desenvolvimento e à promoção do jogo. A FIFA, como órgão que rege o futebol, quer o dinheiro de volta e está determinada a tê-lo, demore o tempo que demorar”, lê-se, ainda, na nota que a entidade divulgou esta quarta-feira. A entidade considera-me mesmo como “uma instituição vitimizada”.

Former FIFA vice-president Jack Warner talks with journalists outside the Hall of Justice in Port-of-Spain, Trinidad, on December 4, 2015, following the hearing of his legal challenge to avert being extradited to the United States where he has been indicted on bribery, racketeering and money laundering charges. AFP photo/ALVA VIARRUEL / AFP / ALVA VIARRUEL (Photo credit should read ALVA VIARRUEL/AFP/Getty Images)

A FIFA diz que foi Jack Warner, e não ela, o culpado dos subornos que admite terem existido antes dos Mundiais de 1998 e 2010. Foto: ALVA VIARRUEL/AFP/Getty Images

E diz que foi vítima, por exemplo, dos subornos que se pagaram antes dos Campeonatos do Mundo de 1998 e 2010, que acabaram em França e na África do Sul — é a primeira vez que a FIFA admite que houve corrupção em processos de atribuição de Mundiais. Em ambos os casos a entidade aponta o dedo a Jack Warner, ex-presidente da Concacaf (associação de futebol que centraliza as federações da América do Norte, América Central e Caraíbas), que terá aceitado um suborno de um milhão de dólares da candidatura de Marrocos (1998) e uns 10 milhões da candidatura sul-africana (2010).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No documento que chegou às mãos da Associated Press, a FIFA reclama 4,4 milhões de dólares de Jack Warner. Também exige 5,3 milhões de dólares a Chuck Blazer, o abastado norte-americano que se considerou culpado e tem servido de bufo para a investigação das autoridades norte-americanas. Alega também ter direito a receber 3,5 milhões de Ricardo Teixeira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol e outrora casado com a filha de João Havelange, que foi presidente da FIFA durante 24 anos (entre 1974 e 1998).

Todos estes dólares, defende Gianni Infantino, “eram destinados à construção de campos de futebol e não de mansões ou piscinas”. E mais: “À compra de equipamentos de futebol, não de joalharia ou carros; e para financiais o desenvolvimento do futebol jovem e de treinadores, não para suportar estilos de vida esbanjadores de executivos do futebol e marketing desportivo”. A moral deste novo tempo é que a FIFA quer que ver e reaver o dinheiro que foi movido pelos dirigentes corruptos, que pertenciam sobretudo à Concacaf e da Conmebol (América do Sul).

Isto traz um problema, porque ambas as confederações pensam mais ou menos da mesma foram que a FIFA e, como tal, também se acham no direito de serem ressarcidas com uns quantos milhões de dólares. Serão pelo menos 20 os antigos dirigentes a quem a entidade reclama dinheiro. Agora o tempo é outro, o da FIFA se considerar uma vítima da corrupção e subornos que, durante anos, inundaram a entidade.