Donald Trump tem uma tendência para ser repetitivo. Basta assistir a um discurso, ou prestar atenção às coisas que diz nos debates, para reparar na frequência com que refere o seu slogan de campanha — “Vamos tornar a América grande de novo”, tal como Ronald Reagan disse na campanha de 1980. Mas há uma outra ideia que Trump repete com visível prazer: a de que a sua campanha levou à maior taxa de participação numas eleições primárias no Partido Republicano de sempre.

“Isto é uma coisa tão boa para o Partido Republicano”, disse numa entrevista ao apresentador da Fox News Sean Hannity. “Estão a aparecer aos milhões. Temos milhões! Do nada, cinco milhões de pessoas saíram de casa para votar. E isso nunca aconteceu antes.”

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Se a taxa de participação nas primárias dos republicanos se mantiver nos 17,8% até ao fim, será a mais alta. Até agora, o record era 11,6%, fixado em 1980. Dessa vez, ganhou Ronald Reagan.

Ao Observador, Michael McDonald, diretor do site ElectProject, professor na Universidade da Florida e especialista em participação eleitoral, confirma a ideia de Trump: “De uma forma geral, sim, é um recorde”. O Pew Research Center refere que, até agora, a participação eleitoral nas primárias republicanas tem sido de 17,3% entre os eleitores filiados naquele partido — “o mais alto de qualquer ano desde pelo menos 1980” — isto é, o primeiro ano em começou a ser registada a taxa de participação eleitoral dentro do atual sistema de eleições primárias dos republicanos. O valor não é mais alto — é 77% mais alto quando comparado com as primárias de 2012, vencidas por Mitt Romney.

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Embora não seja a única razão para esta subida atípica na participação eleitoral entre republicanos, Trump é, sem dúvida, um elemento crucial para entender este sucesso. Isto porque o candidato nova-iorquino não trouxe só controvérsia, espetáculo e piadas de gosto duvidoso para o palco. Acima de tudo, ajudou a polarizar o discurso, tornando estas eleições num confronto claro, e até agora renhido, de Trump contra os… anti-Trump.

“As pessoas votam em eleições que consideram ser interessantes”, começa McDonald por dizer, para explicar esta reflexão prática do fenómeno Trump. “E há dois fatores para isso: o nível de competição, que consiste nos eleitores sentirem que o seu voto pode fazer a diferença; e a perceção de que existem diferenças consideráveis entre os candidatos.”

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À exceção do debate mais recente, a 10 de março, a discussão do lado dos republicanos tem sido marcada por trocas de insultos entre os candidatos

Esta terça-feira, os republicanos terão quatro candidatos para escolher: Donald Trump, Ted Cruz, Marco Rubio e John Kasich. Se é verdade que Trump vai destacado na contagem de delegados (460), também é certo que, quando somados, o número de delegados dos restantes candidatos ultrapassam a soma do milionário nova-iorquino (369 de Cruz, 163 de Rubio e 63 de Kasich, perfazendo um total de 595). Confirmada que está a competitividade destas primárias (um dos fatores referidos por McDonald), a perceção de diferenças significativas entre candidatos é visível numa sondagem da Rasmussen Reports. Nesse estudo, publicado a 3 de março, pouco mais de metade (60%) dos eleitores republicanos garantiram que votariam em Trump caso ele venha a ser o candidato republicano nas eleições presidenciais de 8 de novembro. 18% disseram que votariam contra Trump e outros 18% disseram que dependeria de quem fosse o adversário democrata.

“Trump tem apoiantes muito fiéis. Eles acreditam muito nele. Mas do outro lado também há muitas pessoas que acham que ele não é um bom candidato. Existe o movimento Never Trump [Trump Nunca] que é visto como sendo a alma do establishment do Partido Republicano. A parada está muito alta no lado dos republicanos.”

Democratas com menos 40% de participação, depois de Obama em 2008

O mesmo não pode ser dito do lado dos democratas, onde a taxa de participação eleitoral até agora é de 11,7% — uma queda significativa dos 19,5% de 2008, quando Hillary Clinton foi derrotada pelo senador de Chicago e futuro Presidente Barack Obama. Os números indicam que é uma quebra de 40%. Mas, por outro lado, também são as segundas primárias com mais participação entre democratas desde 1992. “A fasquia ficou demasiado alta para os democratas em 2008”, explica McDonald, desvalorizando a descida de participação eleitoral naquele partido.

Seja como for, há mesmo uma descida. Ao Observador, o académico refere que “os eleitores não veem diferenças assim tão grandes entre as políticas de Sanders e de Clinton, pelo menos não tão grandes quanto aquelas que existem no Partido Republicano”.

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“A fasquia ficou demasiado alta para os democratas em 2008”, diz McDonald. Nesse ano, os democratas tiveram uma participação eleitoral de 19,5% nas primárias.

Mais do que isso, há um segundo fator que pode ser decisivo nesta quebra de eleitorado democrata nas primárias em relação às eleições de 2008: a vitória de Hillary Clinton é quase certa, sendo agora apenas uma questão de tempo até ser confirmada. Neste momento, a ex-secretária de Estado tem 1231 delegados do seu lado (entre estes, 465 delegados que não são eleitos e que fazem parte da nata do partido, conhecidos como superdelegados) contra 576 de Bernie Sanders.

Mais participação eleitoral, logo, melhores perspetivas em novembro?

À falta de uma bola de cristal, uma das maneiras mais sensatas para prever o futuro poderá ser olhando para o passado. Nas seis ocasiões em que ambos os partidos tiveram, ao mesmo tempo, primárias competitivas (ao contrário, por exemplo, dos democratas em 2012, em que as primárias foram apenas uma formalidade para confirmar Obama como candidato nesse ano) o partido que teve maior participação eleitoral dentro do seu partido acabou por vencer no voto popular três vezes. Isto é, 50% das vezes, quem teve mais participação nas primárias, acabou por vencer em número de votoso que, nos EUA, nem sempre é sinónimo de vencer eleições, como se viu em 1824, 1876, 1888 e, mais recentemente, em 2000, quando George W. Bush acabou por vencer graças aos votos do Colégio Eleitoral.

Questionado sobre se o atual recorde de eleitores nas primárias pode vir a beneficiar o Partido Republicano em novembro, McDonald responde com cautela: “Mal não lhes faz. Há certamente alguns aspetos positivos que o Partido Republicano pode tirar disto. É um indicador de que há um alto nível de entusiasmo em redor da campanha. Mas não é necessariamente um indicador de que os republicanos vão ganhar. Mas, como disse, mal não lhes faz”.

Por outro lado, existe outro indicador que, segundo McDonald refere, e que parece ser consensual entre vários especialistas de estudos eleitorais, pode afetar o Partido Republicano nas eleições de novembro. Trata-se de um tema recorrente destas eleições e que pode muito bem vir a marcá-las ainda mais daqui para a frente: a demografia.

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Além de Donald Trump, o segundo candidato mais bem colocado do lado dos republicanos, Ted Cruz, também quer construir um muro na fronteira com o México e já apoiou a deportação dos 11 milhões de imigrantes ilegais dos EUA

O “gigante adormecido” prestes a acordar

“O país está cada vez mais diversificado e isto é uma tendência praticamente impossível de reverter neste momento”, diz McDonald. De acordo com o Census Bureau, que se debruça sobre a composição da população norte-americana, em 2014, 17,4% da população norte-americana era composta por hispânicos e a percentagem que correspondia a caucasianos não-latinos fixava-se nos 62,1%. A tendência é para os primeiros subirem, ao passo que os segundos descem. Em 2060, o Census Bureau estima que os latinos venham a compor 28,6% da população e os caucasianos 43,6%. Assim, a população branca (que, em termos eleitorais, tende a favorecer o Partido Republicano) continuará a ser o maior segmento racial do país, mas será menor que a soma de todas as minorias étnicas (que costumam votar do Partido Democrata).

São, portanto, más notícias para o Partido Republicano — e as quais têm sido aparentemente ignoradas pelos candidatos ainda a votos, que se têm batido fortemente contra a entrada de imigrantes e também contra a amnistia dos cerca de 11 milhões de pessoas que vivem nos EUA sem papéis.

Segundo o Latino Decisions, que estuda o voto da população hispânica nos EUA e a sua influência no resultado geral, qualquer candidato que pretenda vencer umas eleições gerais tem de reunir 47% dos votos entre todos os latinos. A confirmar-se o favoritismo de Trump entre os republicanos, o magnata nova-iorquino não terá certamente os números do seu lado. De acordo com uma sondagem de 25 de fevereiro, do Washington Post com a Univision, 80% de latinos têm uma opinião negativa de Trump — e entre estes, 72% dizem que é mesmo “muito negativa”.

Recentemente, o The New York Times dava conta de uma subida de pedidos de naturalização (que garante o direito ao voto) por parte de imigrantes legais na ordem dos 14%, nos seis meses que antecederam janeiro. O contexto é claro para aquele jornal e McDonald reforça-o: “As pessoas tendem a votar em eleições onde as políticas em discussão podem ter um impacto nas suas vidas. E se eles acham que Trump vai retirá-los do país, ou outra pessoa que eles conhecem que não está no país legalmente, então é certo que eles vão votar”. A previsão é para que 1 milhão de imigrantes ganhe o direito ao voto este ano.

Tradicionalmente, os latinos são o grupo que participa menos nas eleições presidenciais. Em 2014, por exemplo, apenas 43,1% votaram, enquanto 61,8% de eleitores brancos foram às urnas. Mas, neste ano, tudo isso pode mudar. E será nessa altura que, ao contrário do que se passa no cenário das eleições primárias, uma maior participação eleitoral pode resultar num duro golpe contra os republicanos. Quem o garante é McDonald: “Pode dar-se o caso de um candidato tão abrasivo em questões de imigração e tão focado em punir os latinos leve a que este gigante adormecido do eleitorado norte-americano acorde de uma vez por todas”.