Quando tudo começou muitas foram as vozes críticas que pensaram que o acordo à esquerda era de tão frágil que não duraria mais do que o primeiro orçamento. Uns pensaram que o acordo era mais para chegar ao poder do que propriamente para governar, outros que o inédito namoro entre António, Catarina, Jerónimo e Heloísa era sol de pouca dura e que não resistiria às diretrizes de Bruxelas. Mas no dia em que é superada a primeira prova de fogo, os best friends forever (como Paulo Portas lhes chamou), dão provas de quererem renovar os votos.

“A resposta ficou ainda aquém do que seria necessário. Continuaremos a bater-nos para que tenha mais força a exigência de uma verdadeira política alternativa”, disse esta quarta-feira o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, durante o discurso de encerramento do debate do Orçamento do Estado para 2016. “Os Verdes contribuíram para que esse ciclo [de austeridade] tivesse um fim e querem continuar a contribuir”, disse Heloísa Apolónia. Já o BE prometeu resistir às pressões de Bruxelas e defender um Orçamento que cumpra a Constituição.

Mas os próximos desafios é que vão ser a prova dos nove: depois do Orçamento, segue-se a discussão sobre o Programa Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade que o Governo tem de entregar em Bruxelas em abril, e que antes tem de discutir na Assembleia (ainda que não tenha de ir a votos), e depois a discussão sobre as eventuais medidas adicionais que terão de ser apresentadas ao Conselho Europeu em maio.

A verdade é que os Programas de Estabilidade sempre dividiram a Assembleia, pondo de um lado os partidos do anterior arco da governação e do outro os partidos da esquerda. Sabendo disso, e antevendo o que aí vem, o líder parlamentar do PS, Carlos César, aproveitou mesmo o encerramento do debate sobre o Orçamento para lançar a farpa ao PSD: “Em vez de se colocarem sempre do lado daqueles que, em Berlim ou Bruxelas, se recusam a perceber que a austeridade não é solução, ajudem a construir uma política mais amiga do crescimento e do investimento”, disse.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Esquerda veio para ficar, contra as “pressões” de Bruxelas

As promessas da esquerda são para continuar a trabalhar em conjunto. No final do debate sobre o orçamento, o PCP, que conseguiu aprovar 12 das quase 30 propostas de alteração que apresentou na tentativa de melhorar o documento, mostrou-se por um lado satisfeito com as medidas que conseguiu ver aprovadas, mas por outro lembrou que “nada do que foi reposto está definitivamente garantido”. Ou seja, ainda há muito para fazer, porque a ameaça de voltar às chamadas políticas de direita é constante.

No mesmo sentido, também o Bloco de Esquerda, pela voz da deputada Mariana Mortágua, garantiu que estava com os pés bem assentes na coligação e pronta para renovar os votos. Tudo para travar “as pressões da Comissão Europeia” que, disse, continuam a ser “o maior risco para a consagração” do projeto social fundado pela Constituição portuguesa.

Falando no Parlamento na sessão de encerramento do debate, Mariana Mortágua disse estar “orgulhosa” das propostas que o BE conseguiu aprovar para “melhorar” o documento, que, depois de sair do gabinete do Governo em Lisboa já tinha sido “piorado” durante a viagem a Bruxelas. De entre as quase 50 propostas de alteração feitas, o BE foi o partido que teve mais vitórias, conseguindo aprovar um total de 24: desde o aumento da tarifa social de energia, ao aumento do Complemento Solidário para Idosos e abono de família, à garantia de mais equidade no IMI, entre outras.

“É a primeira vez, em cinco anos, que a Assembleia aprovará um OE totalmente de acordo com a Constituição”, disse a deputada bloquista, mostrando-se orgulhosa do caminho.

Também os Verdes, que conseguiram aprovar sete propostas de alteração, entre elas uma muito significativa que isenta de IMI todas as famílias consideradas mais pobres, mesmo que tenham dívidas ao Estado, garantiram estar empenhados em renovar o compromisso e repetir a dose. “O OE hoje aprovado permite quebrar um ciclo de aperto, tão duro, que atava o país de pés e mãos a um empobrecimento estrutural. Os Verdes contribuíram para que esse ciclo tivesse um fim e querem continuar a contribuir”, disse Heloísa Apolónia, no encerramento do debate.

O Orçamento do Estado para 2016 é aprovado esta quarta-feira, seguindo depois para Belém para Marcelo Rebelo de Sousa promulgar. Mas certo é que se o atual Governo do PS quer levar a legislatura até ao fim, ainda terá de aprovar, com o apoio do BE, PCP e Verdes mais três orçamentos. Veremos se o casamento dura até lá.