“Tenho esperança que aqueles que acreditam tenham razão. Eu tenho dificuldade em acreditar”. Foi assim que António Costa se referiu à solução para a crise dos refugiados que vai ser debatida na reunião de chefes de Governo da União Europeia, na quinta e na sexta-feira, em Bruxelas, relativamente ao mecanismo rápido e de grande escala de retorno de migrantes irregulares de território grego para a Turquia.

As dúvidas de Costa são nomeadamente de cariz jurídico. “Há dificuldades jurídicas que importa acautelar tendo em conta que, acima dos acordos bilaterais com a Grécia e a Turquia, tem de prevalecer sempre o direito humanitário no que diz respeito à proteção dos refugiados”, disse esta quarta-feira no Parlamento, durante o debate de preparação para o Conselho Europeu.

Certo é que o plano da Turquia está a levantar uma enorme controvérsia no seio dos Estados-membros, sendo que as principais dúvidas residem na legalidade do mecanismo que prevê o regresso forçado à Turquia de todos os migrantes que cheguem à Grécia a partir de território turco: em troca, a UE deverá acolher um refugiado sírio por cada sírio clandestino devolvido à Turquia, num regime de troca direita de um por um. São estas dúvidas “jurídicas” que António Costa sublinha.

Para Costa o mecanismo de reinstalação na Europa deve abranger aqueles que na Turquia já são objeto de proteção internacional e o mecanismo de retorno (da Grécia para a Turquia) não pode incluir quem também já goza do estatuto de proteção internacional. “Não temos o direito de não acolher aqueles que estão a sofrer fora das nossas fronteiras”, disse aos deputados, acrescentando que “a melhor forma de garantir uma reinstalação ordenada é não blindar a fronteira externa, mas agindo para lá dela e encontrando canais ordenados de assegurar a proteção internacional”.

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Convém que a Europa nunca esqueça o trágico contributo que a II Guerra Mundial deu para a construção deste estatuto de refugiados, pois teve causa, origem e palco na Europa. Saibamos contribuir da melhor forma”, defendeu, sublinhando que qualquer concessão no essencial – os valores – legitimação a argumentação dos populistas.

Costa convidado por Tsipras para ir à Grécia, BE aumenta as críticas

O primeiro-ministro aproveitou ainda o debate para anunciar que se vai deslocar “brevemente” à Grécia, a convite do seu homólogo Alexis Tsipras, a fim de procurar situar-se “na pele do Governo helénico para melhor “compreender” a situação.

A voz mais critica do princípio de acordo alcançado entre os 28 e o primeiro-ministro turco na semana passada, numa cimeira extraordinária UE-Turquia sobre a crise migratória, veio da líder bloquista Catarina Martins, que rejeita o modelo em toda a linha: “Porque dão dinheiro à Turquia para tratar dos refugiados? A Europa convive bem com o atropelo dos mais básicos direitos humanos, desde que esse atropelo seja feito para lá da sua vista. E até dá dinheiro para isso”, disse.

Durante o debate, que se seguiu ao debate e votação sobre o Orçamento do Estado para 2016, também o PCP e os Verdes bateram na tecla do acordo com a Turquia sobre os refugiados, querendo saber qual é a posição que o Governo vai levar sobre o tema ao conselho europeu. Para Jerónimo de Sousa, a forma como a Europa está a tratar do drama dos refugiados evidencia uma “deriva reacionária e xenófoba” da Europa.

Para Jerónimo, os sinais que o Governo tem dado face ao drama dos refugiados, aumentando nomeadamente a quota nacional, têm sido “positivos”, mas é preciso mais. O socialista Vitalino Canas aproveitou, a esse propósito, para lembrar que o Estado português já se disponibilizou para receber mais do que os 4.486 migrantes que estavam estipulados.

À direita, o deputado do PSD Miguel Morgado reconheceu que “a Europa vive a sua mais grave hora de crise” e tem “um comportamento de quem estava impreparado”. “É uma questão de dignidade humana. Não podemos admitir que nenhum governo ou estado instrumentalize a questão para outros debates políticos. O Conselho Europeu vai aprovar o plano de ação conjunta com a Turquia, que está cercado de dificuldades. Se for implementado – e não é líquido -, Europa inteira vai precisar de escrutínio e monitorização”, disse.

Também o deputado democrata-cristão Pedro Mota Soares classificou de “desesperante” o “vagar com que a Europa continua a lidar com a crise dramática dos refugiados, há 10 conselhos europeus consecutivos” e que só tenham sido “recolhidos 870 dos 160 mil requerentes de asilo”, defendendo um “sistema de triagem” que distinga refugiados de guerra de migrantes económicos e mais “inteligência” para detetar células extremistas.

“Não podemos permitir que esta crise migratória, que já fez colapsar Schengen, provoque também uma crise institucional dentro da própria união”, disse.