Os estatutos da CPLP indicam que é na reunião de ministros de Negócios Estrangeiros dos Estados-membros da organização, que decorre esta quinta-feira em Lisboa, que se define a nomeação do secretário executivo – cargo de topo da instituição que reúne países de língua oficial portuguesa – a ser votado na cimeira que vai decorrer no Brasil, em julho. Mas países como Angola e Moçambique opõem-se à apresentação de candidato português, ao mesmo tempo que o Brasil, primeiro país a discordar de um candidato luso, quer agora procurar um “consenso”. Já São Tomé e Príncipe tem um candidato próprio para apresentar aos restantes membros da CPLP.

Até agora, e desde a sua fundação em 1996, a nomeação do secretário executivo da CPLP seguiu o procedimento que consta nos estatutos, ou seja, o candidato é indicado por um país membro em regime de rotatividade por ordem alfabética. Segundo o Observador apurou, este regime surgiu já que aquando a fundação da CPLP, José Aparecido de Oliveira, ex-ministro da Cultura brasileiro e um dos maiores impulsionadores do projeto estava incompatibilizado com o ministro das Relações Exteriores do Brasil de então e não poderia ocupar o cargo. Assim, a rotatividade tornou-se alfabética, passando a responsabilidade da escolha do primeiro líder da CPLP para Angola.

Agora, 20 anos depois, vários países como Angola, Moçambique ou Cabo Verde, alegam que há um “acordo de cavalheiros” que impede que Portugal assuma este cargo pela primeira vez, já que a sede da CPLP se situa em Lisboa. “Isso nunca foi discutido. Pode ter sido falado a nível político, mas na concertação diplomática tudo aconteceu com consenso e unanimidade e essa regra não foi falada”, assegurou em declarações ao Observador, António Monteiro, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, embaixador e coordenador do Comité de Concertação Permanente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa entre 1994 e 1996. Tal como António Monteiro, também o embaixador Francisco Seixas da Costa, que foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus entre 1995 e 1999, disse nunca ter ouvido falar no acordo. Outras figuras relevantes da CPLP como o antigo primeiro-ministro de Cabo Verde, Carlos Veiga e o primeiro secretário executivo da CPLP, o angolano Marcolino Moco.

Para Portugal, este é um tema prioritário. Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, insiste que Portugal vai cumprir os estatutos, ou seja, apresentará um secretário executivo para a organização e que a questão será ultrapassada. “Estou certo de que essa questão, se é que há alguma questão, será facilmente ultrapassável no espírito que move os países amigos”, afirmou o ministro português, que na quarta-feira se reuniu com o ministro das Relações Externas do Brasil e com o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação da Guiné Equatorial em encontros bilaterais que visaram o futuro da CPLP e, possivelmente, a discussão sobre o novo secretário executivo. Vítor Ramalho, líder da União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas (UCCLA), tem sido um dos nomes falados para o próximo secretário executivo da organização.

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Também Marcelo Rebelo de Sousa deu destaque à organização ao mencioná-la no seus discursos aos embaixadores e numa visita à sede da CPLP em Lisboa. “Do ponto de vista político, o caminho para a democracia é um ponto fundamental. Todos nós gostaríamos que a CPLP fosse um espaço de afirmação democrática”, disse o Presidente da República à saída da deslocação à organização, preferindo não comentar a questão da nomeação do secretário executivo.

Brasil quer consenso, São Tomé traz candidato na mala

Mauro Vieira, ministro da Relações Exteriores do Brasil, antecipou a sua vinda a Portugal em um dia e passou quarta-feira em reuniões bilaterais. Primeiro com Marcelo Rebelo de Sousa e depois com Augusto Santos Silva. O objetivo do Brasil neste processo, segundo veicula o membro do gabinete de Dilma Rousseff, é “encontrar uma solução que seja adequada a todos os países”.

“Acho que temos de valorizar a unidade. Saberemos, entre todos os Estados-membros, encontrar uma solução de consenso para a sucessão da secretaria da CPLP, que valorize património comum e ponha em evidência a promoção do idioma, a cooperação e a concertação. Não faltará habilidade para encontrar uma solução que seja adequada a todos os países”, afirmou Mauro Vieira à saída do encontro com Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de, segundo avançou o semanário Sol, ter sido o Brasil o primeiro país a levantar problemas à indicação do secretário executivo por parte de Portugal. O Observador tentou obter esclarecimentos adicionais sobre a posição do país junto da missão brasileira na CPLP, mas até agora não houve resposta.

Já São Tomé e Príncipe, que está a seguir a Portugal em ordem alfabética na organização, chega a Lisboa com a indicação de um candidato. “São Tomé e Príncipe irá apresentar uma candidatura à CPLP para dar o nosso contributo para enaltecer a nossa organização e não se trata de nenhuma candidatura contra um outro Estado”, afirmou Patrice Trovoada, primeiro-ministro são-tomense, na semana passada, segundo a Lusa, embora não adiante qualquer nome. Esta será uma candidatura apoiada pelo mais recente membro da CPLP, a Guiné Equatorial – uma adesão que causou polémica em Portugal devido ao país não ser de língua oficial portuguesa e de haver constantes alertas sobre o respeito dos direitos humanos no país.

Angola também já declarou apoio ao candidato são-tomense e está inflexível na sua posição. Em resposta ao Observador sobre os objetivos do país quanto a este conflito, a Embaixada de Angola em Portugal esclareceu que a posição assumida por Georges Chikoti, ministro angolano das Relações Exteriores, sobre a “imposição” de Portugal à CPLP se mantém. As declarações foram feitas ao “Jornal de Angola” e apesar de Santos Silva garantir que “as relações entre Portugal e Angola são muito boas, no plano político-diplomático, muito estreitas do ponto de vista económico e são relações excecionalmente boas do ponto de vista dos respetivos povos”, segundo a TVI 24, não houve nenhuma reunião bilateral com Chikoti para discutir este tema antes da reunião de todos os ministros da CPLP.

Sobre o conflito aberto no seio da CPLP, António Monteiro considera que nunca deveria ter chegado aos meios de comunicação social. “Esta escolha devia ser feita em consenso, como sempre aconteceu na CPLP. Foi sempre essa a forma de resolução de problemas na organização. […] Acho que vaia acabar tudo bem, porque a CPLP é uma mais-valia para todos nós. Claro que não pode haver imposição de um país, mas também não se podem alterar as regras a meio do jogo”, indicou o embaixador ao Observador.

A reunião decorre durante esta quinta-feira em Lisboa. Durará todo o dia, com pausa apenas para o almoço e as conclusões devem ser apresentadas ao final da tarde. Em cima da mesa de discussão, para além a questão prementes do secretário executivo, está a nova visão estratégica da organização para os próximos anos e a situação política na Guiné-Bissau.