Aprovado o Orçamento do Estado para 2016, o debate que se segue é sobre o Programa Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade, que o Governo vai apresentar em Bruxelas depois da Páscoa e de conhecidos os dados de mais um mês de execução orçamental. É daí que virá o veredicto: há ou não há buraco nas contas? Há ou não há necessidade de implementar medidas adicionais para satisfazer Bruxelas? O Governo tem rejeitado a existência de um plano B, mas BE e PCP já se começam a precaver: as linhas vermelhas do acordo inicial mantêm-se e não admitem “passos atrás”, ou seja, nada de desfazer o que já foi adquirido neste Orçamento.

“Os tempos foram de urgência, agora é trabalho de fundo”, disse o primeiro-ministro António Costa na quarta-feira, logo depois do momento histórico que foi a aprovação do primeiro Orçamento do Estado pelo Governo PS com apoio da esquerda. Ao Observador, o dirigente bloquista Jorge Costa afirma que não tem dúvidas de que é agora que a “pressão” de Bruxelas mais se vai fazer sentir. E que o papel dos partidos que suportam o Governo é o de “impedir que a pressão europeia altere” o que já foi adquirido em termos de direitos e relações laborais.

“A pressão das instituições europeias vai acentuar-se fortemente no quadro do Plano Nacional de Reformas. É agora que vão fazer mais exigências sobre as medidas tomadas no âmbito da proteção social e das relações laborais entre trabalhadores e patrões”, acredita o dirigente bloquista.

Já durante o encerramento do debate sobre o Orçamento, os partidos que apoiam o Governo tinham lançado o mote. “Nada do que foi já reposto está definitivamente garantido”, disse o líder parlamentar comunista, João Oliveira. Mariana Mortágua viria depois a completar o raciocínio: “As pressões da Comissão Europeia são o maior risco para a consagração do projeto social fundado pela Constituição portuguesa”.

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Não é por acaso que a última resolução aprovada pela Mesa Nacional do BE, no final de janeiro, se intitula “O Bloco preparado para o segundo combate com a troika”. E é por isso, para resistir às “pressões” e para evitar o regresso às chamadas “políticas de direita”, que a esquerda renova os votos.

“O que queremos é prosseguir o trabalho que tivemos durante o processo de elaboração do Orçamento”, sublinha Jorge Costa ao Observador. Também Jerónimo de Sousa garantiu esta semana em entrevista à Antena 1 que ainda não há negociações para medidas adicionais ao OE, e que, independentemente das exigências de Bruxelas, a solução de Governo “não vai ficar em causa”.

Não dar passos atrás

Mas há condições e limites que se mantêm intransponíveis: nada de cortes nos salários, nas pensões nem aumento da carga fiscal sobre o trabalho e os bens essenciais. Estas são, desde o dia em que os partidos da esquerda assinaram as posições conjuntas com o PS, as linhas vermelhas que não podem ser pisadas sob pena de a “geringonça” se desmoronar.

António Costa sabe-o e disse-o numa entrevista à RTP logo depois de assinar os compromissos com o PCP e BE: “Sabemos que não podemos cortar salários, nem pensões, nem aumentar os impostos sobre o trabalho, nem os impostos indiretos sobre alguns bens essenciais”. À esquerda, os avisos têm sido repetidos para que o Governo não se esqueça dessa máxima. “Perante qualquer situação extraordinária, temos como critério que não se dá nem um passo atrás”, diz o bloquista Jorge Costa.

“A nossa preocupação é de que não haja medidas de compensação que retirem às pessoas a possibilidade de devolução de parte dos rendimentos que lhes foram tirados pela austeridade”, tinha dito Catarina Martins em jeito de alerta no final de janeiro, depois de uma reunião de direção do partido.

A reposição de rendimentos e de direitos são ponto de honra. Tal como o BE, também o PCP garante: “Não nos desviaremos do caminho traçado”, disse Jerónimo de Sousa no final da última reunião do Comité Central.

Aumentar o IVA? Há outras formas

O que sobra então? Este domingo, no habitual comentário na SIC, Luís Marques Mendes voltou a afirmar que, mesmo depois de aprovado o Orçamento do Estado, é “provável que venha a haver agravamento de impostos”, e muito provavelmente pela via do aumento do IVA. De acordo com o ex-líder do PSD, em maio, fica-se a saber se há ou não há “buraco” nas contas e, havendo, qual é a dimensão. Depois disso, segundo Mendes, o Governo irá ter de fazer “aquilo que todos os Governos fazem” nestas situações, que é, em vez de reduzir a despesa, aumentar a receita. Mas como aumentar os impostos diretos está fora de questão, e os indiretos já foram aumentados neste Orçamento, então sobra o IVA. “Essa pode ser a má notícia que teremos daqui a uns meses”, disse.

Mas tanto PCP como BE não equacionam essa hipótese. “Não faço comentários sobre qualquer medida em concreto, nem vemos nenhum sinal da parte do Governo de que haja medidas nesse sentido”, limitou-se a dizer Jorge Costa ao Observador, dizendo que há outras vias na política fiscal.

Para o BE, há em cima da mesa várias outras propostas de política fiscal, que até constam do programa de Governo, e que ainda não foram postas em prática. É o caso da penalização das empresas com alta rotatividade de trabalhadores, ou da atualização do imposto sobre as heranças acima de um milhão de euros. Medidas que, segundo o dirigente bloquista, sobram para o Orçamento do Estado para 2017.

Também Jerónimo de Sousa disse, em entrevista à Antena 1, que tem em carteira várias propostas para arrecadar receita caso seja preciso ajustar contas: “Aplique-se uma taxa extraordinária à Repsol, à Galp”, atirou. Certo é que, no leque de quase 30 propostas de alteração ao Orçamento que o PCP apresentou na Assembleia encontram-se medidas de aumento de receita que acabaram chumbadas pelo PS. É o caso da proposta de criação de um imposto sobre o elevado património mobiliário, o aumento das contribuições do setor energético ou o aumento da taxa adicional de solidariedade em sede de IRS nos rendimentos acima de 80 mil euros (matéria coletável por sujeito passivo).

Tudo medidas que o PCP tem na manga para responder ao Governo quando, ou se, estiver em causa a necessidade de ajustar contas. “Num quadro de um esforço nacional, a política fiscal tem que ir buscar dinheiro onde ele existe”, resume o líder comunista.