Adriano Moreira está prestes a assumir funções como conselheiro de Estado, mas não se importa de falar de tudo incluindo da nova liderança do partido. O ex-líder centrista confia em Assunção Cristas, tece-lhe rasgados elogios e acredita que é um “exemplo espantoso” na política portuguesa.

Mas a conversa com o Observador na Academia das Ciências, instituição que dirige, não ficou por aqui. Adriano Moreira fala das incertezas no cenário internacional e resume assim o diagnóstico: “O mundo está desunido”. Por isso tem esperança e acredita que António Guterres tem todas as qualidades para chegar ao topo da ONU.

Na sua obra, fala sobre os poderes presidenciais e refere que o que faz a diferença num Presidente é o carisma. Refere até Mário Soares e diz que ele terá sido o Presidente português que mais soube aproveitá-lo. Com Marcelo Rebelo de Sousa julga que o carisma terá um papel importante?

Ao lado dos poderes legais, há um poder que na doutrina católica se chama graça — e que é o carisma. São Paulo disse: “Quem tiver o carisma de ensinar, ensine”. Portanto, é preciso, em relação ao chefe de Estado, acrescentar o poder que vem do carisma e o carisma não resulta da lei, resulta de ele ter a graça desse carisma.

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Considera que Marcelo Rebelo de Sousa está em estado de graça?

Não tenho opiniões sobre pessoas.

Quais serão os temas a que o novo Presidente vai dar destaque e pretende discutir com os conselheiros de Estado?

Na organização constitucional, a agenda é do chefe de Estado. Tem de lhe perguntar a ele. Ele até já fez uma declaração importante, dizendo que vai reunir com frequência o Conselho do Estado. Ele já deve ter a sua agenda, mas eu não a conheço. Não tenho legitimidade para falar da agenda.

Vai sentar-se à mesa com outros conselheiros…

São muitos.

Mas há um em particular que considera uma ironia estarem na mesma mesa. Falo de Domingos de Abrantes, militante histórico do PCP e figura próxima de Álvaro Cunhal. Conhece-o?

Não sei quem é, só sei que teve um passado complicado e de sacrifício. Nunca o vi, que me recorde. Não faço a menor ideia de o ver. O Conselho de Estado é para me preocupar com a agenda do Presidente da República e não com qualquer outra pessoa.

Conhece Assunção Cristas?

Conheço, claro. Foi uma excelente académica, com a dedicação à causa pública. Interrompeu uma carreira académica fulgurante. É uma pessoa muito clara nas atitudes, inteligente e sobretudo, dá um exemplo espantoso. É capaz de manter com igual autenticidade e dedicação o papel de mãe e responsável política. Nesse sentido, é uma figura exemplar e tomara eu que se multiplicasse nas lideranças políticas e europeias.

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Com a chegada à liderança de Assunção Cristas, fecha-se o capítulo de Paulo Portas. Como é que acha que o partido vai ultrapassar esta situação?

Eu não sei como o partido vai ultrapassar a situação, mas vejo que a agenda que Assunção Cristas anunciou é não só bem ponderada, mas articulada e sustentável. Confio nela.

Confia nela também para fazer oposição à maioria de esquerda na Assembleia da República?

Acho que o ponto do CDS nestes tempos não é esse. É fixar-se na evolução da circunstância do país. Essa é a linha de conduta do partido e que ela própria reafirmou.

Os eleitorados estão cada vez mais fraturados e na Europa temos dois países sem Governo: Espanha e Irlanda. O que é que antevê para o futuro das democracias europeias e para esta dificuldade em formar governos?

A evolução da Europa está rodeada de circunstâncias preocupantes. Em primeiro lugar, não tem conceito estratégico; em segundo lugar, as abstenções mostram que aumenta a quebra de confiança entre as populações civis e os parlamentos. Isso tem como corolário que os movimentos de quebra de unidade dos Estados se vão multiplicando.

Como é que pensa que a crise dos refugiados está a agravar essas quebras de unidade?

A Europa a Sul vê o Mediterrâneo transformado num cemitério. Vê, em relação às migrações, que há uma guerra – que não assume o nome – a partir do Estado Islâmico. E mais, que a situação se agrava enormemente e isso põe em causa instituições fundamentais. A Frontex é insuficiente, o que leva a Alta Representante da UE para Política Externa e Segurança declarar que é preciso um exército. Mas não há nenhum orçamento que preveja um aumento nos recursos para a segurança.

Mas este clima de insegurança não afeta só a Europa. Como é que afeta o resto do mundo?

Há dois pressupostos que foram fundamentais nas Nações Unidas. Um deles é que o Mundo era único e que a Terra era casa comum dos homens. O corolário era que o desenvolvimento sustentado seria o novo nome da Paz. O resultado é que o mundo não está único, está desunido. As migrações mostram que a Terra é dificilmente encarada como a casa comum dos homens, numa circunstância em que mais de metade dos Estados que estão na ONU tem capacidade para resistir aos ataques da natureza. Esta circunstância faz com que grandes organismos feitos com grandes esperanças no fim da guerra nem sejam consultados. O Mundo é único nos aspetos mais severos, não nas esperanças. A primeira coisa exigível é a reforma das Nações Unidas – que teve grandes líderes e prestou grandes serviços. Mas ainda há milhares de pessoas a morrer à fome, milhares de crianças a combater. É uma época de incertezas.

Como encara a candidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU?

Isso é outra coisa. O candidato português tem todas as qualidades. Eu conheci alguns secretários-gerais das Nações Unidas e fui até delegado às Nações Unidas. Podemos colocar António Guterres ao mesmo nível dos secretários-gerais que já exerceram esse cargo. Há uma grande dificuldade que não tem a ver com ele, mas com as regras que a organização segue para todos os cargos, incluindo para secretário-geral, e é preciso sublinhar que este é o único órgão individual das Nações Unidas e que tem a dignidade de outros órgãos como o Conselho de Segurança. A regra é que a Europa de Leste, que está na escala tradicional de rotação no cargo, tem de estar na origem da pessoa. É uma regra prática para assinalar a igualdade das áreas marcadas por culturas e etnias. Esse argumento não depende dele e resulta dos factos.