Bruxelas acordou em sobressalto. Três explosões fizeram-se sentir, no aeroporto e no metro e, até ao momento, há 26 mortos confirmados e dezenas de feridos — entre estes, conta-se uma portuguesa que já se sabe estar livre de perigo. Mas, tal como ela, outros portugueses a viver na capital belga saíram à rua esta manhã para fazerem a sua vida normal. Conheça aqui o relato de quem podia ter estado no metro à hora errada.

“Nunca tive medo em Bruxelas até hoje”

João Santiago acordou e ficou de imediato a par das notícias no aeroporto. O primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi o facto de ter um voo marcado para o dia seguinte, quarta-feira, exatamente à mesma hora das explosões. Mesmo com esse peso na consciência, o jovem de 24 anos fez-se à linha do metro para chegar ao local de trabalho, à Université Catholique de Louvain, onde é investigador na área do cancro. “Pensei que o dia ia correr normalmente. Entrei no metro e passados dois minutos aconteceu a explosão em Maelbeek”, recorda ao Observador o que aconteceu esta manhã.

O motorista parou o metro e disse, em francês, que tínhamos de sair. Logo de seguida apareceram dois ou três polícias. Ninguém sabia o que se estava a passar. Toda a gente ficou um pouco confusa. Só uns minutos depois é que as pessoas começaram a comentar, histéricas, o que estava a acontecer. A palavra começou a passar.”

A carruagem de João Santiago estava, felizmente, perto de uma estação de metro, pelo que não foi necessário percorrer a pé os carris destinados à circulação dos comboios. Saído do metro, a polícia aconselhou as pessoas a ir para um local mais seguro a pé, conselho seguido à risca pelo investigador português. “Fiz o meu caminho para o trabalho porque é mais seguro. Fecharam-nos aqui e não conseguimos sair. Nunca tive medo em Bruxelas até hoje. Senti que as coisas estavam muito perto de mim.

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Antes de a conversa terminar, perguntamos o que João Santiago vê da sua janela. A resposta é a esperada: “Muito poucas pessoas na rua. Eu trabalho numa universidade e, neste momento, nem vejo 2 ou 3% das pessoas que costumam estar na rua”.

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“Ele não estava no vagão que explodiu, o que lhe salvou a vida”

“As pessoas aqui estão em choque.” As palavras são de Nuno Bacharel, 29 anos, a viver em Bruxelas há oito anos. “Desde o Brussels lock down de novembro passado é comum haver militares na rua, no metro e nos sítios com mais afluência de pessoas (centros comerciais, eventos…), mas ninguém estava preparado ou à espera que isto acontecesse”, argumenta, ao mesmo tempo que conta que as vidas na capital belga já haviam regressado ao normal, com as pessoas a dedicarem-se às suas atividades habituais.

A linha de metro não é muito longa. Eu apanho o metro, tal como milhares de pessoas, todos os dias a partir do centro (Saint Catherine) para o meu trabalho (Demey). Passei na estação de metro 15 minutos antes dos ataques. Os ataques foram às 9h11. Um dos meus colegas de trabalho estava dentro do metro. Aqui há dois tipos de metro – os modernos que não têm carruagens (são compostos de uma longa carruagem) e os antigos que são divididos em carruagens, tal como os de Lisboa. Os ataques ocorreram nos metros antigos, com várias carruagens. Ele estava no metro onde houve a explosão, mas não estava no vagão que explodiu. O que lhe salvou a vida.”

Nuno conta que, no decorrer da explosão, o impacto foi enorme. Ainda assim, o amigo conseguiu sair com vida para a escuridão da linha, com sangue nas mãos que garante não saber a quem pertence. “Felizmente ele só teve um corte no pescoço devido ao estilhaços.” Nuno Bacharel trabalha fora da cidade, em Demey, longe do Parlamento ou da Comissão Europeia e, mesmo assim, ainda consegue ouvir as ambulâncias. “A cidade está em estado de sítio. As pessoas são recomendadas a não sair de onde estão.”

“Estamos receosos de ir para casa”

“Não é completamente impossível sair do parlamento, uns colegas meus saíram para ir à rua comprar comida, mas voltaram logo de seguida.” Sara Silva, 24 anos, é estagiária no departamento de comunicação do Parlamento Europeu onde, de momento, se encontra. Diz que tanto ela, como os colegas, estão sem trabalhar, apenas focados em acompanhar as notícias e em saber se as restantes pessoas que ali trabalham estão em segurança. A jovem portuguesa traça um cenário de medo, mas também de solidariedade, e recorda que chegou ao local de trabalho dez minutos depois da explosão no metro, uma situação que fez com que as pessoas fossem “convidadas” a não abandonar o Parlamento Europeu por uma questão de segurança.

Estão a circular várias mensagens pelos nossos e-mails. O presidente do Parlamento Europeu [Martin Schulz] fez circular um comunicado através do qual ficámos a saber que amanhã trabalhamos em casa. Estamos todos solidários, um pouco assustados, mas a tentar manter a calma. Estamos é receosos de ir para casa.”

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Sara Silva, de 24 anos, está retida no interior do Parlamento Europeu.

“Se o primeiro-ministro diz para ficarem em casa, eles ficam”

Tiago Mourão não ia no sentido das explosões que hoje assolaram a capital belga, mas não deixou de ganhar para o susto. “Apanhei um dos últimos metros antes de eles encerrarem as linhas. Nunca estive em perigo porque são linhas diferentes”, conta via chamada telefónica. O português de 26 anos estava em plena viagem de metro quando soube dos incidentes no aeroporto. Foi só quando chegou ao local onde se encontra agora, em segurança, que soube da explosão do metro. “Eu não me sinto inseguro porque vim para Bruxelas duas semanas antes dos atentados em Paris”, confessa, admitindo que, para ele, já é uma coisa normal ver militares nas ruas. “Sei que está a acontecer aquilo que aconteceu exatamente depois dos ataques terroristas em Paris. Já nos pediram para ficar em casa. A malta de Bruxelas é obediente”, reforça. “Se o primeiro-ministro diz para ficarem em casa, eles ficam.”

“Ficamos para ver como vai ser amanhã”

Foi a chamada telefónica do namorado, em trabalho na Turquia, que deixou Telma Santos a par do que se passava em Bruxelas. A portuguesa de 31 anos depressa procurou averiguar o que aconteceu, ela que vive entre os dois locais das explosões — sensivelmente a 15 minutos do aeroporto e a outros 10 da estação de metro de Maelbeek. “Estava a preparar-me para ir trabalhar quando percebi que houve uma explosão no metro, na estação por onde costumo passar para ir trabalhar. Entretanto, decidi não ir trabalhar e tenho visto muita a gente a regressar a casa a pé porque não há transportes”, conta a assistente de vendas numa loja ao Observador. “Ouvem-se muitas sirenes. Os testemunhos são horríveis”, continua.

Telma Santos já conseguiu falar com os familiares e amigos a viver em Portugal. Recorda ainda que mal abriu a sua página na rede social Facebook apercebeu-se das inúmeras mensagens que havia recebido. “O próprio Facebook tem uma aplicação que, com base na localização das tuas fotografias e afins, permite que coloquemos se estamos em segurança ou não. ” A portuguesa assegura que hoje, terça-feira, 22 de março, não vai arredar pé de casa: “Hoje não vou sair de casa e amanhã só saio dependendo da evolução da situação. Todo o país está em alerta quatro, o nível máximo. Não sei quais vão ser as informações nas próximas horas. Ficamos para ver como vai ser amanhã.”