O sol brilha, os pássaros cantam, os dias começam a ficar mais longos e o ser humano apaixona-se mais facilmente na primavera. Pelo menos é o que o senso comum tem vindo a afirmar há algum tempo. Quem não cresceu a ouvir a associação entre a estação soalheira e novos romances ponha o dedo no ar (para efeito deste artigo, esperemos que não sejam muitos). O tema não é propriamente novo ou inexplorado: há sensivelmente um ano, o Washington Post casava ciência e romance para tentar provar uma mesma ideia. Assinado por Lisa Bonos, o artigo dava conta de um estudo que revelava que quando está sol há maior probabilidade de as mulheres darem os respetivos números de telefone aos homens que as abordam na rua. Daí à paixão vai um esticão, nós sabemos.

Acontece que na mesma peça lia-se ainda a intervenção da antropóloga e bióloga Helen Fisher, que diz que o cérebro está preparado para se apaixonar na primavera. Fisher explicou que a glândula pineal — que produz a hormona melatonina — é muito ativa no inverno, o que faz com que as pessoas fiquem mais sonolentas e, talvez por isso, menos propensas a potenciais romances. Convém lembrar que já antes Marta Gonçalves, coordenadora do centro de sono na CUF Hospital do Porto, explicou que a melatonina é uma hormona que ajuda a regular o sono, que é ativada e alterada pela falta de luz — não é por acaso que tanto se aconselha a não manusear smartphones ou tablets antes de ir dormir, uma vez que a luz presente nos ecrãs destes aparelhos interrompe os ritmos cardíacos naturais do sono.

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Mas fará isto sentido? Questionado pelo Observador, Bernardo Barahona Corrêa, consultor na Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud, diz que a menor presença de melatonina poderá permitir uma certa desinibição do sistema [hipótalamo-hipofisario] que regula as hormonas sexuais. “Em alguns mamíferos isso acontece de forma clara. Há espécies em que claramente acontecem estas alterações, ao nível sexual e da reprodução, tais como as ovelhas.” Corrêa afirma ainda que o fotoperíodo, como quem diz o número de horas de sol num dia, tem alguma influência no corpo humano — seja disso exemplo o facto de ajudar a regular o sono.

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A isso acrescenta-se a questão da dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer, à exploração de novidade e a soluções de riscos, tal como diz Bernardo Corrêa. “O aumento da atividade dos neurónios que libertam dopamina parece acontecer quando nos confrontamos com o fator novidade ou com estímulos associados à recompensa, como por exemplo cheiros e cores”, diz, não sem afirmar que a primavera é uma novidade face ao que vem detrás, trazendo consigo bom tempo, novos cheiros, folhas, flores e animais que regressam das migrações.

Isto poderá traduzir-se num comportamento de maior procura por um parceiro, mas acho que o elemento cultural aqui é muito importante, até porque há estereótipos que ligam a primavera ao sol e à alegria, ao bem-estar e à jovialidade”, constata.

Bom tempo, bom humor e mais sorrisos

Pedro Ferreira Alves, neuropsicólogo no Instituto Terapêutico Analítico Psicologia Aveiro (ITAPA), admite que há uma influência do sol e sua energia na disposição de qualquer animal — “com o sol os animais ficam muito ativos, enquanto a chuva e o frio inibe a sua atividade”. No entanto, recorda que a paixão é um estado emocional especificamente humano e que os animais, ao contrário de nós, apenas se atraem num sentido puramente biológico.

A afetividade nos seres humanos não serve para a procriação, está antes associada ao bem-estar. Há muito pouco tempo, a maioria das pessoas estava destinada a casar por outros interesses. A paixão é uma coisa recente na história da humanidade e ultrapassa a influência bioquímica. Tem que ver com motivação, sentimentos e a necessidade de dar e receber afeto”, argumenta Pedro Ferreira Alves.

Não obstante, o neuropsicólogo não põe de lado o facto de o sol criar uma expectativa de liberdade, com a sociedade e o marketing a passarem constantemente a ideia de que a primavera é uma altura para conhecer pessoas, e que o sol, não sendo decisivo, influencia a paixão, no sentido em que faz com que as pessoas saiam de casa.

O que é a paixão?

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A paixão, quando sentida, pouco se incomoda se desponta no verão, primavera, outono ou inverno. Em causa está um estado inebriante que, diz a psicóloga Débora Água-Doce, “inibe-nos a serotonina (que estabiliza o humor e a raiva) e desativa regiões do córtex frontal que estão envolvidas nos processos lógicos e de raciocínio, daí dizermos que enlouqueceríamos se vivêssemos em constante estado de paixão”. Acrescente-se que a endorfina e a serotonina são “neurotransmissores que alteram o ritmo corporal e psíquico, estimulando as sensações de prazer e bem-estar que sentimos ao estarmos apaixonados”.

“Penso que o inverno é uma estação que nos deprime do ponto de vista emocional”, atira a psicóloga e sexóloga Vânia Beliz, ao comparar a estação fria com aquela mais quente. “O frio não convida ao sexo, ainda que o calor excessivo possa não ser tão agradável para o mesmo efeito. Mas por qualquer motivo nós ficamos mais ativos com o clima e com o calor, mais com a luz do que com o escuro, que induz o sono.” A sexóloga também constata o óbvio, ao afirmar que nesta altura do ano o mais provável é ver homens e mulheres vestidos tendencialmente com menos roupa, uma situação que pode, por sua vez, despertar a autoestima.

Há muitas mulheres que não fazem a depilação total no inverno. Começando o bom tempo, começa tudo a correr para a esteticista, expomo-nos mais e é também nesta altura que começamos a pensar nas dietas.”

A psicóloga Débora Água-Doce também entra na conversa dizendo que não existe uma relação causa-efeito entre a primavera e a paixão, ainda que confirme a existência de estudos que comprovam que a luz e as condições meteorológicas exercem uma grande influência no nosso humor. “Na primavera as depressões sazonais dão lugar a uma motivação e alegria que pareciam estar adormecidas. Este estado de humor mais alegre e positivo promove uma maior interação social e uma maior disponibilidade para com o outro, o que pode potenciar trocas de olhares acompanhadas de sorrisos”, acrescenta.

Depois da matéria dada, e em formato resumido, coloquemos a questão: a ideia de que há mais paixões na primavera é mito ou é verdade? É Bernardo Corrêa quem responde: “Acho que há elementos que poderão dar algum sentido a essa teoria, mas comprovada ela não está. É difícil de distinguir a componente biológica da cultural, porque se reforçam uma à outra.” Pedro Ferreira Alves, o neuropsicólogo, concorda, dizendo não haver evidências de que exista uma estação do ano onde as paixões aumentem significativamente. “O que podemos eventualmente inferir é que, em alguns países, as estações da primavera e do verão permitem uma maior interação afetiva e social”, afirma, salientando que em África, por exemplo, não existe primavera.

Caso não acredite em nada disto, pode sempre socorrer-se das 36 perguntas que têm o condão de fazer com que dois desconhecidos se apaixonem um pelo outro, em qualquer altura do ano.

dizia Arthur Aron, um dos autores do famosíssimo guião, que o amor é parte da forma como nos ligamos a alguém:

Se não tivéssemos um mecanismo que criasse fortes ligações, não sobreviveríamos enquanto espécie. Temos grandes cérebros, levamos pelo menos três a quatro anos a criar uma criança para que ela se desenrasque sozinha e é mais provável que ela vá sobreviver se tiver dois pais. A nossa espécie evoluiu no sentido em que deseja criar laços mais fortes para ficarmos juntos. Não é surpreendente que [o amor] seja importante na vida das pessoas.