Colm Tóibín publicou o primeiro romance, The South (O Sul, em português), em 1990. Algumas páginas foram escritas num quarto do hotel Metrópole, no Rossio. “Escrevi uma boa parte no quarto do hotel, num desses verões”, divido entre a baixa lisboeta e as praias da Costa da Caparica. Foi em 1983 mas, desde então, o escritor irlandês já regressou “duas ou três” vezes a Lisboa. “É uma cidade muito bonita”, confessou durante uma entrevista telefónica com o Observador.

Desde então, muita coisa se passou na vida do irlandês, natural de Enniscorthy, no sul da Irlanda. Foi três vezes finalista do Man Booker Prize, um dos mais importantes prémios literários de língua inglesa, ganhou um Costa Book Award (2009) e um Irish PEN Award (2011). Atualmente a residir nos Estados Unidos da América, onde trabalha como professor na Universidade de Columbia, admite ter “saudades de casa”. Foi por isso que, em 15 meses (um tempo recorde), escreveu Brooklyn, o livro que virou filme, e o filme que virou um dos grandes destaque dos Óscares deste ano (mas sem direito a estatueta dourada).

Apesar de ter sido publicado em 2009, a história de Eilis Lacey, uma jovem irlandesa que se muda para Nova Iorque, era muito mais antiga. Estava escondida numa linha do primeiro capítulo de Nora Webster, o último romance de Tóibín baseado em memórias da sua própria infância, nos anos que se seguiram à morte do pai. Durante mais de uma década, o escritor trabalhou em Nora Webster, acrescentando um novo capítulo todos os anos. Até que tomou uma decisão: tinha de o acabar. “Não podia ficar a trabalhar nele para sempre.”

Nora Webster

O romance chegou às livrarias a 18 de março, com a chancela da editora Bertrand, e custa 18,80 euros

Começou a escrever Nora Webster há 16 anos, exatamente na mesma altura em que escreveu o primeiro capítulo de The Master [O Mestre], o romance sobre o escritor Henry James. Porque é que decidiu avançar com The Master e deixar Nora Webster de parte?

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Não conseguia encontrar o formato certo para Nora Webster. Estava preocupado com isso. Além disso, o tema do livro é muito pessoal. Percebi que ia demorar muito tempo até descobrir que partes é que seriam interessantes para os outros e que partes é que eram apenas interessantes para mim. Com o Henry James foi tudo muito direto. Por outras palavras — consegui ver o livro de forma muito clara, consegui ver a sua profundidade de forma muito clara. E apercebi-me, também, que tudo na sua vida seria interessante. Com a vida na província, com a história de alguém que vive numa pequena localidade, num país isolado, existe sempre a preocupação de que o tema talvez não seja assim tão interessante para o leitor.

E até aborrecido.

Sim, claro. Por isso é que me preocupo. Acho que, para aqueles que vivem nos subúrbios das grandes cidades — por exemplo, de Paris, Londres, Milão, Barcelona, Berlim — existe sempre algo de muito especial e solitário nas obras escritas a partir daí. E isso é importante para mim.

Porque é que decidiu construir o livro a partir das suas próprias memórias? Nora Webster é muito pessoal.

Essa foi a ideia que tive, a ideia de que não seria um livro autobiográfico, mas que descrevesse, com algum detalhe e muita invenção, a vida que vivemos em casa com a minha mãe, nos anos após a morte do meu pai.

Mas podia ter arranjado outra forma de tratar o mesmo tema — de falar sobre a viuvez, a perda, a solidão.

Fiz mais ou menos isso noutros livros. A ideia que tive para este obrigava-me a não mudar quase nada e a inventar apenas o que precisava — a escrever do ponto de vista de uma das personagens e a usar mais a memória do que a imaginação. Não vou voltar a fazê-lo, mas senti que tinha de o fazer uma vez. Mas não é uma autobiografia, porque não foi escrito do meu ponto de vista. Por isso, no livro, muita coisa também é inventada.

Porque é que decidiu escrever do ponto de vista de Nora Webster, a mãe, e não a partir de um dos filhos?

O problema é que uma criança de 12 anos não tem sensibilidade suficiente — não existe vida interior suficiente para aguentar um romance. Acho que se pode fazer isso com contos, mas não é possível fazê-lo com um romance inteiro. Não existe material suficiente na personagem. Existem muito poucos romances sobre crianças de 12 anos por essa razão. Para um romance, é preciso uma personagem mais desenvolvida — alguém que é simplesmente mais velho e tem mais experiência, mais memórias, mais consciência. Por isso, decidi escrever a história do ponto de vista da mãe.

Disse uma vez que também não existem muitos romances escritos da perspetiva de uma viúva.

Sim, não conheço nada de Shakespeare sobre o tema, à exceção de Hamlet. [Risos].

E Shakespeare escreveu sobre tudo.

Tudo. Podemos isolar a história de Gertrude da de Hamlet, mas ela também casou outra vez. E a história é contada da perspetiva do Hamlet. Mas não, não acho que existam muitos romances sobre isso.

Teve isso em mente quando decidiu escrever o romance?

Comigo, há qualquer coisa que me vem à cabeça e não desaparece. Não é uma coisa deliberada — é algo em que começo a pensar e que depois não consigo esquecer. Por isso, não é uma decisão estratégica, ou porque existe uma abertura no mercado, ou qualquer coisa do género. Existe qualquer coisa que surge em mim, e que surge como um ritmo, uma e outra vez, até que tenho de a escrever. Não é que tome uma decisão — são muitas emoções reunidas e que pressionam, como uma corrente de água.

Apesar de tudo surgir de forma espontânea, costuma demorar muito tempo a escrever.

Acho que, de todos os meus livros, Brooklyn foi o que terminei mais depressa. Acho que o acabei em cerca de 15 meses, o que para mim é muito, muito rápido.

Como é que surgiu a ideia para Brooklyn?

Estava a reler Nora Webster e, na página três — acho que é na página três –, é contada a história de Brooklyn. Olhei para aquilo e pensei que era uma história interessante. Vivo há vários anos nos Estados Unidos da América e tenho sentido muitas saudades de casa. Por isso, essa ideia andava na minha cabeça. Parei de escrever Nora Webster e comecei Brooklyn.

Até voltar a Nora Webster, escreveu outros livros sobre o tema da família, como o romance The Testament of Mary [O Testamento de Mary] e a coletânea de contos Mothers and Sons [Mães e Filhos].

Sim, dois livros de contos, um romance curto e Brooklyn. Mas pensava em Nora Webster todos os dias. Estava sempre no meu pensamento.

Durante 13 anos.

Sim, durante 13 anos.

E como é que decidiu finalmente acabá-lo?

O que aconteceu foi que, para Nora Webster, todos os anos escrevia um capítulo. Pensava em alguma coisa e trabalhava nisso. Depois, nos últimos anos, apercebi-me que tinha de acabar o livro. Não podia ficar a trabalhar nele para sempre.

A maioria dos seus livros tem personagens femininas. Prefere contar histórias da perspetiva de uma mulher?

Bem, agora estou a escrever do ponto de vista de um homem. É um romance que se passa na Grécia Antiga (ainda não tenho título para ele). Na verdade, acho que podemos fazer quase tudo o que queremos, mas foi criado por mulheres. As suas vozes são-me muito queridas. Por isso, acho que nos anos a seguir à morte da minha e das minhas tias, quis escrever este tipo de livros.

Que são sobre elas, de certa forma.

Sim, sim, de certa forma. Brooklyn e Nora Webster são romances sobre mulheres que nasceram nos mesmos anos que essa geração da minha família. A Nora Webster nasceu, provavelmente, no início/meados dos anos 20 e a [Eilis Lacey de] Brooklyn nasceu provavelmente no início dos anos 30. Quando estava a crescer, a minha mãe e as minhas tias estavam sempre a falar e eu estava sempre a ouvi-las. É fácil usar essas memórias.

Vai sempre buscar inspiração à sua família, à sua própria história?

Fiz isso nesses dois livros, usei essas memórias, mas não faço sempre isso. O Testament of Mary é completamente diferente e o romance sobre Henry James, The Master, é sobre uma coisa completamente diferente.

O engraçado é que a maioria das personagens de Henry James também são mulheres, e o Colm gosta muito de Henry James.

Sim, pois são! As melhores personagens de Henry James, de The Portrait of a Lady [Retrato de uma Senhora], The Wings of the Dove [As Asas da Pomba] a The Golden Bowl [A Taça de Ouro], são mulheres. Mas, The Ambassadors [Os Embaixadores], um dos seus melhores livros, é sobre um homem de meia-idade. Isto mostra que não podemos mesmo criar regras em relação a isto.

O que é que o atrai em Henry James?

Interesso-me pela forma como ele construiu os livros — a maneira deliberada e consistente como ele construiu os seus romances, o seu estilo. Pessoalmente, também me interesso pela sua personalidade ambígua. Ele é difícil de perceber e, por isso, começou a interessar-me. Não é uma pessoa simples. Se pensarmos na sua sexualidade, por exemplo, não é totalmente evidente. Era homossexual, mas os seus melhores relacionamentos foram com mulheres. Ele adorava a família, mas mantinha-se longe dela e fugia assim que podia. Adorava a solidão, mas saía muito. Era rico — era mesmo rico — mas estava sempre preocupado com dinheiro. Por isso, nunca é possível compreendê-lo — nunca se consegue ter a certeza de quem ele é.