Tinha aterrado de Bruxelas há poucas horas. Paulo Mendes viveu o drama dos atentados de perto, até deixou de andar de metro uns dias. O português vive em Molenbeek, o bairro que está na mira dos serviços secretos por se ter tornado numa espécie de viveiro de terroristas. As férias já estavam marcadas, não voltou por causa do evento que assombrou a semana que passou. “Mas ajuda, veio a calhar”, admite ao Observador, com um sorriso nervoso, aliviado.

Faltam poucos minutos para embarcarmos no voo inaugural da nova ponte aérea entre Lisboa e Porto, com 18 frequências previstas entre as 5h30 e as 22h25. Os preços são a partir de 39 euros, para competir com comboio, autocarro e a viagem de carro. O voo das seis horas da manhã, o primeiro a sair de Lisboa nesta estreia, leva sete passageiros. E demora apenas 45 minutos, sensivelmente.

O tema da aviação tem causado alguma polémica entre a companhia aérea e Rui Moreira, o presidente da Câmara Municipal do Porto, que chegou a apelar a um boicote. E porquê? Porque haverá encerramento de várias ligações do Porto, nomeadamente para Barcelona, Milão, Bruxelas e Roma. Enquanto em Lisboa se registam também alguns fechos de ligação — Bogotá, Gotemburgo, Budapeste e Bucareste, por exemplo –, a capital terá semanalmente mais 59 ligações com a Europa.

Já se sabe, a ideia da TAP é ombrear com os concorrentes, disponibilizando preços mais acessíveis. A CP estará disposta também a baixar os preços para dez euros. O Observador pagou, este domingo, quase 25 euros para a viagem de comboio de regresso, mas já lá vamos. De autocarro será à volta de 20 euros. De carro, aventura que Diogo Botelho e amigos apostaram este fim de semana, custou à volta de 45 euros (apenas ida).

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“Chegar às oito horas a Viana ou ao meio-dia é diferente. Preferi o avião”

A entrada para o aeroporto de Lisboa faz-se agora por uma porta apenas, que tem dois agentes fortemente armados . Os tempos mudaram, sente-se. Entre uns que dormiam e esperavam e outros que tratavam do pequeno-almoço, estariam à volta de 200 pessoas no recinto.

A ligação Lisboa-Porto tem lugar na porta 7, e demora-se quase tanto tempo a chegar lá quanto a entrar no aeroporto, fazer o check-in e passar pelos detetores de metais. Surpreendentemente, aquela zona estava cheia. Culpa da porta 8, que levava aquela multidão toda para Paris, incluindo uma equipa de râguebi.

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A porta 7 no Aeroporto de Lisboa, que levaria sete passageiros ao Porto

“Estou em Bruxelas desde julho”, conta Paulo. “Sou professor de História e Geografia. Gosto mesmo de ensinar, mas já tive de fazer várias coisas para sobreviver lá. Aquilo é muito caro.” O clima de ódio e racismo até já o sentiu na pele. “Hoje senti racismo. Como não sou loirinho, de olhos azuis, sou moreno e se calhar até pareço muçulmano, revistaram-me tudo, à parte, enquanto toda a gente passava.” O português de 24 anos vive em Molenbeek, um local que os colegas disseram para ele abandonar assim que souberam onde vivia. “Os portugueses de lá são mais racistas com os muçulmanos do que os belgas.”

Paulo Mendes é de Viana do Castelo e está de volta para a Páscoa. Nem sabia que era a inauguração dos novos voos da TAP a ligar as duas principais cidades do país. “Chegar às oito horas a Viana ou ao meio-dia é diferente. Preferi o avião, paguei 36 euros, penso — comprei há uma semana. É a segunda vez que faço Lisboa-Porto, da outra vez paguei 15 euros com a Ryanair. Vi comboio e autocarros, mas saíam mais tarde. Mesmo que seja um pouco mais caro (10 euros, penso), é só uma hora de viagem, compensa e chego cedo. Os meus pais vão buscar-me ao aeroporto e depois são 40 minutos de viagem. Tenho saudades já…”

Situemo-nos: o Observador entrou no avião por volta das 5h40. O avião descolou às 6h10 e o aviso para descida foi às 6h22. Nem o Flash Gordon faria melhor. “Senhoras e senhores passageiros, aqui fala o vosso capitão, blá blá blá, estão 11º no Porto. Desejo-lhes uma santa Páscoa”, disse o homem do leme, com uma original apresentação da tripulação — disse todos os nomes, o que comprovava que eram quase tantos quanto os passageiros.

Pelo meio, mesmo com uma viagem-relâmpago, o tema Bruxelas, Molenbeek, Bélgica e atentados voltou à baila. “Senti medo. Eu estava a sair para o trabalho. Foi a primeira vez que vivi de perto — eu acompanhei na televisão os ataques ao World Trade Center e a Paris, mas assim é diferente. Aquilo aconteceu a uma estação do meu trabalho, passo lá todos os dias. Se tivesse sido meia hora depois… Fiquei por casa dois dias. Não larguei o telefone, para dizer às pessoas que estava bem. Até a minha professora primária me ligou. Nos primeiros dias após atentados nem andei de metro, preferia andar a pé. Hoje já consegui entrar no metro!”, conta.

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Aeroporto Francisco Sá Carneiro, visto da paragem de metro (D.R.)

As rodas tocam no chão do Porto às 6h38. O stop acontece às 6h43, ou seja, pouco mais de meia hora depois de levantar voo. Um casal olhou para o relógio e sorriu. É de facto uma experiência bizarra: é levantar voo e descer de imediato, praticamente. Houvesse mais pessoas a bordo e dificilmente conseguiriam dar o pequeno-almoço. O Observador lá saiu daquele monstro com asas, despido de gente, sem malas a pesar. No vai-não-vai leu-se mais uma ou outra carta de amor a Johan Cruifjj e também sobre a vitória de Bernie Sanders em Washington. Até que esbarramos num casal que seguia a bordo do mesmo voo.

“Costumamos fazer esta ligação Lisboa-Porto. Nem sempre é com a TAP. Esta acho que pagámos mais do que o normal, porque foi marcada em cima da hora. Já não lhe sei dizer”, afirma Maria Torres, uma professora de Educação Especial. “Mas é rápido, viaja-se bem. Vivemos no Porto, mas costumamos viajar bastante. Desta vez fomos aos Açores. Foi necessário ir a Lisboa no regresso, não havia ligação direta para o Porto. Era só uma hora, é mais fácil.”

Este casal não procurou soluções. “Nem chegámos a ver, decidimos sobretudo pela rapidez que oferecia. É só uma hora. Acaba por compensar, mesmo que seja um bocado mais caro. Bom, depende sempre dos preços. Tínhamos de cá estar de manhã, por causa da Páscoa, era uma das variáveis que esteve presente na escolha.” A professora de 39 anos só se queixava da hora. “Estou toda ensonada. Dá para ver, certo?”

Quem viajou no primeiro voo da TAP da ponte aérea sentia a mesma coisa. Sono. É que o voo dura apenas uma hora, sim, mas há que estar lá uma hora e meia antes. Talvez nem fosse necessário, havia dois balcões da companhia aérea portuguesa e quase ninguém dava sinais de vida. Mas diz a sensatez para fazê-lo, por isso perde-se mais tempo. Ao contrário do comboio, que embora tenha demorado praticamente três horas, entre Campanhã e Santa Apolónia, é chegar e arrancar.

Foi isso que o Observador fez depois de desfrutar do famoso metro à superfície. Para deixar o Aeroporto Francisco Sá Carneiro e seguir até à estação de comboios, há que comprar um bilhete para a zona 4, por 2,45 euros, em direção ao Estádio do Dragão. Só havia comboio às 10h52, o que significava duas coisas: que seria preciso esperar em qualquer lado a tomar mais um pequeno-almoço; e que era cedo o suficiente para escapar à difícil decisão de ir ou não ir comer uma francesinha — to be (fat), or not to be, that’s the question. Bilhete: 24,30 euros, para as 10h52, na linha 8, carruagem 21, lugar 68.

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Estação de Campanhã, no Porto. Era quase altura de partir rumo a Lisboa (D.R.)

O Observador aterra no seu lugar por volta das 10h50. Três minutos depois o comboio arranca rumo à capital. Está bem composto, muita gente ficará pelo caminho. À nossa frente, dois jovens tenistas falam de tudo, de casos de polícia, jogos de ténis e de meninas e meninos. Um pai teria dificuldades em travar a ânsia de uma pequenota que chamava pela mãe e fazia o barulho de um cavalo a trote. Vêem-se também muitos estrangeiros. E não, os mochileiros não eram a maioria.

Em romantismo, o comboio dará sempre 15-0 ao avião, já se sabe. O entra e sai, o arrumar a mala, o olhar pela janela, os olhos tristes, os sorrisos e os abraços. Os comboios guardam tantas histórias que ninguém as poderia escrever a todas. O avião demora um terço do tempo, se falarmos apenas da viagem, mas encurta as vistas.

A paisagem não foi nada simpática até Pampilhosa. A partir daí, a espaços, campos verdes a perder de vista pintavam a janela. Quando os rios surgiam também aliviavam a viagem. É que, embora o relógio juntasse os ponteiros no meio-dia, graças ao voo às seis da manhã foi necessário acordar às três e tal da madrugada. Por isso, sim, houve alguns golos de cabeça, à Jardel.

O comboio da CP arrancou às 10h53 e, mais rápido aqui, mais lento ali, foi galgando quilómetros e aproximando-nos de Lisboa. O percurso e as respetivas horas de chegada foram estes: Vila Nova de Gaia (10h58), Espinho (11h09), Aveiro (11h20), Pampilhosa (11h46), Coimbra (11h56), Alfarelos (12h10), Pombal (12h23), Entroncamento (12h56), Santarém (13h14), Vila Franca de Xira (13h34), Oriente (13h50) e, finalmente, Santa Apolónia (13h57). Este itinerário é baseado no bloco de notas. Ou seja, se faltar alguma estação, o Jardel levou a melhor…

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Estação de Santa Apolónia, em Lisboa, pouco depois de chegar. (D.R.)

Quase ninguém, pelo menos na carruagem 21, completou a viagem entre Lisboa e Porto. As três horas de viagem, que se aproximam à da viagem de carro, não chocam. Há quem prefira de longe os comboios, pelo conforto, por não ter medo ou, lá está, pelo lado romântico que acontece quando se vêem tantas vidas a passar à nossa frente. Mas aquela hora no avião não ficou esquecida. É de facto um luxo viajar entre Lisboa e Porto em menos de 60 minutos.

“Isto é muito, quase 100 euros para ir ao Porto de carro…”

Neste mesmo fim de semana, Diogo Botelho, um engenheiro civil de 27 anos, investiu na mesma viagem. Mas nem foi de avião, nem de autocarro, muito menos de comboio — foi na sua carrinha. E levou quatro amigos. “A viagem no total deve ter demorado umas três horas e tal, quase quatro, porque parámos em Pombal para almoçar. Metemos 50 euros de gasolina e gastámos metade”, conta.

“Quanto a portagens, a primeira foi de 11 euros e pouco, a segunda foi um pouco mais.” Contas feitas: 21 euros em portagens mais 25 euros em combustível, só para ir. “Só compensa porque fomos cinco. No futuro vou ponderar, sem dúvida, o avião, por exemplo. Mas penso que, se fosse sozinho, iria de comboio. Seria essa a minha opção. Isto é muito, quase 100 euros para ir ao Porto de carro…”