No Irão a vida de um mulher passou a valer tanto como a de homem. O Conselho de Guardiões da república xiita aprovou um projeto de lei que exige que as seguradoras paguem à família de uma mulher vítima de um acidente de aviação uma indemnização igual à que pagam se a vítima for um homem. A legislação foi aprovada em meados de março e revogou o que estava estabelecido pela sharia, o código islâmico de leis em vigor no Irão, segundo o qual a vida de uma mulher valia metade do valor da de um homem refere o El Mundo.

Prevê-se que a alteração na lei tenha um impacto social muito significativo num país que regista uma das mais altas taxas de mortalidade rodoviária do Mundo. Segundo as autoridades iranianas, nesta época em que se comemora o feriado Nowruz – que correspondente ao Ano Novo e é comemorado a 21 de março — morre nas estradas do Irão uma pessoa por hora.

A discriminação legal que acontecia com a sharia era baseada na premissa de que o chefe de família é o homem e ao seu papel como principal sustento da família. Sempre que a vítima de um acidente de carro era do sexo masculino, a família tinha direito a pedir uma indemnização que podia chegar aos 50 mil euros. Se a vítima fosse uma mulher, a lei islâmica considerava que a sua contribuição financeira para a família era menor, logo a compensação devia também ser mais baixa.

O “dinheiro de sangue” ou “Diyya” em árabe, ou seja, a compensação financeira que a família da vítima pode legalmente exigir ainda é discriminatória em acidentes que não resultem na morte.

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A mudança na lei não se aplica a casos de atropelamento sem morte, por exemplo, ou em casos de assassinato. Nestas situações, a família da vítima pode salvar o culpado do assassínio da pena de morte contra o pagamento de um valor que é metade do montante pago pelo assassinato de um homem. Em casos de heranças, a situação das mulheres também continua a ser discriminatória.

Mudanças subtis nos papéis de género no Irão

No entanto, a legislação aprovada recentemente representa uma vitória para as mulheres iranianas. Segundo declarações de Rahim Zareh, porta-voz da Comissão de Assuntos Económicos do Parlamento iraniano à televisão pública do país, a mudança deve-se ao “novo papel de chefes de família que cada vez mais mulheres desempenham no Irão”, disse, citado pelo jornal espanhol.

Ziba Mir-Hosseini, investigadora iraniana do Centro para o Estudo da Lei Islâmica na Universidade de Londres, considera que há um “reconhecimento implícito do princípio da igualdade entre homens e mulheres numa área do sistema legal iraniano governado pela jurisprudência islâmica”, que poderia “estender-se a outras áreas do código penal”, disse ao jornal El Mundo.

Para a investigadora, o facto do Conselho dos Guardiães ter aprovado esta lei representa um reconhecimento da “mudança de status da mulher na sociedade” e abre um precedente que vai tornar mais difícil a recusa de introdução de outras alterações à lei baseadas no argumento de que são incompatíveis com o Islão.

O Irão deve distinguir entre o que as leis dizem e a realidade no terreno, referiu Ziba Mir-Hosseini. “A ideia da igualdade de género está a ser aceite entre as gerações mais jovens e estamos a assistir à normalização das relações igualitárias na família e cultura. A maioria da sociedade iraniana é muito mais igualitária do que as elites que a governam. Mas esta lei estabeleceu um precedente”, frisou.