“Fellini 8 ½”

É uma das reposições do ano, e em cópia restaurada digital. Não faltam os filmes sobre a concepção e a rodagem de filmes, mas nunca houve um filme como este — que foi, aliás, o primeiro do género — sobre as dores de parto criativas de um realizador, as estações da cruz da criação cinematográfica, entre a realidade pragmática e sufocante e a divagação onírica, psicanalítica e erótica, com um sublime Marcello Mastroianni no papel de Guido Anselmi, “alter ego” do realizador. Como escreveu François Truffaut sobre “Fellini 8 ½”, “Fellini fez de actor, de argumentista, de homem do circo, de desenhador. O seu filme é completo, simples, belo, honesto, como aquele que Guido quer rodar em 8 ½”. E mais a música cirsense de Nino Rota, a esplendorosa fotografia a preto e branco do “antonionesco” Gianni Di Venanzo, e as mulheres: Claudia Cardinale, Anouk Aimée, Sandra Milo, Rossella Falk, Barbara Steele. Querem melhor do que isto?

“Operação Eye in the Sky”

O sul-africano Gavin Hood põe-nos a pensar sobre as implicações éticas e morais da utilização de “drones” em operações militares à distância, e sobre a ilusão da “guerra cirúrgica”. Em Nairobi, no Quénia, vai ser bombardeada uma casa onde um grupo terrorista estará a ultimar os preparativos de um atentado suicida que poderá matar muitas pessoas. De súbito, uma criança surge na cena do ataque. O que fazer? Sacrificar um civil inocente pelo bem maior de salvar centenas de pessoas, ou abortar a operação e deixar que os terroristas fujam? O debate acende-se, as responsabilidades das decisões pesam-se, a acção saltita de ecrã em ecrã e de continente em continente (os decisores estão em Londres, no Quénia, no Nevada, na China), o “suspense” adensa-se e não há respostas fáceis. Com Helen Mirren cortante como uma lâmina na militar que coordena a operação numa base nos arredores de Londres, Aaron Paul no piloto à distância do “drone”, Barkhad Abdi no agente infiltrado no local e Alan Rickman no seu último papel, um tenente-general posto perante uma situação dilacerante.

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“John From”

A segunda longa-metragem do realizador português João Nicolau após “A Espada e a Rosa” (2010) começa com os pés bem assentes no chão e os olhos bem postos no real quotidiano e nos seus habitantes. Estamos no Verão, em Lisboa. Rita (Júlia Palha, uma jovem revelação) tem 15 anos, vive em Telheiras com os pais e o irmão mais novo, tem uma melhor amiga e faz tudo aquilo que se espera que as adolescentes como ela façam nas férias grandes. O filme é agradabilíssimo, e de uma verosimilhança e um realismo descontraído raros no cinema português enquanto acompanha as andanças de Rita no seu pequeno mundo familiar e de amizades e festas, mas perde o tino, e o interesse, quando a história dá uma guinada para a fantasia disparatada e Telheiras se metamorfoseia gradualmente na Melanésia. Também com Adriano Luz e Leonor Silveira nos pais de Rita, e Clara Riedenstein na sardenta melhor amiga.

“O Conto dos Contos”

O novo filme do italiano Matteo Garrone, autor de “Gomorra” e “Reality”, concorreu no Festival de Cannes e é uma grande co-produção europeia que adapta ao cinema três contos de fadas tradicionais napolitanos, recolhidos e publicados no século XVII pelo soldado, cortesão e poeta Giambattista Basile. Garrone preferiu filmar em cenários naturais em Itália e ser parcimonioso nos efeitos especiais digitais, em vez de optar pela espectacularidade computacional hollywoodesca, e o elenco inclui nomes como Salma Hayek, John C. Reilly, Vincent Cassel ou Toby Jones. “O Conto dos Contos” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.